O número de assassinatos caiu em 4,4% na Bahia no primeiro semestre de 2023. Apesar disto, o estado ainda lidera o ranking nacional de mortes violentas, contabilizadas pelo Monitor da Violência do g1 – índice de homicídios baseado em informações oficiais dos estados e o Distrito Federal.
O dado leva em consideração homicídios dolosos (quando o assassinato é intencional), feminicídios (quando as vítimas são mortas na condição de mulheres), latrocínios (quando a vítima é assassinada para que o roubo seja concluído) e lesões corporais seguidas de morte.
O percentual de queda deste primeiro semestre na Bahia é superior ao nacional, de 3,4%, e foi calculado a partir de comparação com o mesmo período de 2022, quando o estado registrou 2.630 mortes provocadas pelos crimes violentos letais intencionais. Neste ano foram 115 mortos a menos: 2.515.
O número absoluto significa uma média de 13,89 mortes por dia no primeiro semestre. Janeiro foi o mês com o maior número de assassinatos na Bahia e também no Brasil. No entanto, o país regrediu progressivamente nas mortes violentas, enquanto o estado baiano teve oscilações nos registros.
O titular da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), Marcelo Werner, destacou que o objetivo é manter os números em declínio, com o uso da tecnologia e capacitação das equipes policiais, que atuam na identificação de pessoas foragidas da Justiça.
“Comemoramos a queda, mas sabemos que temos muito trabalho. Destaco a maior reestruturação da Segurança Pública já implementada no estado, com a criação de novos comandos e departamentos nas quatro forças de segurança, investimento forte em tecnologia e na construção e reforma das unidades policiais em toda a Bahia”, disse ao g1.
Intensa atuação das facções criminosas
É de consenso dos pesquisadores em segurança pública que a atuação das facções criminosas é a principal causa de mortes violentas no Brasil, já que a maioria dos assassinatos registrados têm alguma relação com a criminalidade, mesmo que as vítimas não tenham ligação com o tráfico de drogas.
Essas mortes podem ser provocadas diretamente, em disputas por territórios para o tráfico ou pelos chamados “tribunais do crime”; ou indiretamente, com vítimas de balas perdidas ou mesmo de moradores que “cruzam” territórios de facções diferentes, para visitar parentes, por exemplo.
Um exemplo da morte com envolvimento direto foi registrado em abril deste ano, em Salvador. Dois homens foram mortos durante um tiroteio por disputa de território entre facções criminosas rivais no bairro do Arenoso, região periférica da capital que vive sob constante ataque.https://5ea6d60433f103da895eb325ddcdb7c6.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html
Na época, a SSP-BA apontou que os dois mortos tinham envolvimento com o tráfico. A polícia apontou que um dos grupos atuava em Tancredo Neves, bairro vizinho, e tentava expandir a área de alcance para o Arenoso, o que motivou o conflito.
De forma indireta foi morto o jovem Thauan Victor Damasceno Lemos, também na capital. A vítima jogava dominó com um amigo no bairro da Saúde, em maio, quando foi atingida por bala perdida. Sem envolvimento com o tráfico, Thauan Victor teve a vida interrompida aos 18 anos. Ninguém foi preso.
Para enfrentar os grupos criminosos, a SSP-BA lançou uma força integrada junto com a Polícia Federal, em agosto. Policiais federais, civis, militares vão trabalhar com peritos técnicos e bombeiros, para identificar e prender membros do crime organizado.https://5ea6d60433f103da895eb325ddcdb7c6.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html
“Reafirmamos o compromisso de uma atuação integrada, nos níveis estadual e federal, de combate a esse tipo de crime transnacional. Com a integração trabalharemos lado a lado, em um mesmo espaço, compartilhando informações e analisando relatórios de inteligência para atuação contra o crime organizado”, disse o secretário.
Mais facções criminosas = mais mortes violentas
Os registros de crimes letais na Bahia ficam na frente dos casos contabilizados em estados como Rio de Janeiro e São Paulo, berços das duas maiores facções criminosas do país. Sendo assim, por que é o estado baiano que lidera as mortes?
Estados com maior registro de mortes violentas no Brasil
Estado | Mortes registradas |
Bahia | 2.515 |
Rio de Janeiro | 1.790 |
Pernambuco | 1.722 |
São Paulo | 1.509 |
Ceará | 1.377 |
Fonte: Monitor da Violênciahttps://5ea6d60433f103da895eb325ddcdb7c6.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html
A explicação pode estar na mudança das dinâmicas de poder das facções criminosas, a partir da interiorização de grupos sudestinos e a pulverização do comércio de drogas e armas, como explica o pesquisador e coordenador da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia, Dudu Ribeiro.
“Cada estado tem uma dinâmica, uma micro-organização de parte significativa do comércio de substâncias. No Rio de Janeiro existem menos facções que o Nordeste, mas há uma atuação forte de milícias. O Nordeste tem um número grande de organizações regionais ligadas às facções sudestinas, então acabam sendo muitas organizações que vão disputar o mercado e o território, o que incentiva a produção de novos conflitos”, argumentou o pesquisador.
Para Dudu, a atual política de segurança pública empregada pelo Estado, com base na lógica conflitos, ocupações violentas e mortes em operações, na chamada “guerra às drogas”, reforça a forma de atuação das facções criminosas.
“Só que a ‘guerra às drogas’, não é contra as substâncias, é contra pessoas – sobretudo pessoas negras que estão em territórios vulneráveis. A dinâmica faccional do Brasil é influenciada diretamente pela dinâmica prisional. Isso retroalimenta a força das organizações criminosas e, obviamente, o que é produzido de violência da prisão extravasa também para as cidades baianas”, analisou Dudu.https://5ea6d60433f103da895eb325ddcdb7c6.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html
Números em queda
Se destacar apenas os homicídios dolosos do total de mortes violentas, a queda semestral é de 3,8%. O número é levemente maior se tratando dos feminicídios: 4,7%. A jovem Sabrina Luiza Souza Bonfim, de 21 anos, faz parte deste percentual.
Ela foi morta com um tiro na cabeça pelo então companheiro enquanto dormia, na cidade de Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano. O homem, que nunca teve nome divulgado por causa da Lei de Abuso de Autoridade, ainda não foi preso.
Outros dados em queda são os de lesões corporais que terminam com mortes e os de latrocínio. As lesões seguidas morte decresceram em 26,6%, caindo de 30 para 22 casos. Um caso que marcou a Bahia em fevereiro deste ano ocorreu na zona rural de Feira de Santana, a 100 km de Salvador.https://5ea6d60433f103da895eb325ddcdb7c6.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html
Um jovem de 24 anos, com saúde mental vulnerável entrou em surto e matou a prima, uma adolescente de 14 anos, com golpes de um objeto de madeira. Após o crime ele foi linchado por moradores.
Já os latrocínios tiveram queda de 16,27%, com um total de 36 casos registrados, em comparação com os 43 registros de 2023. Entre as ocorrências estão a morte do prestador de serviços da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba), Antônio Mendes de Oliveira Júnior.
No momento em que foi assassinado, ele estava no caso da empresa terceirizada Sirtec, em Salvador. Testemunhas contaram à polícia que ele foi abordado por um assaltante e se negou a entregar o celular. Antônio teve a vida interrompida, o aparelho foi levado e ninguém foi preso.
Monitor da Violência
O Monitor da Violência, uma parceria entre o g1, o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, tem como objetivo discutir a questão da violência no país e apontar caminhos para combatê-la.
O primeiro projeto estreou em setembro de 2017. Todos os desenvolvidos pela parceria seguem um rito:
- a pauta é discutida em conjunto entre todos os parceiros;
- para balizá-la, é utilizada a metodologia acadêmico-científica do NEV e do FBSP;
- o levantamento dos dados é feito por jornalistas do g1, que também fazem a investigação in loco;
- pesquisadores do NEV e do FBSP revisam e analisam os dados (demandando, por vezes, ajustes e nova apuração);
- textos e infográficos são produzidos pelo g1 e tanto o NEV como o FBSP produzem artigos analíticos sobre o tema.
G1