A dificuldade em identificar participantes de arrastões é um dos fatores que propiciam a ocorrência desses crimes na cidade do Rio de Janeiro, principalmente nos arredores de grandes eventos em áreas públicas. A avaliação é de especialistas em segurança pública ouvidos pela Agência Brasil.
Os arrastões – que se caracterizam por roubos e furtos cometidos por vários ladrões, simultaneamente, contra muitas vítimas – ganharam destaque nos noticiários do Rio de Janeiro, novamente, no último fim de semana, durante o show do DJ Alok, na Praia de Copacabana, na zona sul da cidade, em comemoração ao centenário do Hotel Copacabana Palace.
Segundo a Polícia Militar (PM), cerca de 500 pessoas foram conduzidas para delegacias, suspeitas de participação em crimes. Dezessete adultos foram detidos; e 15 menores, apreendidos. A PM apreendeu ainda 150 objetos como soco-inglês, canivetes, tesouras, chave de fenda, faca, estilete e facão.
Para o coronel Robson Rodrigues, antropólogo e consultor de segurança pública, o Rio de Janeiro, por sua vocação turística, tem grande apelo para eventos que concentram muito público, o que, de certa forma, favorece a ocorrência de arrastões. Para ele, que já foi chefe do Estado-Maior Geral da Polícia Militar do Rio, essa forma de crime é “extremamente calculada, muito oportunista e precisa, sim, de uma certa sofisticação, por mais primário que possa parecer o criminoso”.
Tática
Rodrigues explica que faz parte da estratégia dos ladrões buscar locais com grande concentração de pessoas. “É uma grande oportunidade porque o criminoso otimiza as suas ações. Com poucos minutos, ele consegue seu intento criminoso e fazer um grande número de vítimas.”
Outra característica, segundo o coronel, é criar a difusão do medo. “Para deixar as vítimas mais fragilizadas. Elas vão ficar paralisadas e oferecer rapidamente os seus pertences”.
Na avaliação do ex-chefe do Estado-Maior da PM, a dificuldade em identificar os criminosos é o grande elemento facilitador para a ocorrência dos arrastões. “Eles apostam que, em um número maior, algazarra, alvoroço, muitos não vão ser identificados”. Para o coronel, as forças de segurança precisam trabalhar com inteligência para evitar o crime e também identificar os responsáveis, uma vez que os delitos aconteçam.
“Além do policiamento ostensivo, são necessárias outras tecnologias, como utilização de drones com câmeras, para que os dados visuais possam chegar a quem está na retaguarda”, indica.
“Não só a visualização, mas que tenha também todo um planejamento por parte das instituições, policiais de pronto e outras estratégias de cerco rápido, sem prejudicar a população. Essa identificação de possíveis criminosos vai ser facilitada [por essas ações]”, conclui.
Na avaliação do antropólogo Paulo Storani, capitão veterano do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da PM do Rio de Janeiro, a dificuldade em prender e identificar participantes de arrastões favorece a ocorrência de outros ataques coletivos. “A lei penal, por mais que possa ser dura em relação à pena, nunca é aplicada na sua integralidade. Então, isso faz com que o criminoso se sinta estimulado a continuar na atividade criminosa”.
Para Storani, a polícia acerta quando faz ações preventivas, como revistas nos arredores de grandes eventos e buscas em ônibus que chegam à zona sul do Rio de Janeiro vindo de outras regiões da cidade.
“Mas toda vez que há uma atividade como essa, há uma massa de crítica contra a atividade policial, como se [a polícia] estivesse intervindo no direito de ir e vir da população, mas que, na verdade, estaria tomando preventivos para que fatos como esse não ocorresse”, avalia.
Associação de moradores
O advogado Horácio Magalhães, presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, considera que funcionou bem o esquema de revistas feito pela PM, que apreendeu dezenas de armas brancas. Ele admite que é difícil para as autoridades de segurança coibir totalmente a prática dos arrastões.
“Se valendo da condição numérica, os criminosos se aproveitam disso para cometer crimes de oportunidade. Fica até difícil para as forças de segurança reprimi-los, pois ao serem abordados, se dispersam rapidamente”, aponta. Para ele, “exceto pelo réveillon, o bairro não comporta mais eventos dessa magnitude”.
O Instituto de Segurança Pública (ISP), autarquia ligada ao governo do estado que reúne dados sobre criminalidade, não produz registros específicos sobre ocorrência de arrastão, pois não se trata de uma tipificação criminal. Já em relação ao total de roubos registrados na região metropolitana do Rio, nos primeiros seis meses deste ano foram 51.934 casos, uma redução de 12,3% em relação ao mesmo período do ano passado (59.229).
Policiamento
Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria estadual de Polícia Militar informou que “de acordo com o público previsto em um determinado evento, a estratégia aplicada pelo comando da corporação segue atrelada às análises de planejamento, sempre com o objetivo de diminuir os principais índices de criminalidade registrados durante sua realização, preservando a segurança da população”.
Além disso, a PM ressaltou que em celebrações culturais de grande magnitude, unidades especiais do Comando de Policiamento Especializado e do Comando de Operações Especiais também são empregadas no policiamento. Equipes do Batalhão de Ações com Cães e do Batalhão de Polícia de Choque atuam em conjunto com agentes de Rondas Especiais e Controle de Multidões e do Regimento de Polícia Montada, formando um cinturão de segurança mais coeso e, segundo a PM, proporcionando dinamismo às equipes policiais.
A Agência Brasil entrou em contato com a Polícia Civil para comentar sobre a ocorrência de arrastões, mas não recebeu resposta até a publicação da reportagem.
Agência Brasil