A entrevista de Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação Social do governo Jair Bolsonaro, deu munição para membros da CPI da Covid reforçarem acusações de omissão e ineficiência no combate à pandemia por parte do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e do presidente da República.
O publicitário já estava nas listas de requerimentos de convocação a serem apresentados pela oposição, mas agora, após entrevista à revista Veja, senadores querem que Wajngarten seja um dos primeiros a serem ouvidos.
Para congressistas, o governo está batendo cabeça e se autoincriminando a partir do momento que um ex-membro do alto escalão vem a público para se defender de acusações que ainda nem sequer foram feitas oficialmente.
Embora Wajngarten afirme mais de uma vez na entrevista que o presidente não foi o responsável pelo fracasso da primeira negociação de compras de vacinas com a Pfizer, para aliados do senador Renan Calheiros (MDB-AL) e integrantes da oposição, há trechos em que o ex-secretário acaba implicando diretamente o mandatário.
À Veja o publicitário diz que a compra de vacinas oferecidas pela Pfizer, ainda em 2020, não ocorreu por “incompetência e ineficiência” por parte do Ministério da Saúde.
Wajngarten afirma que o contrato com a empresa poderia ter sido assinado em setembro ou outubro, com as primeiras doses chegando ainda no fim de 2020.
O ex-secretário conta que ele próprio passou a negociar com a Pfizer depois que soube que o laboratório havia enviado carta ao governo oferecendo doses da vacina e o governo brasileiro nem sequer respondera a farmacêutica.
Em dado momento da entrevista, Wajngarten detalhou o início das negociações.
“Aliás, quando liguei para o CEO da Pfizer, eu estava no gabinete do presidente. Estávamos nós dois e o ministro Paulo Guedes, que conversou com o dirigente. Foi o primeiro contato entre a Pfizer e o alto escalão do governo”, disse o ex-secretário à revista.
Para aliados de Renan, neste trecho, o publicitário compromete Bolsonaro. “Deixa isso bem claro [a participação de Bolsonaro]”, afirmou o senador Otto Alencar (PSD-BA).
A leitura de congressistas é que a partir do momento em que o presidente foi informado sobre a possibilidade de acordo, cabia a ele fazer esforços para que desse certo, sem poder culpar subordinados por decisões que em última instância cabiam a ele.
“A declaração dele é uma confirmação do que já se tem ideia a respeito do desempenho do ex-ministro Pazuello”, disse Alencar. “Ficou muito claro que não houve planejamento, foi tudo improvisado dentro do Ministério da Saúde, que funcionou por espasmos, contrações do presidente, que eram seguidos pelo ministro Pazuello.”
Na entrevista, o ex-secretário também fez outras críticas ao Ministério da Saúde. Embora não mencione nominalmente o general Pazuello, as críticas se referem a seu período à frente da pasta.
A entrevista foi publicada praticamente às vésperas da instalação da CPI da Covid no Senado, prevista para a próxima terça-feira (27).
A oposição já queria colocar Wajngarten como investigado da comissão, pois um dos possíveis focos de apuração é a comunicação do governo durante a pandemia.
Os congressistas querem esclarecimentos a respeito da contratação de influenciadores bolsonaristas, das campanhas de conscientização e em que medida o presidente influenciou as mensagens –evitando ou retardando, por exemplo, campanhas em defesa de isolamento social, uso de máscaras e sobre a importância das vacinas.
O senador Humberto Costa (PT-PE) afirma que o tom da entrevista deixa claro que uma das intenções era blindar Bolsonaro e o próprio Wajngarten contra as acusações de ineficácia e erros no enfrentamento à pandemia.
“Fica evidente que ele tentou vacinar o Bolsonaro e a ele próprio. É muito confuso a gente entender o que aconteceu, porque não é natural o secretário de Comunicação da Presidência ser o negociador de contratos importantes do Ministério da Saúde”, afirmou.
“Isso vai ter de ser investigado porque ele foi autorizado a participar dessa negociação que é um assunto do Ministério da Saúde. Se o ministro é incompetente, troca o ministro. Mas pegar uma atribuição legal que é do ministério e passar para outro, isso precisa ser investigado”, disse.
Costa também questiona a tentativa do ex-secretário de querer separar a atuação do Ministério da Saúde e do presidente da República, argumentando que as atribuições são inseparáveis.
A aquisição da vacina da Pfizer foi objeto de resistência pública de Bolsonaro e Pazuello. O general primeiramente afirmou que as condições de armazenamento da imunização eram incompatíveis com os aparelhos brasileiros.
No entanto, o principal ponto de oposição foram as cláusulas chamadas de leoninas, como descreveu o ministro, impostas pelo laboratório.
Pazuello elencava que a Pfizer não assumia responsabilidade por eventuais efeitos adversos da vacina, não aceitava ser julgada pelas autoridades brasileiras e exigia garantias em moeda estrangeira no exterior. As cláusulas, no entanto, são as mesmas apresentadas a outros países.
A compra só foi concluída em março, após a aprovação de legislação que autorizava agentes públicos federais, estaduais e municipais a assumirem essas responsabilidades.
Também nesta sexta-feira (23), Renan afirmou que se considera parcial em questões relativas ao estado de Alagoas, governado por seu filho, Renan Filho (MDB), e por isso não vai relatar nem votar questões relativas a esse estado no âmbito da CPI.
Renan é o futuro relator da comissão, o que tem gerado apreensão no governo. Bolsonaristas passaram então a atacar o senador e questionam sua isenção em querer investigar repasses a estados por causa do cargo de seu filho.
“Desde já me declaro parcial para tratar qualquer tema na CPI que envolva Alagoas. Não relatarei ou votarei. Não há [nem] sequer indícios quanto ao estado, mas a minha suspeição antecipada é decisão de foro íntimo”, escreveu em suas redes sociais.
Bahia Notícias