A pandemia de covid-19 causou um aumento global na ingestão de bebidas alcoólicas. Nos Estados Unidos, o consumo médio de bebidas por dia aumentou de 0,74 em fevereiro para 0,94 em abril, de acordo com o instituto de pesquisa RTI International. Essa mudança está relacionada a abalos na saúde mental, causado pelas mudanças drásticas na vida social, de acordo com especialistas.
A psicóloga Julia Chester, professora de ciências psicológicas da Purdue University, nos Estados Unidos, que estuda o estresse e o comportamento de beber, afirma que os estressores sociais relacionados à pandemia podem apontar para um aumento no consumo de álcool e nos hábitos de beber.
O psiquiatra Luiz Socca, membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria), explica que as causas do estresse no contexto da pandemia estão ligadas ao medo causado pelo próprio vírus e também ao isolamento social imposto para frear sua disseminação.
“Há o medo de contrair a doença e de contaminar os outros. O isolamento traz consequências graves à saúde mental. Preocupa o fato de não estar trabalhando, a manuteção do nível [econômico] e da própria vida. Então, muitos acabam descontando no álcool”, pondera.
Uma pesquisa feita pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) entre 24 de abril a 8 de maio apontou que 18% das 44.062 pesssoas que responderam a um questionário pela internet afirmaram ter aumentado o consumo de álcool durante a pandemia.
O especialista afirma que o álcool tem um efeito ansiolítico, ou seja, pode diminuir a tensão e a ansiedade de imediato. “Mas é um ansiolítico ruim, porque seu efeito dura pouco e há efeitos colaterais. A longo prazo pode causar ou piorar a depressão e a ansiedade”, ressalta.
Ele acrescenta que é “uma susbstância bastante tóxica que afeta todos os órgãos do corpo”. Com o passar do tempo, as complicações incluem “perda de memória, da função hepática, câncer em diversas regiões, como boca, garganta, esôfago e estômago”, exemplifica.
De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), o uso abusivo de álcool resulta em 3 milhões de mortes por ano em todo o mundo, o que representa 5,3% do total – entre pessoas de 20 a 39 anos, esse percentual sobe para 13,5% -, além de ser fator de causa para mais de 200 doenças e lesões.
O clínico-geral e nefrologista Américo Cuvello Neto, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, alerta para as possíveis consequências mais imediatas do consumo excessivo de bebidas alcoólicas, que podem afetar a si e a outras pessoas, como os acidentes de trânsito.
Já quem está alcoolizado pode entrar em coma metabólico. “O álcool fica circulando e causa uma redução das funções cerebrais”, detalha. Segundo ele, para isso acontecer, a quantidade ingerida teria que ser muito elevada. Mas isso varia de pessoa para pessoa.
Cuvello afirma que o limite aceitável por dia para homens é de três doses e para mulheres duas doses no caso de bebidas fermentadas, como cerveja e vinho. Se forem bebidas destiladas, como cachaça, tequila e vodca, os homens não devem consumir mais que duas doses, e as mulheres uma.
Essa diferença acontece porque, segundo ele, as mulheres têm menos enzimas que metabolizam o álcool e, na maioria das vezes, menor quantidade de massa muscular. “O álcool é metabolizado no fígado e no músculo, se o indivíduo tiver menos massa muscular, vai metabolizar menos”.
Socca, por sua vez, ressalta que não existe uma quantidade segura de ingestão de álcool quando se fala no risco de desenvolver uma dependência. “Pode acontecer mesmo quando a pessoa não bebia antes. Particularmente, ocorre muito com crianças e adolescentes”, pondera.
A orientação é que pais evitem ficar alcoolizados na frente de seus filhos e que não haja fácil acesso ao álcool dentro de casa.
O psiquiatra afirma que há um conjunto de fatores de risco para a dependência ao álcool. Eles são externos e internos, como por exemplo a genética, doenças crônicas físicas e psíquicas – como enxaqueca, dores articulares, depressão, ansiedade – e trabalhos desgastantes.
“Há uma alta taxa de alcoolismo entre médicos comparando com a população em geral. Eles já estão mais sujeitos e, diante da pandemia, isso piora, pois passam por frustrações diárias, como a perda de pacientes”, analisa.
R7