A cidade de Botucatu, a 235 km de São Paulo, viveu cenas de terror durante um violento assalto ocorrido no município na madrugada de quinta-feira (30/7).
Um grupo de cerca de 40 bandidos armados e mascarados atacou pelo menos três agências bancárias da cidade — uma delas foi destruída por explosivos —, fez moradores reféns e por mais de três horas trocou tiros com policiais, ferindo dois deles. Um dos suspeitos também foi atingido e morreu.
Publicados nas redes sociais, vídeos gravados por moradores da cidade mostram cenas de intenso tiroteio pelas ruas do centro de Botucatu. Em alguns deles, os bandidos aparecem de máscaras e também munidos de armas de grosso calibre.
Ataques como esse se tornaram mais frequentes nos últimos anos, principalmente em cidades pequenas e médias do Sudeste. Investigações indicam que as ações são planejadas e também executadas por membros de facções criminosas, principalmente do Primeiro Comando da Capital (PCC).
No ano passado, o Estado de São Paulo registrou 21 roubos a bancos, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública. Até junho deste ano, a pasta contabilizou novos 14 ataques.
Esses ataques vem sendo chamados pela mídia de “novo cangaço”, pelas táticas usadas pelos criminosos. O termo foi cunhado no início deste século, para se referir aos grupos de dezenas de bandidos que invadiam municípios do sertão nordestino para assaltar bancos e carros-fortes. Essas ações eram semelhantes ao modus operandi dos cangaceiros que aterrorizaram o Nordeste no início do século 20, como o bando de Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião.
Esse tipo de grandes assaltos chegou ao Sudeste “há cerca de cinco anos”, explica Guaracy Mingardi, analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Esses grupos escolhem cidades pequenas e médias, com poucas vias de acesso e efetivo policial pequeno”, diz.
Normalmente, os alvos são agências bancárias ou transportadoras de valores. Em sua maioria, os assaltos ocorrem durante a madrugada, quando as ruas e o comércio estão vazios, além da presença policial ser menor. Vias de acesso ao local do roubo são fechadas com barricadas, e membros da quadrilha ocupam locais estratégicos para impedir a aproximação de policiais ou da população.
Em maio deste ano, uma ação semelhante ocorreu em Ourinhos, outra cidade média do interior paulista. Na ocasião, criminosos armados explodiram uma agência bancárias e destruíram uma base da Polícia Militar.
Em 2016, outro grande assalto noturno amedrontou moradores de Ribeirão Preto, também no interior de São Paulo. Na ação, os bandidos usaram um caminhão e uma retroescavadeira para fechar ruas, e atiraram em transformadores para deixar a região sem energia elétrica. Também houve intenso tiroteio com a polícia.
Esse tipo de ação foi usada por bandidos brasileiros inclusive fora do país, em um assalto a uma transportadora de valores em Ciudad del Este, na fronteira do Paraguai com o Brasil, em abril de 2017.
Na ocasião, um bando de 30 homens se aproximou da seguradora Prosegur e, durante três horas, tentou entrar no prédio onde havia milhões de reais — a empresa não revelou quanto foi roubado, mas, na época, a polícia local chegou a falar em até US$ 40 milhões.
O grupo utilizou metralhadoras e fuzis, como a .50, capaz de derrubar aeronaves. Bombas foram lançadas para ultrapassar as paredes blindadas do edifício. À época, delegados brasileiros e paraguaios afirmaram que o crime fora organizado pela facção PCC.
“A tática é mais ou menos a mesma nessas ações: o grupo fecha os acessos, obriga a polícia a ficar parada e impede a aproximação de reforço usando armamento muito potente”, diz Mingardi.
Segundo ele, investigações demonstraram que nem sempre todos os membros da quadrilha são filiados ao PCC — a rede criminosa ajuda a planejar as ações e fornece armamentos. “Dois ou três membros do PCC planejam o assalto, mas o grupo é formado pelos chamados ‘primos’, que são parceiros da facção e agem em conjunto com ela. Quando conseguem o dinheiro, ele é repartido”, diz Mingardi.
De acordo com o supervisor do Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (Garra), Eduardo Brotero, a ação planejada e repentina dos criminosos em cidades menores dificulta a atuação policial.
“É muito difícil o combate (a esse tipo de assalto), porque eles têm a vantagem de ter uma divisão de tarefas. Há arrombadores, seguranças e piloto de fuga. As quadrilhas estudam rotas de fuga, fazem reconhecimento do local, têm uma logística especializada e atacam à noite. Fica muito difícil para a polícia, mesmo que chegue num tempo exímio”, afirmou.
O supervisor da tropa de elite da Polícia Civil de São Paulo disse que as quadrilhas estudam inclusive o comportamento dos policiais que atuam na região onde pretendem atacar.
“Eles sabem onde estão os batalhões, quando acontecem as trocas de turno e sabem até onde é a casa de alguns policiais e as rotinas deles. Sem contar que eles não trabalham com a lei, então fazem pessoas reféns, usam como escudo. Isso dificulta muito o combate”, disse Brotero.
O supervisor do Garra afirmou que as quadrilhas costumam atacar bancos de cidades com menos de 50 mil habitantes. Dessa maneira, eles conseguem ter uma superioridade numérica em relação aos policiais da região. O armamento, afirma, também é poderoso: utilizam calibre .50 e .30.
Segundo Brotero, esses grandes e violentos assaltos traumatizam pequenas e médias cidades do interior. “Imagine uma cidade mais pacata, onde mal existem roubos, mas que é atacada por uma quadrilha disposta a tudo. O trauma que essas ações causam nas pessoas é muito grande”, afirma.
Esse tipo de assalto — quando um grupo criminoso toma o controle de uma pequena cidade para roubar — não é novo no Brasil. No início do século passado, Lampião e seu bando de cangaceiros ganhavam a vida praticando saques semelhantes.
No final dos anos 1990, surgiu o chamado “novo cangaço”, quando grupos de criminosos passaram a invadir cidades do sertão nordestino (municípios carentes de efetivo policial) para saquear bancos e carros-fortes. As ações, bastante violentas, terminavam em tiroteios e mortes de policiais e civis inocentes.
O principal líder do “novo cangaço” era José Valdetário Benevides Carneiro, que comandou dezenas de ações cinematográficas pelo Rio Grande do Norte — ele morreu em 2003 durante um confronto com a polícia.
Em um dos roubos comandados por Valdetário, na cidade de Macau, o delegado Antonio Teixeira Jr. sentiu na pele a violência do grupo. “Soubemos que haveria um ataque. O grupo de Valdetário roubou três bancos. Quando saímos do batalhão da PM, ouvimos os tiros. Levei três tiros: um no braço, um na perna e outro de raspão no rosto”, diz Teixeira Jr, delegado há 23 anos — na época ele era o titular da delegacia regional de Macau.
Segundo ele, que hoje trabalha na delegacia de Mossoró, interior do Rio Grande do Norte, esse tipo de ação “saiu de moda” na região. “Hoje vivemos um conflito de facções criminosas, algumas delas vindas do Sudeste e outras locais. Elas brigam pelo controle do tráfico de drogas”, afirma.
Para Thadeu Brandão, coordenador do Observatório da Violência do Rio Grande do Norte (Obvio) e professor de sociologia da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, existem semelhanças entre o “novo cangaço” e os recentes assaltos a cidades do Sudeste, embora elas sejam mais sobre procedimentos do que a respeito do perfil dos criminosos.
“O novo cangaço era mais ligado a um ciclo de vinganças, conflitos familiares e de justiçamento em relação à atuação da polícia. Valdetário chegava a distribuir dinheiro para algumas pessoas. Hoje, apesar do modus operandi dos roubos ser parecido, o tipo de criminoso e o objetivo do assalto são bem diferentes daquela época”, explica.
“O criminoso de agora pensa principalmente no dinheiro, quer roubar para ficar rico e andar de carro de luxo. É diferente do novo cangaço, quando havia até uma espécie de busca da honra por meio dos crimes. Hoje, o matador é mais profissional: mata mais pelo dinheiro.”
Nas raízes do cangaço original, que consagrou figuras como Lampião na história do país, também estava um elemento de revolta contra o coronelismo, o descaso do poder público e as injustiça sociais no Nordeste. Apesar de terem deixado um rastro de morte e terror em várias cidades, eram vistos por parte da população, como heróis.
R7