A agência AP – Associated Press, revelou em ampla reportagem investigativa publicada na última semana, o massacre criminoso de 600 refugiados ucranianos no teatro Mariupol, bombardeado pelas tropas russas comandadas por Vladimir Putin. Os ataques covardes contra civis, incluindo escolas e hospitais, além de outros crimes de guerra flagrados e investigados por cortes internacionais, seguem explícitos desde que a Rússia invadiu a Ucrânia – um país soberano, livre, dono do seu nariz -, com pretextos infundados como o de libertar os ucranianos “dos fascistas”, de frear o “genocídio” praticado por ucranianos nos territórios separatistas pró-Rússia, no leste do país e outras fantasiosas justificativas putinistas como a “desnazificação” e “desmilitarização” da Ucrânia. Porém, o que está posto, até mesmo para o mais comum dos observadores, por mais leigo que seja em geopolítica, é a intenção sub-reptícia de Vladimir Putin em resgatar a zona de influência da caída União Soviética. Não importa o preço.
No absurdo paralelo à revelação da AP sobre o massacre em Mariupol, criteriosamente fundamentada em testemunhos, entrevistas locais, vistorias de escombros e análises de imagens, surge uma fala estapafúrdia do ex-presidente Lula, condenado e preso pela Lava Jato por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, porém, com condenações anuladas pelo STF e posto em liberdade ato incontinente, apesar de a sentença ter sido confirmada por três instâncias e, uma delas, ter aumentado a pena de 9 para 12 anos, por unanimidade. Solto, Lula coloca-se no lugar de vítima, depreciando e chamando de bandidos os juízes que lhe condenaram, apropriando-se de uma inversão da realidade que rompe as fronteiras do seu caso particular e entra, de forma surreal, em todos os cenários político-sociais que se propõe analisar, como se em outra dimensão desse mundo estivesse. Condenar o presidente Volodymyr Zelensky pela invasão da Rússia contra a Ucrânia, é uma dessas.
Antes mesmo de Putin invadir loucamente a Ucrânia, não faltaram rogos e clamor internacional, inclusive vindos da própria Ucrânia. Putin simplesmente ignorou. Não deu a menor bola, nem piscou. Invadiu e ponto. O saldo desse perverso capricho do autocrata russo não é cruel apenas para os ucranianos. Os russos, que em parcela significativa também se indignam com a invasão, lamentam e sentem a dor de perder pessoas queridas que partiram para guerra e não voltaram. Assim como os ucranianos, os russos todos os dias, desde que a guerra começou, enterram seus mortos. Calejados pelas mentiras, manipulações e desinformações típicas de governos autoritários e ditatoriais como o de Vladimir Putin, os povos do mundo inteiro – dentro e fora da Rússia – sabem que o número de mortos divulgados pelo governo russo está muito além das estatísticas oficiais.
Em fins de março, o Ministério de Defesa russo informou sobre perdas, registrando a morte de 1.351 militares. As Forças Armadas ucranianas acreditam em número muito maior que esse e falam em mais de 20 mil militares russos mortos. Esses números, porém, não puderam ser checados. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos estima cerca de 7 mil soldados russos mortos e pelo menos três vezes esse número de feridos. A Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, calcula que a Rússia já perdeu de 7 a 15 mil soldados. Os dados oficiais da Ucrânia, que também podem ser bem maiores do que os divulgados, apontam cerca de 3 mil soldados mortos e mais de 10 mil feridos desde o início da guerra.
O grande escândalo talvez não seja as falas-chocas e absurdamente fora da realidade de Lula. O grande escândalo, talvez, seja mesmo observar o séquito de pessoas teoricamente cientificadas, perceptivas, memoriadas, detentoras do conhecimento, do desenvolvimento real e plenas em suas funções cognitivas, se calarem, ignorarem, apoiarem e até aplaudirem dizendo “amém” a essa rajada de bobagens, distorções da verdade e flagrantes manipulações de fatos que o ex-presidente e, insolitamente, pré-candidato à presidência da República, anda proferindo por aí. Sustentado por uma rede bilionária de marketing pessoal-partidário-eleitoral, antecipada, diga-se, Lula dispara barbaridades dentro e fora do país.
Uma das mais bizarras – no “mudus” internacional, sabe-se lá com quais resguardados milhões – foi essa de acusar Zelensky, de querer e ser tão responsável pela guerra quanto Putin. Aqui, não resta dúvida: é o Lula parceiro, companheiro, solidário e amigueiro de regimes autoritários, tiranos, ditatoriais. Escorregando sorrateiramente para não deixar tão às claras a aprovação a favor da invasão da Ucrânia, como típico lhe é, ele alisa o ego já inflado de Putin, batendo em Zelensky com imputação descabida, transformando a vítima em algoz. E comete, referindo-se ao presidente da Ucrânia: “quis a guerra, porque se não quisesse a guerra, ele teria negociado um pouco mais”. Para Lula, simples assim, como qualquer um dos seus fantasiosos discursos populistas, recheados de efeitos ensaiados para afetar o emocional das massas. Dessa vez, apostando numa grande repercussão por estar, de pose, na capa de uma das mais cobiçadas revista do planeta, a americana Time.
Estupros e execuções
E a repercussão veio mesmo. Como um tiro no pé. Porque as massas, hoje globalizadas, informadas e em constante ebulição – ao que parece Lula ainda não se deu conta disso -, não são mais tão indoutas ou suscetíveis a manipulações. Numa inversão da realidade, Lula, em suas declarações, patina no mesmo gelo russo-eufemístico de Putin quando impõe ao povo do seu país, sob risco de prisão, que chame de “operação militar especial” uma guerra que já matou milhares de soldados – russos e ucranianos – milhares de civis e expulsou das suas casas, segundo estimativa da ONU, nada menos que 10 milhões de ucranianos, agora desestabilizados, sem teto e refugiados em diversos países europeus. Os mortos também já são milhares. Diante das dificuldades e, principalmente, dos falsos números divulgados pela Rússia, a ONU levanta estimativas apontando, só do lado ucraniano, cerca de 3.800 civis mortos. Eu disse civis. Mortos, segundo relatos da ONU, pelo uso de explosivo, projéteis lançados por artilharia pesada, sistemas de lançamento múltiplo de foguetes, mísseis e bombardeios aéreos. Esse número, segundo a chefe da Missão de Monitoramento dos Direitos Humanos, Matilda Bogner, pode ser bem mais alto. A Missão investiga crimes de guerra como maus-tratos, torturas e execuções, dos dois lados. Mas adverte que a escala é significativamente maior do lado das forças russas. A comissária para Assuntos Internos, Ylva Johansson, revelou no parlamento europeu que a Rússia não está apenas travando uma guerra contra a Ucrânia, mas também contra as mulheres. Segundo ela, há relatos confiáveis de soldados russos estuprando mulheres e meninas, de 10 a 78 anos. ” Violar os corpos das mulheres para quebrar o espírito de um povo é um crime de guerra contra a humanidade”, indignou-se a comissária.
Mas, para Lula, em suas falas-rotas, isso não passa de um teatro encenado por Zelensky e o povo ucraniano. Deixando escapar aquela ponta de inveja por uma figura que lhe é contraditória, mas que vem sendo respeitado e aplaudido no mundo inteiro, pela perseverança e postura combativa em defesa da soberania do seu povo e do seu país, Lula critica o respeito que a comunidade internacional demonstra pelo presidente ucraniano, revelando sua visão tosca e rasteira: ” Você fica estimulando o cara – no caso Zelensky – e ele fica se achando o máximo. Ele fica se achando o rei da cocada, quando na verdade deveriam ter tido conversa mais séria com ele: Ô, cara, você é um bom artista, você é um bom comediante, mas não vamos fazer uma guerra para você aparecer “.
Ignorando toda e qualquer estratégia do presidente ucraniano para frear a insanidade da guerra, Lula segue cuspindo absurdos na Time, deixando o mundo em estado de perplexidade: ” O comportamento dele é um pouco esquisito, porque parece que ele faz parte de um espetáculo. Ele aparece na televisão de manhã, de tarde, de noite, aparece no parlamento inglês, alemão, no parlamento francês como se estivesse fazendo uma campanha “.
Essa visão chinfrim de Lula sobre Zelensky, o líder que vem mostrando força moral, tenacidade, coragem e resistência para enfrentar a louca invasão de Putin, não cabe no mesmo espaço ideológico-cerebral que ele abriga com relação ao presidente russo. Mas, mesmo sobre Putin, a avaliação geopolítica de Lula segue igualmente fajuta: “Ô, Putin, você tem muita arma, mas não precisa utilizar arma contra a Ucrânia. Vamos conversar! “, sugeriu durante a entrevista. Fica explícita aqui, e sem disfarce, a clássica preferência de Lula pelo ditador Putin, esse autocrata que, por sua vez, longe das comédias da vida, exibe um histórico político-curricular com gigantesca lista de maldades, atos tirânicos, antidemocráticos, opressivos, incluindo a suspeição de envenenar e assassinar desafetos e opositores.
E lá vai Lula, em sua arrogância personalista flagrantemente ultrapassada, cafona, mostrando por qual régua [cega] se mede, a despeito de todos os fatos que o mundo global exibe e reproduz: ” Mas eu acho que ninguém está procurando contribuir com a paz. As pessoas estão estimulando o ódio contra Putin. Isso não vai resolver”. Fingir ignorar o real motivo da invasão Rússia contra a Ucrânia, tentar emplacar um perfil democrático a Vladimir Putin, minimizar essa imensa tragédia, os crimes de guerra cometidos pelas tropas russas, os massacres e atrocidades, só para afinar o discurso a um pensamento ideológico atrasado e obsoleto, sempre na busca do eterno poder, é simplesmente o cúmulo do reacionarismo.
Referindo-se a Putin, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, deixou recentemente um recado que Lula deveria tomar urgentemente para si. ” Quando um líder governa pelo medo, manipula eleições, prende críticos, amordaça os media, ouve apenas os bajuladores e, não há limites ao seu poder, é quando ele comete erros catastróficos”. #ficadica
- Samuelita Santana é jornalista