A Vale deverá apresentar, até 1º de dezembro, sua defesa em processo que tramita na Justiça do Reino Unido relacionado à tragédia ocorrida no município de Mariana (MG) em novembro de 2015. Nesta sexta-feira (24), foi publicada nova decisão negando pedido formulado pela mineradora para apresentar recurso. A Vale vinha questionando, sem sucesso, a competência das cortes britânicas para analisar o caso. Com a negativa, no entanto, o mérito da ação será julgado.
Trata-se de um processo secundário relacionado com a ação movida por milhares de atingidos contra a mineradora anglo-australiana BHP Billiton, que tem sede em Londres. Eles são representados pelo escritório Pogust Goodhead e cobram indenização por danos morais e materiais. A BHP Billiton e a Vale são as acionistas da mineradora Samarco, responsável pela barragem que se rompeu e gerou a tragédia. No episódio, 19 pessoas morreram e populações de dezenas de cidades ao longo da bacia do Rio Doce sofreram impactos.
A ação secundária foi movida pela BHP Billiton contra a Vale. A mineradora anglo-australiana passou a sustentar que, em caso de condenação, a Vale deve arcar com pelo menos 50% do valor fixado pelo tribunal.
Após a publicação da nova decisão pelo tribunal britânico, a BHP Billiton divulgou nota reiterando esse entendimento. Ao mesmo tempo, afirmou que continua trabalhando em colaboração com a Samarco e a Vale para apoiar o processo de reparação no Brasil. A mineradora anglo-australiana também refutou as alegações dos atingidos que moveram a ação e questionou a tramitação do caso no Reino Unido.
“É desnecessário por duplicar questões já cobertas pelo trabalho contínuo da Fundação Renova, sob a supervisão dos tribunais brasileiros, e objeto de processos judiciais em curso no Brasil”, diz o texto. A BHP Billiton afirma que mais de 200 mil atingidos que integram o processo que tramita no Reino Unido já receberam pagamentos no Brasil.
A Fundação Renova foi criada em 2016 conforme Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado entre as três mineradoras, a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Cabe a ela a gestão de mais de 40 programas.
Passados mais de oito anos, a atuação da entidade é alvo de diversos questionamentos judiciais por parte dos atingidos, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e do Ministério Público Federal (MPF). Há discussões envolvendo desde a demora para a conclusão das obras de reconstrução dos distritos arrasados na tragédia até os valores indenizatórios. Uma tentativa de repactuação do processo reparatório, capaz de apontar solução para mais de 85 mil processos sobre a tragédia, está em andamento desde o ano passado.
A Vale publicou comunicado ao mercado informando a decisão da Justiça britânica. O texto destaca que o mérito da ação ainda não foi apreciado e julgado. “A Vale, como acionista da Samarco, entende que as soluções criadas pelos acordos no Brasil, em especial o TTAC, estão aptas a endereçar os pleitos do processo estrangeiro”, afirma o texto.
Em nota divulgada, Tom Goodhead, CEO do escritório Pogust Goodhead, disse que as mineradoras não conseguem chegar a um acordo em relação ao processo. “Vemos as duas maiores empresas de mineração do mundo brigando nos tribunais, em vez de enfrentarem suas responsabilidades como proprietárias da barragem que causou o pior desastre ambiental de todos os tempos no Brasil. Nenhuma quantia de dinheiro será suficiente, mas contratar os advogados mais caros do mundo para lutarem entre si em tribunal é um grande tapa na cara de todos aqueles que continuam sofrendo diariamente por causa desse crime”.
Processo principal
Além de milhares de atingidos, figuram como autores no processo principal municípios, empresas e instituições religiosas. Em março deste ano, houve 500 mil novas adesões à ação. Dessa forma, agora são mais de 700 mil pessoas e entidades representadas pelo escritório Pogust Goodhead. A defesa dos atingidos sustenta que o Brasil não tem sido capaz de assegurar uma justa reparação. As audiências que avaliarão as responsabilidades pela tragédia estão marcadas para outubro de 2024.
Inicialmente, a BHP Billiton alegou haver duplicação de julgamentos e defendeu que a reparação dos danos deveria se dar unicamente sob a supervisão dos tribunais brasileiros. A ação chegou a ser suspensa na etapa inicial, quando ainda se discutia se o caso poderia ser analisado no país. Sem entrar no mérito da questão, o juiz inglês Mark Turner acatou os argumentos da BHP Billiton e considerou em 2020 que havia abuso, entre outras coisas, porque poderia haver sentenças inconciliáveis com julgamentos simultâneos no Brasil e no Reino Unido.
Para o magistrado, não havia evidências suficientes de que a Justiça brasileira fosse incapaz de assegurar a justa reparação. No entanto, em julho de 2022, a Corte de Apelação aceitou recurso dos atingidos e determinou que o mérito do processo deveria ser analisado. A partir de então, a mineradora anglo-australiana passou a defender a inclusão da Vale no processo.
De acordo com relatório divulgado no início do mês pelo escritório Pogust Goodhead, o valor da causa é estimado em 66 bilhões de libras, o que equivale a aproximadamente R$ 230 bilhões. Os advogados também pedem que sejam fixados juros calculados em 12% ao ano desde a data da tragédia. Em caso de decisão favorável, a divisão dos recursos deve se dar considerando a participação percentual nos danos totais estimados: 66% dos indivíduos, 23% dos municípios, 10% das empresas. O 1% restante diz respeito às instituições religiosas, que alegam prejuízos patrimoniais e abalos nos laços com as comunidades devastadas.
Na ação, são listadas perdas de propriedades e de renda, aumento de despesas, impactos psicológicos, impactos decorrentes de deslocamento, falta de acesso à água e energia elétrica, entre outros danos. No caso de indígenas e quilombolas, também são mencionados os efeitos para as práticas culturais e os impactos decorrente da relação com o meio ambiente.
Agência brasil