Dificuldades para cadastrar o número de vacinados nos municípios paulistas estão contribuindo para deixar defasado o registro de imunizados contra a covid-19 no Estado mais populoso do país.
A atualização de meio-dia de sexta-feira (5) do site Vacina Já, do Governo do Estado de São Paulo, mostrava que 702.181 moradores haviam recebido as doses das vacinas CoronaVac ou da AstraZeneca/Oxford, mas a quantidade já era certamente maior. Todos os municípios que atenderam à reportagem do R7 garantiram ter vacinado mais pessoas do que o que aparecia registrado no portal.
Erros do sistema oficial são a principal causa para a diferença, mas também há desinteresse de registrar os dados, como afirmou a Prefeitura de São José dos Campos, que prefere mandar a informação apenas ao DataSus, do governo federal, ou falta de pessoal para fazer esses serviço, situação vivida por Cravinhos.
De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, “as informações disponíveis no Vacina Já são preliminares e estão sujeitas à avaliação, conforme consta no rodapé do próprio site. Municípios e serviços de saúde que eventualmente encontrarem alguma dificuldade de manuseio do sistema podem contatar diretamente o serviço de help desk da plataforma por meio do telefone 0800 722 8900.”
Das 645 cidades paulistas, oito sequer apareciam na lista da campanha de vacinação de São Paulo. Teriam, portanto, zero imunizados. Prova da defasagem, não da falta de trabalho dos municípios, como constatou o R7.
Em Tapiraí, a funcionária da Prefeitura Denise Cavalcante, uma contadora que no meio da pandemia passou a ajudar na organização da área de saúde, enfatizou que “a vacinação está ocorrendo, sim!”.
Ela diz que as falhas do sistema não permitem que entre qualquer novo dado.
Com a autoridade de quem faz o cadastro dos tapiraienses vacinados, Denise conta que ora a senha simplesmente não entra ora, quando é possível acessar o sistema, não aparece campo para digitação.
A cidade vacinou 164 pessoas até o momento e na sexta-feira iniciaria a imunização de 80 indígenas que vivem em uma aldeia local.
Na região administrativa de Sorocaba, a pequena Uru também surge zerada na lista.
No único posto de vacinação da cidade, com cerca de 1.200 habitantes, a enfermeira Tatiana Lopes diz que não faz sentido o que está no portal. “Na minha lista, até terça-feira (6), foram dadas 51 doses. Ontem, mais 11. Só aí já dá 62.”
Segundo ela, que acumula a tarefa de fazer o registro no Vacina Já, todas as informações foram cadastradas corretamente, mas o município, mesmo assim, aparece na lista sem qualquer aplicação.
Mirante do Paranapanema, Nova Castilho, Salmourão, Taiúva e Santa Gertrudes, que também aparecem com zero imunizações, não deram retorno às tentativas de contato da reportagem. São José dos Campos afirmou que não enviou os dados ao site intencionalmente.
Em nota da assessoria de imprensa de São José dos Campos, o município esclarece que considera a atualização dos dados um “retrabalho” e diz que a prioridade é imunizar a população.
“A Prefeitura de São José dos Campos informa que a vacinação contra a covid-19 está ocorrendo com tranquilidade no município. O cadastro dos dados de vacinas aplicadas está sendo realizado no portal do governo federal, o SI-PNI, não havendo necessidade de fazer o registro em outro portal. Evitando o retrabalho, as equipes ganham tempo para fazer o mais importante no momento, que é imunizar a população.”
Em um release de sexta-feira enviado pela assessoria consta que o município, quinto mais populoso do Estado, com cerca de 730 mil moradores, já imunizou mais de 20 mil pessoas.
Dez dias depois de iniciada a campanha no município, Cajuru não entendia porque havia apenas dois imunizados no site Vacina Já.
A cidade, com população estimada de 26 mil pessoas, recebeu três lotes de vacina, dois da CoronaVac e um da AstraZeneca.
“Só no primeiro lote, assim que começamos, vacinamos 133 pessoas no hospital”, afirmou a diretoria da vigilância sanitária de Cajuru, Elaine Cristina de Fátima Mencuccino.
As mais de 1.200 doses entregues serviram para imunizar todos os profissionais de saúde da rede pública e quase a totalidade da rede particular. “Faltam mais ou menos 10 pessoas no privado.”
Cajuru passou vários dias na lanterna dos 645 municípios paulistas e só deixou o posto negativo com a atualização do sistema no fim de quinta-feira (4). Hoje aparece com 139 vacinados.
Elaine recorda que houve problema para cadastrar os primeiros dados e sempre aparecia uma mensagem de erro ao finalizar o processo.
Santa Maria da Serra, localizado no Planalto Central Paulista e com população estimada em 6.173 habitantes, surgia na parte final da tabela, com três vacinados na quinta. O número foi a 28 na sexta, atualização que nem de longe chegou à quantidade certa.
Isso de acordo com Miriam Spadotto Nunes, assessora do secretário de Saúde, Marco Casarinni. Ela explica que o sistema de cadastro do governo simplesmente não funciona. “Uma vez não completa o cadastro, na outra ele até termina, mas não aparece nada do que você digitou no ar”, reclamou.
Segundo ela, todas as 157 doses iniciais que a administração regional recebeu foram aplicadas nos profissionais de saúde locais. Miriam não soube dizer quantos lotes chegaram a Santa Maria, mas contou que apenas cargas da CoronaVac entraram no município.
Ela também revelou que metade das doses estão sendo guardadas para garantir a segunda aplicação do imunizante chinês, necessária para a efetiva imunização.
Em Eldorado, no Vale do Ribeira, a técnica de enfermagem Maria Cristina Coutinho ensina que é preciso paciência para conseguir registrar as aplicações. “De manhã, eu não consigo entrar, entre 8h e 10h é impossível. Você joga os dados ali e nada acontece. Passei a tentar depois do almoço e melhorou. Lento, mas atualiza, pelo menos.
Eldorado tem 15.544 moradores e, até sexta-feira, 723 vacinados. “Esses são os dados de quinta”, esclarece Maria Cristina. “Os dessa manhã vou esperar umas 13h, 14h para colocar”, acrescentou.
Cravinhos, que tem por volta de 35 mil habitantes, não entende por que aparece lá no fim do ranking. Tinha 9 imunizados na quinta e 20 na sexta.
“Temos mais. Ah, com certeza. Só estamos com um problema para cadastrar a vacinação”, explicou Gisleine de Oliveira Bosquim, coordenadora da vigilância epidemiológica do município.
Ela recorda que assim que as primeiras doses foram aplicadas, em 22 de janeiro, houve uma dúvida sobre como fazer o cadastro. O lote inteiro foi colocado em uma única unidade de saúde de Cravinhos, mas o correto, pelo menos foi isso que o governo teria dito à coordenadoria, seria distribuí-lo nos quatro postos de vacinação.
“Estamos com esse problema no momento, precisamos migrar todas as informações da maneira certa, e por isso atrasamos os dados”, acrescentou.
Gislene diz que Cravinhos já recebeu 1.030 doses (da CoronaVac e da AstraZeneca) e, destas, 450 foram aplicadas.
Uma dificuldade que ela diz ocorrer em um município com poucas pessoas para serem imunizadas é que todas as últimas doses vieram em embalagens com dez vacinas cada. “Então, se você tem no posto seis pacientes para tomar, não pode abrir o frasco, por que os quatro restantes venceriam em algumas horas”, contou.
A CoronaVac, depois que o frasco é aberto, precisa ser utilizada em no máximo oito horas. A vacina de Oxford/AstraZeneca dura menos: seis horas apenas.
A coordenadora da vigilância epidemiológica diz que todos os profissionais da rede pública de Cravinhos já receberam o imunizante. Na semana que vem, começa a campanha com os médicos e enfermeiros da rede privada e com os idosos com mais de 90 anos.
Gislene informou também que as pessoas recebem a carteirinha de vacinação já com a dia previsto para a segunda dose. No caso da CoronaVac, vinte e um dias depois. De Oxford, com a data marcada para daqui a três meses.
Nova Luzitânia, também na região de Ribeirão Preto e com aproximadamente 4 mil moradores, tinha apenas 9 vacinados até quinta-feira, segundo o Vacina Já. Subiu para 18 na sexta, mas a Secretaria de Saúde local nega que tenham sido tão poucos.
“Toda a equipe de enfermagem já foi vacinada, mas falta alguém para digitar os dados para a gente”, diz a enfermeira responsável pelas aplicações Ariane Martinelli.
“Mais de 40 com certeza já foram”, disse ela.
Ariane se reveza com outra profissional no trabalho e tem que, após encerrar a função, ir ao computador cadastrar um por um os imunizados. Tem dia que não dá tempo, lamenta.
O município recebeu em três lotes o total exato de 88 vacinas, 30 da Astrazeneca e 58 da CoronaVac.
R7