O secretário de ciência e tecnologia do Ministério da Saúde, Hélio Angotti Neto, disse nesta sexta-feira (24) que o estudo da coalizão que reuniu alguns dos principais hospitais do país e apontou ineficácia do uso da hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19 tem “fatores de confusão”.
Para ele, o trabalho usa conceitos diferentes dos usados pelo ministério e, por isso, não pode ser aplicado às orientações da pasta. “A pesquisa é interessante. Mas não dá pra pegar um artigo escrito sobre uma coisa e aplicar sobre outra coisa”, afirmou.
Considerado o maior já feito no país sobre a droga, o estudo foi realizado com 665 pessoas em 55 hospitais brasileiros.
No estudo, os pacientes foram divididos, por sorteio, em três grupos: o primeiro (com 217 pacientes) recebeu hidroxicloroquina e azitromicina; o segundo (221) recebeu só a hidroxicloroquina, e no terceiro (227) os pacientes foram acompanhados apenas com suporte clínico, sem nenhuma das duas drogas.
O resultado dos três grupos foi semelhante: 15 dias depois, 69% dos pacientes do primeiro grupo, 64% do segundo e 68% do terceiro já estavam em casa sem limitações respiratórias. O número de óbitos também foi parecido em todos eles: cerca de 3%, de acordo com a coalizão.
Questionado sobre os resultados, Angotti passou a fazer críticas ao modelo adotado. Para ele, o estudo tratou como pacientes leves e moderados aqueles que, para a pasta, seriam considerados graves.
“Alguns pacientes no primeiro dia [da pesquisa] recebiam até 4 litros de oxigênio. O fato de ter dispneia é para nós caso grave. O título [da pesquisa] fala de leve a moderado, mas, quando se olha os critérios na nota informativa do Ministério da Saúde, consideramos como grave”
“É a metodologia da pesquisa e isso tem que ser respeitado, mas não se pode usar isso para tirar conclusões” afirmou. “Há fatores de confusão e terminologias que diferem.” Ele também fez críticas às dosagens e ao protocolo adotado.
A publicação, no entanto, tem sido apontada por especialistas como uma das principais evidências de que não há benefício no uso da hidroxicloroquina para a Covid-19, ao contrário das orientações atuais do Ministério da Saúde.
Questionado, Angotti disse que a pasta está aberta a rever orientações, mas não disse quando isso ocorrerá.
No mesmo encontro em que fez críticas ao estudo da coalizão de hospitais, Angotti disse ter recebido relatos de prefeitos do Rio Grande do Sul sobre “experiências” com o uso precoce do medicamento. “Tudo isso tem sido devidamente anotado”, disse.
Nas últimas semanas, novos estudos publicados têm alertado para a ineficácia da hidroxicloroquina e da cloroquina contra a Covid-19, o que levou a Sociedade Brasileira de Infectologia a sugerir ao governo que interrompa a oferta do medicamento.
Atas de reuniões do comitê de operações de emergência do Ministério da Saúde, obtidos pelo jornal Folha de S.Paulo, mostram que técnicos que fazem parte do grupo fizeram um alerta, em 25 de maio, sobre o risco de o governo ficar com estoques parados de cloroquina.
“Devido a atual situação não é aconselhável trazer uma quantidade muito grande, pois caso o protocolo venha a mudar, podemos ficar com um número em estoque parado para prestar contas”, diz documento.
Atas do mesmo comitê mostram que, no início de julho, o governo federal tinha uma reserva de 4.019.500 comprimidos do medicamento –pouco abaixo do total que já havia sido distribuído, de 4.374.000 até aquele momento.
O documento dizia ainda que o total poderia aumentar, já que alguns estados não quiseram receber o medicamento.
Questionado nesta sexta, o secretário negou ter estoques parados e disse que o volume está “em constante movimentação para evitar faltas”.
Segundo ele, o ministério tem hoje 472 mil comprimidos de cloroquina reservados para tratamento da malária e outras condições.
Ele não deixou claro, porém, se o total engloba o valor previsto para a Covid-19. Painéis da pasta apontam que o total dispensado do medicamento passou de 4,3 milhões de comprimidos, no início de julho, para 4,8 milhões até o momento.
O secretário confirmou ainda que a pasta tem “sob guarda” cerca de 3 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina doados pelos Estados Unidos e empresas farmacêuticas. Para ele, porém, o total não pode ser contabilizado como estoque por não ter sido adquirido pelo Ministério da Saúde, mas recebido como doação.
Atas do comitê, no entanto, têm citado o quantitativo doado em atualizações sobre o volume disponível do medicamento.
Angotti negou ainda ter havido “manifestação formalizada” pelos estados de devolução de cloroquina. A informação, porém, consta em documento do comitê de operações de emergência.
“Com isso, ficou em estoque para devolução 1.456.616, estamos aguardando maiores definições para proceder ou não com o recolhimento”, aponta o registro de encontro no início deste mês.
Mais cedo, o secretário-executivo do ministério, Elcio Franco, fez uma defesa do medicamento.
Sem apresentar referências, ele afirmou ter evidências de que a cloroquina “é efetiva na conduta [de tratamento] precoce”. Não há, porém, nenhuma comprovação científica de eficácia até o momento.
Na coletiva, representantes do ministério também tentaram rebater críticas sobre a baixa execução de recursos reservados para o combate à Covid.
Levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União, antecipado pela Folha de S.Paulo, mostra que, até 25 de junho, havia sido gasto somente 29% dos R$ 38,9 bilhões prometidos por meio de uma ação orçamentária específica criada em março, mês em que a OMS (Organização Mundial e Saúde) declarou pandemia pelo novo coronavírus.
Franco alegou dificuldade na aquisição de equipamentos e compras em andamento para o fato de haver valores não pagos. Segundo ele, o total atual já pago chega a R$ 18,4 bilhões, ou cerca de 46% do total.
Já o ministro interino, Eduardo Pazuello, defendeu no início da coletiva que haja “reserva” para os meses seguintes.
“Não é uma corrida de 100 metros nem uma planilha de Excel. Isso se chama gestão. Estamos no meio do ano, e temos todo o segundo semestre pela frente, não posso deixar de ter reservas”, disse.
A pasta apresentou ainda dados que mostram que o país já registra 13.092 casos de Covid-19 em indígenas, com 247 mortes. Entre esses casos, 4.452 ainda se recuperam da infecção. Os dados são de balanço com distritos sanitários indígenas.
O secretário de saúde indígena, Robson Santos da Silva, disse que os números preocupam, mas que a pasta avalia que a taxa de incidência e letalidade é menor do que o esperado. Ele também negou que haja subnotificação, mas não deu detalhes sobre a oferta e política de testes entre essa população.
Bahia Notícias