Além da pandemia do novo coronavírus, as relações entre os três poderes da República brasileira ajudaram a deixar o país um pouco mais tenso em 2020.
Positiva na relação foi a amizade declarada do presidente Jair Bolsonaro com o até setembro presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli.
Também foi o ano em que Rodrigo Maia (DEM-RJ) ensaiou uma aproximação com o governo federal, ainda que as farpas não tenham parado de aparecer.
O momento mais crítico ocorreu no fim de maio, quando o chefe do Executivo esbravejou contra a operação determinada pelo Supremo, órgão máximo do Judiciário, que teve como alvo grupos que apoiam o presidente.
“Não teremos outro dia como ontem, chega! Estou com as armas da democracia nas minhas mãos”, afirmou Bolsonaro em frente ao Palácio do Alvorada no dia 28 daquele mês. “Chegamos no limite”, declarou, um dia após a operação determinada pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes.
Entre os alvos da operação estavam, além de apoiadores com contas influentes nas redes sociais, o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) e o dono das lojas Havan, Luciano Hang, apoiadores de Bolsonaro.
Para o presidente da República, Moraes determinou a operação apenas para atingi-lo. “Querem tirar a mídia que tenho em meu favor, sob o argumento falacioso de fake news”, afirmou.
Dias antes o caldo já começava a ferver por dois andamentos do processo em que o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, acusava Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal.
Primeiro, Celso de Mello, relator do caso, fez uma solicitação à PGR (Procuradoria-Geral da República) para analisar a possibilidade de apreensão do celular de Bolsonaro. E o mundo caiu em Brasília.
General Augusto Heleno, ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), afirmou que o pedido era inacreditável e abria o risco de um rompimento entre os poderes.
Celso de Mello acabou arquivando a solicitação, amenizando temporariamente o assunto que até hoje está em discusssão no STF, que ainda avalia se Bolsonaro deve ou não ser obrigado a depor presencialmente sobre a acusação de interferir na PF.
No segundo episódio, ainda mais ruidoso, o então decano Celso de Mello aceitou a divulgação de um vídeo ministerial que o governo insistia em não tornar público. Moro alegava que nessa reunião ficava clara a tentativa de escolher o superintendente da PF com objetivos pouco republicanos por parte do presidente.
Na gravação havia o trecho citado por Moro, ainda que seja questionável a interpretação, mas tinha muito mais do que isso.
Na reunião de 22 de abril o presidente disse inúmeros palavrões e outros participantes falaram coisas que tinham razão em querer deixar escondidas.
Ricardo Salles, do Meio Ambiente, por exemplo, sugeriu mudar a legislação ambiental “passando a boiada”, aproveitando que todo mundo só falava sobre a pandemia.
No mesmo encontro, o ministro da Educação demitido dias depois da divulgação, Abraham Weintraub, faz ameaças aos titulares do Supremo.
Em relação a Alexandre de Moraes, o Executivo marcou uma reunião com o ministro para pôr panos quentes na situação. Para isso, Bolsonaro enviou uma tropa de choque, com André Mendonça, titular da pasta da Justiça, à frente. Parece ter dado resultado, mas só por curto período de tempo.
No mesmo inquérito das fake news, em julho, Moraes pediu que as redes sociais bloqueassem contas bolsonaristas até no exterior, acusando-as de propagar mentiras e o ódio
O tenebroso mês de maio já começou complicado. Nos primeiros meses de pandemia, o STF determinou que governadores e prefeitos teriam autonomia para determinar as medidas restritivas que seriam impostas à população para evitar a propagação do vírus.
Também ficava a cargo das autoridades locais a definição de que atividades poderiam ser consideradas essenciais, para desgosto do governo federal, que fez inúmeras listas do tipo.
Bolsonaro jamais aceitou isso. Tanto que no dia 7 de maio, juntou empresários que foram procurá-lo no Palácio do Planalto para pedir ações do governo federal para evitar a quebradeira na economia.
O presidente pegou a parte que queria ouvir, juntou o grupo e foi ao prédio do Supremo, também na Esplanada dos Ministérios, pressionar os ministros.
Na arena dos três poderes de 2020 o Legislativo também teve arestas com os outros dois.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi visto algumas vezes ao lado do presidente no primeiro semestre, muito porque Bolsonaro decidiu criar laços mais próximos com o Congresso e o grupo conhecido como Centrão. Daí a dizer que se tornaram aliados vai uma distância grande.
Ainda que tenha feito elogios ao governo, principalmente à agenda econômica, Maia deu várias declarações de que o auxílio emergencial, propagandeado com orgulho pelo Executivo, só saiu por insistência do Legislativo.
Disse também que o valor de R$ 600 foi determinado pelos parlamentares, a contragosto do governo, que queria pagar menos.
Foi dele também a campanha para manter o benefício quando o governo pensava em interrompê-lo após as cinco primeiras parcelas. “Custo maior é não renovar auxílio emergencial”, disse Rodrigo Maia.
O deputado carioca também comprou brigas com integrantes do Executivo. Foi essencial para tirar de vez Weintraub da Educação e faz campanha aberta contra Ricardo Salles, do Meio Ambiente.
O STF, que adotava até o fim do ano uma postura mais de comadre do que de adversário do Congresso, fechou o ano impedindo a recondução às presidências da Câmara e do Senado dos atuais ocupantes dos cargos, respectivamente Maia e Davi Alcolumbre (DEM-AP). A medida, para alguns analistas, é vista como uma interferência de outro poder no Legislativo.
Situação de qualquer forma incomparável com o que ocorreu em 2019, quando o Parlamento cogitou abrir a CPI da Toga, para investigar a idoneidade dos membros do Judiciário.
O veto a Maia, impedindo-o de continuar no cargo em 2021, deixou, adivinhem quem, sorrindo de orelha a orelha? Bolsonaro, que coloca o atual presidente da Câmara entre os culpados por, segundo ele, travar as pautas que manda ao Congresso.
Como se vê, há atritos, mas também pontos que unem os três poderes. Em julho, Maia afirmou que queria que Bolsonaro terminasse o mandato e não via com bons olhos os pedidos que chegaram a ele de abertura de um processo de impeachment.
“Nosso papel {do Congresso} é o de construção do diálogo com o Poder Executivo e o poder Judiciário. O tema do impeachment é uma decisão política. E a minha avaliação é que se no meio de uma pandemia nós tratarmos desse tema, vamos aprofundar ainda mais uma crise que sabemos que não é pequena”, analisou Maia.
Mais recentemente, o Congresso derrubou o veto do presidente contrário à prorrogação até o fim de 2021 da desoneração da folha de 17 setores da economia. O governo federal tenta ainda reverter a regra, que na prática significa que tais segmentos pagarão menos impostos.
O governo alega não poder ficar sem a receita e não ter de onde tirar dinheiro para repor essa perda, tanto que a AGU (Advocacia Geral da União) foi ao STF pedir para a Corte derrubar a prorrogação.
R7