Foram dez anos de carreira e mais de 200 músicas. Em 1970, os Beatles saíram de cena para entrar na história como a banda de rock mais importante do planeta. Suas clássicas canções seguem vivas, revelando nuances em trabalhos como Besouros, projeto do pianista Fernando Moura e do flautista e saxofonista Carlos Malta. Em 2017, os dois instrumentistas gravaram um álbum com doze pérolas do quarteto inglês – entre outras, Eleanor Rigby, Yesterday e Come Together. A aposta deu tão certo que inspirou Besouros: The Beatles Songs 2, que chega hoje (25) aos aplicativos de música, através da gravadora Deck.
Produzido ao longo da pandemia, o novo álbum soa como lenitivo em tempos difíceis – um doce remédio para quem o fez e para quem o ouve. Com mais de quatro décadas de estrada, parceiros em diversas aventuras musicais, Moura e Malta não (re)inventam a roda: divertem-se a bordo de uma leva de primorosas composições com o selo Beatles de qualidade – e convidam você a participar deste tributo ao que há de bom.
Grande parte do repertório de John, Paul, George e Ringo é reconhecível ao primeiro assobio. Daí que, sabiamente, o duo resiste à tentação de afogar temas conhecidos em devaneios jazzísticos e demonstrações de virtuosismo estéril. Carlos Malta e Fernando Moura jogam o fino, mas jogam simples. “O importante é dar carga na nota verdadeira, a que identifica a canção”, define Malta. “O discurso musical que adotamos é criativo, porém sintético, a intenção foi criar pequenas joias que o ouvinte vai curtir do começo ao fim”, acrescenta.
Essa é a senha para um passeio por faixas de discos inesquecíveis. À lista: Golden Slumbers e Something (do LP Abbey Road); Julia e While my guitar gently weeps (do Álbum Branco); Help e You’ve got to hide your love away (de Help); A day in the life, Lucy in the sky with diamonds e With a little help from my friends (de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band); Norwegian wood (Rubber Soul) e Let it be (Get Back). A seleção se completa com o single Paperback writer, lado A do compacto que ganhou o topo das paradas em 1966 – e, passado meio século, sim, você ainda reconhece logo na primeira nota. Como no disco anterior, Carlos Malta e Fernando Moura fazem o milagre da multiplicação dos sons, produzindo uma riqueza de timbres que está entre os muitos méritos de Besouros: The Beatles Songs 2.
Autoridade nos sopros, Malta entrega a cada música o instrumento necessário: saxofones, clarinete, flautas…. às vezes tudo isso ao mesmo tempo. É o que acontece no esfuziante arranjo de A day in the life, em que os dois soam como uma orquestra. À frente de seu querido Steinway, Fernando Moura brilha solo e acústico em Golden Slumbers (que, como no original, é colada a uma parte de Carry thath weight), mas ao longo do disco ainda recorre a sintetizadores, bases gravadas e percussão nas cordas do piano. Ele aproveitou a chance para estrear seu órgão Hammond – “é um móvel, minha mulher queria me matar quando comprei”, lembra, às gargalhadas. Usou o instrumento na versão para With a little help from my friends inspirada na inesquecível apresentação de Joe Cocker no Festival de Woodstock. “Foi uma volta no tempo”, conta. Malta também fez sua viagem inédita: encarou o arranjo celestial de You’ve got to hide your love away tocando bansuri, flauta indiana de sonoridade grave, em delicada homenagem ao país que influenciou os Beatles de tantas maneiras.
A longa estrada dos dois parceiros de Besouros orienta as melhores escolhas, além de ousadias. Da conhecidíssima Get Back, por exemplo, participam duas revelações da percussão brasileira: Bernardo Aguiar e Gabriel Policarpo, que batizam com seus respectivos instrumentos o Pandeiro Repique Duo. Outro hino, Help carrega significado atualizado no sax que grita por socorro logo na abertura. “Começo com um som agressivo, aí caímos num remanso e terminamos em alto astral, em Lá Maior. Tentamos impor o caráter de urgência e o otimismo tão necessários aos dias de hoje”, dá o recado Carlos Malta. Em Julia, chama atenção como a inspiração original da canção (delicada homenagem à mãe de Lennon) é fielmente traduzida em modulação na melodia. “Buscamos os caminhos melódicos, o clima, e isso influenciou na escolha dos instrumentos”, explica Fernando Moura. “Something, que a gente já tocava no show do primeiro disco, é música para sax tenor, por exemplo. A ideia em cada arranjo foi conseguir a maior potência de emoção possível”.
A audição de Besouros: The Beatles Songs 2 encanta pelos caminhos abertos por Carlos Malta e Fernando Moura em terreno já tão visitado desde os anos 60. Músicos brasileiros, ambos pertencem a uma geração que cresceu ouvindo a banda. Carlos Malta lembra com carinho de um compacto de Help, seu cartão de apresentação ao Fab Four. Depois, já como profissional, participou do projeto Beatles’n Choro, comandado pelo cavaquinista Henrique Cazes, e vislumbrou o quanto músicas tão conhecidas tinham a ganhar com releituras. Fernando Moura foi fisgado em grande estilo: em 1993, George Martin, lendário produtor musical mais conhecido como “o quinto Beatle”, veio ao Rio para comandar um grande concerto na Quinta da Boa Vista. O pianista e arranjador foi convidado a tocar no tributo ao grupo inglês, feito com banda e orquestra, e também incumbido de separar as partes musicais da apresentação. “Ali notei como aquele universo era mais complexo do que imaginava, além de legal à beça. E me encantei quando, de dentro da orquestra, ouvi os violoncelos de Eleanor Rigby”, conta. O encantamento, agora, com Besouros: The Beatles Songs 2, é nosso também.