Em 2020, com então 15 anos de idade, a estudante do ensino médio Letícia de Araújo Alves Meira teve que tomar uma decisão difícil: considerada uma aluna aplicada, ela resolveu interromper os estudos. Moradora de Valparaíso de Goiás, a cerca de 40 quilômetros de Brasília, a adolescente sentia que não estava assimilando o conteúdo do 2º ano da rede pública de ensino.
“Estava achando muito complicado acompanhar [as aulas remotas]. Era atividade atrás de atividade, e poucos encontros [webaulas] para tirar dúvidas. Era desproporcional. E, muitas vezes, só éramos avisados em cima da hora. Tudo isso acabou me desmotivando”, contou Letícia à Agência Brasil.
Ao conversar com a família e concluir que, a longo prazo, o melhor seria refazer o 2° ano, Letícia entrou para um grupo que jamais pensara integrar: o dos jovens que interrompem os estudos antes de concluí-los. Grupo que cresceu devido à pandemia, segundo constatou a 2ª edição da pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus.
Realizada pelo Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) com 68.144 jovens de todo o país, a pesquisa identificou que mais da metade (56%) dos jovens de 15 a 29 anos que estão atualmente afastados das aulas do ensino médio ou superior interromperam seus cursos durante a pandemia. Além disso, quatro em cada dez entrevistados admitiram ter pensado em desistir dos estudos devido aos impactos da covid-19 em suas rotinas. As respostas foram colhidas entre os dias 22 de março e 16 abril, com a perspectiva de identificar os impactos da pandemia para os cerca de 50 milhões de jovens brasileiros, segmento que representa aproximadamente um quarto da população brasileira.
Entre os entrevistados de 18 a 29 anos que interromperam os estudos, a principal causa foi financeira. O que reflete na constatação de que, enquanto na primeira edição da pesquisa, divulgada em junho de 2020, o percentual de jovens que responderam trabalhar formal ou informalmente para complementar a renda familiar estava na faixa dos 23%, na atual edição eles somam 38% do total – índice ainda maior entre os entrevistados negros, entre os quais o percentual chega a 47% dos participantes.
No geral, contudo, pesam também as dificuldades de se organizar e de acompanhar as aulas remotamente – empecilho que afetou principalmente aos mais jovens (15 a 17 anos), que se queixaram de não aprender o suficiente ou de não gostarem dos conteúdos transmitidos.
“Muitos colegas falavam que não estavam conseguindo acompanhar o ritmo do ensino remoto. Entrei em grupos online de estudantes e de pais de alunos que precisaram de apoio, de conversar sobre as dificuldades, e é sempre a mesma coisa: tem os que não tem suporte técnico necessário; os estudantes que têm necessidades especiais e precisam de auxílio; os que não conseguem acompanhar o ritmo das atividades”, exemplificou Letícia.
A maioria (47%) dos entrevistados que interromperam os estudos considera que a ação mais eficaz para atrair os estudantes de volta às salas de aula é vacinar toda a população. Além disso, 36% deles também apontaram a necessidade de o Poder Público oferecer políticas públicas que garantam uma renda básica aos jovens, seja por meio da concessão de bolsas de estudo, seja pela renda emergencial – preocupação que aumenta na mesma proporção da faixa etária dos entrevistados.
Entre os entrevistados que interromperam os estudos, 8% disseram que não planejam voltar a estudar, mesmo depois que a pandemia estiver sob controle. E os que continuam estudando afirmam que a maior motivação para superar os contratempos vem da preocupação com o futuro: 23% dos entrevistados disseram querer ter um bom currículo para conseguir ingressar no mercado de trabalho. A expectativa quanto a um futuro melhor é maior (57%) entre as mulheres que seguem estudando do que entre os homens (50%), da mesma forma que é maior entre os mais jovens (15 a 17 anos).
Leticia representa bem este grupo. No início do ano, decidiu retomar os estudos, mesmo que remotamente. Mais uma vez, a preocupação com o futuro a motivou a, junto com a família, tomar uma nova decisão difícil: recomeçar o ensino médio do zero – mesmo após ter conseguido ser aprovada nas provas de recuperação, o que lhe permitiria estar frequentando as aulas do 3° ano se não tivesse trocado de escola.
“No fim do ano passado, a direção da minha antiga escola entrou em contato, sugerindo que eu fizesse as provas de recuperação. Eu fiz as provas online e fui aprovada. Só que eu não estava confortável com aquilo, pois sabia que meu segundo ano não tinha rolado. Eu tinha perdido praticamente todo o conteúdo”, explica a jovem, que decidiu se matricular no Instituto Federal de Brasília (IFB) para fazer um curso técnico junto com todo o ensino médio. “Como quero prestar vestibular para uma boa faculdade, vi que era melhor recomeçar do primeiro ano e rever todo o conteúdo do ensino médio. Junto, estou aproveitando para fazer um curso técnico profissionalizante.”
Segundo o presidente do Conjuve, Marcus Barão, as consequências da pandemia para a formação dos jovens serão sentidas por algum tempo mesmo. “A situação é grave. Precisamos, urgentemente, de ações concretas, com real capacidade de promover mudanças, atendendo às demandas emergenciais e apresentando perspectivas de futuro”, sustenta Barão, enfatizando que os desafios não se limitam ao campo da educação.
O relatório completo da pesquisa realizada em parceria com a Unesco, Fundação Roberto Marinho, Em Movimento, Mapa Educação, Porvir, Rede Conhecimento Social e Visão Mundial pode ser consultado na página da plataforma Atlas da Juventude, na internet.
Agência Brasil