Já é Carnaval, Cidade!
Lembro que a primeira vez que essa manchete foi utilizada nos jornais foi no ano que Gerônimo estourou com a música “Lambada da delícia”, que ficou mais conhecida justamente por essa frase. Acho que foi final dos anos 1980. Foi manchete do jornal Tribuna da Bahia, onde eu trabalhava à época.
Naqueles anos, o Carnaval baiano fervilhava com o novo Axé Music, que misturada do frevo, passando pelas marchinhas, o samba reggae, ijexá e ritmos afins.
Tinha suingue.
O caldeirão misturava Luís Caldas, Gerônimo, o trio Armandinho Dodô e Osmar (que tive o prazer de ver encerrando o Carnaval na quarta de cinzas algumas vezes, com direito a Caetano e Gil saudando o amanhecer do dia), Novos Baianos, Margareth, Chiclete, Sarajane…
O caldo depois foi ficando mais homogêneo. O Axé virou uma coisa só, comandado por figuras como Daniela, Ivete, Ricardo Chaves, Asa de Águia, Cheiro…
Nos anos 2000 chegaram novos ritmos como o pagode baiano (não confundir com o pagode carioca), que foram se mesclando com a música eletrônica. Ao mesmo tempo, a camarotização do Carnaval representou uma virada na forma de fazer o Carnaval baiano. Ficou mais comercial, com características que permitiam a “venda” fora do Estado e um grande atrativo ao turismo.
E deu no que deu.
Com relação à música (me chamem de careta, saudosista, conservador…) foi perdendo a identidade, partiu para fórmulas nada agradáveis. A batida da nova música baiana é praticamente uma só. O público se agrada, então a fórmula dá certo!
Mas, as letras que falavam de alegria, que iam no suingue do ritmo dos atabaques e guitarra elétrica, deu espaço para frases de “coisificação” às mulheres, derrubando qualquer tentativa de se evitar o machismo, misoginia… O empoderamento se dilui quando um único verbo está presente na maioria das letras: “Sentar”.
Para fazer sucesso, todo pagodão/pagofunk precisa de roteiro para se chegar ao “senta, senta, senta”.
Quem sou eu para discordar do que querem baianos e baianas.
Me limito a torcer o nariz quando ouço o grave ensurdecedor dos paredões e a fazer cara feia diante de letras que personificam as figuras femininas apenas pela “raba”. Pior ainda a insistência com os palavrões. A música brasileira usou palavrões em diversos momentos, tinha contexto, mas quando o palavrão é a razão da música…
Bem, o que posso dizer é que “Já é carnaval, cidade. Acorda pra ver!”. E veio com uma crise de ansiedade nunca vista. Mas de 1 mil dias se passaram desde o início da pandemia de Covid e a festa momesca desse ano acontece como uma “libertação”, apesar de o coronavírus ainda estar soltinho por aí.
Mas, deixa acontecer… Que seja eterno, enquanto dure, posto que é chama! Que a violência não seja sua principal manchete… e que sua próxima virada criativa não se restrinja a apenas um verbo transitivo indireto, intransitivo e pronominal. Que venham outros mais férteis.
(Chico Araújo)