O mês de abril foi definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o mês de conscientização sobre o autismo, também conhecido como Abril Azul. Essa campanha tem como objetivo propagar informações sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e trazer visibilidade e inclusão às pessoas autistas.
Em muitas famílias há crianças ou adolescentes que apresentam o Transtorno do Espectro Autista e, quando os pais são separados, algumas questões referentes à criança ou ao adolescente com autismo podem ser muito mais delicadas. A guarda e os alimentos desses menores são duas das questões que precisam ser muito bem definidas entre os pais, seja de forma consensual ou não, para garantir o melhor cuidado com a criança.
Chamamos o advogado André Andrade, especialista em Direito de Família, Sucessões e Planejamento Sucessório para falar um pouco sobre essa questão:
O que é o Transtorno do Espectro Autista (TEA)
Explicando de forma simples, o TEA é um transtorno genético que provoca alterações físicas e funcionais, impactando diretamente o desenvolvimento infantil, especialmente em relação à linguagem e ao comportamento da criança.
Vale destacar que se trata de um espectro, ou seja, existem muitas variações do autismo e da forma como ele se apresenta nas pessoas. Por isso, cada criança pode se encaixar em um nível diferente do espectro autista, com manifestações comportamentais específicas e diferenciadas, sendo cada indivíduo único dentro desse espectro.
Questões jurídicas quando os pais separados têm um filho autista
O tratamento jurídico dado às crianças com autismo não é, de todo, diferente, mas possui algumas particularidades que vale à pena mencionar.
A principal delas foi a promulgação da Lei nº 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Essa lei busca, basicamente, proteger de forma integral as pessoas com autismo e incentivar a participação dessas pessoas na vida cotidiana, sem qualquer discriminação em razão do autismo, além de garantir o direito a uma vida digna e ao livre desenvolvimento das suas personalidades.
A principal questão ao tratar de filhos com autismo, especialmente quando os pais são separados e, por isso, irão surgir questões jurídicas importantes a serem resolvidas, é ter sensibilidade e cuidado ao lidar com essas situações.
O princípio que guia as relações no Direito de Família é o do melhor interesse da criança ou do adolescente, ou seja, todas as decisões são tomadas sempre buscando preservar o bem-estar e a integridade das crianças ou adolescentes, e para os menores com transtorno do espectro autista não é diferente – pelo contrário, se sobressai ainda mais a necessidade de observar esse princípio, pois estes menores têm demandas específicas que exigem todo o cuidado ao lidar com esses casos.
Guarda de menores com transtorno do espectro autista
É muito importante lembrar que crianças ou adolescentes com autismo possuem questões específicas referentes ao seu crescimento, seu dia a dia e suas necessidades básicas, que devem ser observadas tanto pelo juiz quanto pelos advogados ao atuar em um caso de guarda.
Neste tipo de processo, é preciso que os pais tragam todas as informações sobre o cotidiano da criança, justamente para que o ajuste de divisão de tempo seja feito da melhor forma possível, respeitando as particularidades do menor. Vale lembrar que a guarda compartilhada entre os pais não significa que a criança irá passar o mesmo período de tempo tanto com o pai quanto com a mãe, mas sim que as responsabilidades e decisões referentes à criança serão divididos entre eles na mesma proporção, podendo o tempo de convívio ser ajustado de forma diferente para atender o melhor interesse da criança.
No caso de crianças com autismo, inclusive, esses ajustes de forma mais específica podem permitir que a criança não seja forçada a situações desconfortáveis, e que tenha uma rotina mais tranquila diante das suas necessidades específicas.
Em qualquer caso, o ideal é que os pais tenham razoabilidade na definição dos termos da guarda, mas, se não tiverem, os advogados servirão como intermediadores para ajustar a guarda da maneira que preserve o bem-estar da criança. Além disso, é extremamente importante que se tenha uma decisão judicial definindo todas as questões da guarda, seja porque assim é possível definir da melhor forma possível a rotina de uma criança que possui necessidades específicas, seja porque, no caso de problemas entre os pais ou de descumprimento dos moldes da guarda, é possível reclamar judicialmente contra o genitor que descumpriu para garantir a preservação do melhor interesse da criança.
Alimentos para menores com transtorno do espectro autista
Em relação aos alimentos, o cenário não é muito diferente, pois o Direito brasileiro também busca proteger o melhor interesse da criança ou do adolescente e garantir a subsistência independentemente da relação entre os pais.
Nesse caso, existe uma diferença entre os alimentos prestados à criança e os alimentos prestados à mãe (ou ao pai, caso seja ele quem fique com a criança no dia a dia, mas, na imensa maioria dos casos, a criança acaba residindo e convivendo a maior parte do tempo com a genitora).
O ponto mais importante acerca dos alimentos é lembrar que a criança com transtorno do espectro autista possui necessidades específicas e a pensão alimentícia precisa atender a essas necessidades, mas, por outro lado, precisa também respeitar a possibilidade econômica daquele que presta alimentos.
Dentro disso, é importante que sejam trazidos absolutamente todos os gastos da criança, não somente os mais significativos (escola e plano de saúde, por exemplo), mas também as despesas mais pontuais e de menor valor, mas que representam um dispêndio necessário ao desenvolvimento da criança (vale citar como exemplo atividades extracurriculares, esportes, roupas, remédios etc.).
Esses gastos deverão ser divididos na proporção da possibilidade econômica dos pais, o que significa que, se o pai, por exemplo, tem um salário muito superior ao da mãe, ele irá arcar com as despesas da criança ou do adolescente em uma proporção maior, justamente porque a sua possibilidade é maior comparada à da genitora.
Apesar de, em alguns casos, as despesas extraordinárias da criança ou do adolescente – aquelas que não ocorrem todo mês de forma regular – serem um motivo de discussão entre os pais, é bastante importante prever também esses gastos extras na fixação dos alimentos. Isso é necessário para deixar o acordo, ou a determinação judicial, o mais “amarradinha” possível, para não sobrecarregar um dos pais e nem privar o menor de ter acesso a tudo o que ele precisa para sobreviver e, mais ainda, para viver bem.
Diferentemente do senso comum, a obrigação alimentar não termina quando o menor completa 18 anos. Na realidade, o genitor que arca com a pensão somente pode se exonerar da obrigação com uma ação específica para essa finalidade e os Tribunais brasileiros firmaram o entendimento de que, em regra, a pensão é devida até que o alimentando atinja a idade de 24 anos ou conclua seu curso superior, profissionalizante ou técnico, caso esteja cursando.
No caso de alimentandos autistas, porém, é possível que a obrigação alimentar seja postergada para além desse limite estabelecido pela jurisprudência. Como as pessoas com TEA possuem necessidades bastante específicas, em especial relacionadas à saúde e despesas médicas, e que dificilmente irão deixar de existir simplesmente porque completaram 24 anos, existe a possibilidade de requerer ao Poder Judiciário que a pensão continue sendo paga mesmo após essa idade, inclusive de forma vitalícia, e o juiz irá analisar as particularidades de cada caso, conforme as provas juntadas no processo, para determinar a continuidade ou não da obrigação alimentar.
Alimentos para a mãe de um filho com transtorno do espectro autista
Além dos alimentos para o menor, é possível que seja determinado o pagamento para alimento ao ex-cônjuge que fica com a criança.
Primeiramente, é importante destacar que os alimentos ao ex-cônjuge são vistos como excepcionais. Os Tribunais brasileiros têm entendido que existe a possibilidade de estes alimentos serem fixados em duas situações: 1ª quando esse ex-cônjuge precisou sair do mercado de trabalho, ou reduzir sua carga horária de trabalho e, consequentemente, os seus ganhos, para se dedicar à formação da família, até que possa se realocar no mercado de trabalho; 2ª quando são necessários para que esse ex-cônjuge mantenha o padrão de vida que possuía durante o casamento.
Nos casos de famílias cujos filhos possuem transtorno do espectro autista, é plenamente possível utilizar como fundamento ao pedido de alimentos para o ex-cônjuge.
Na prática, quando se tem um filho com TEA, é comum que a mãe acabe dispondo mais tempo do seu dia a dia para cuidar da criança, que possui necessidades muito específicas. Com isso, ela acaba deixando de se dedicar integralmente à carreira, pois a prioridade é dada à criação do filho.
No caso de divórcio entre os pais do menor com autismo, essa redução ou interrupção na carreira pode demonstrar a necessidade de pedir alimentos ao ex-cônjuge, no caso, ao pai que desenvolveu a sua vida profissional enquanto a mãe se dedicava à criança. Por fim, é importante destacar que não necessariamente será a mãe que irá requerer alimentos, sendo isso apenas o que se vê mais na prática, mas pode o pai pleitear a pensão alimentícia à mãe quando é ele quem se dedica a suprir as necessidades do menor em detrimento de sua vida profissional.
Sobre André Andrade
Advogado, inscrito na OAB/BA 65.674, bacharel pela Universidade Federal da Bahia, pós-graduado em Advocacia Contratual e Responsabilidade Civil, pós-graduado em Direito de Família e Sucessões, membro associado da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC) e Mestre em Família na Sociedade Contemporânea na UCSAL. Atualmente é sócio proprietário do André Andrade Advocacia & Consultoria, escritório especializado no Direito das Famílias, Sucessões e Planejamento Sucessório, atuando também nas mais diversas áreas através de parceiros especializados. Contato: @advogadoandreandrade / 71 99976-8547