Tumores cerebrais pediátricos podem causar problemas visuais como visão subnormal e até cegueira. Os danos podem ser irreversíveis caso o diagnóstico e tratamento sejam tardios, alerta o Hospital do GRAACC, referência no tratamento do câncer infantojuvenil.
Os tumores cerebrais fazem parte dos cânceres do Sistema Nervoso Central (SNC), que são o segundo tipo de câncer mais frequente em crianças e adolescentes abaixo de 14 anos, com incidência de 20%. Dentre os tumores cerebrais que afetam a visão nessa população, são mais comuns os gliomas, que podem nascer nas vias ópticas, estruturas responsáveis pela condução da informação visual do olho para o cérebro.
Há também os craniofaringeomas e os germinomas intracranianos, que apresentam altas taxas de cura quando diagnosticados a tempo. Eles têm origem na parte central ou inferior do cérebro e, ao se desenvolverem, apertam o nervo óptico, estrutura formada pela junção de fibras nervosas da retina, que saem do olho para se conectarem ao cérebro.
“Essa compressão acontece pelo contato direto do nervo óptico com os tumores ou, então, pela hipertensão intracraniana que o tumor causa ao interromper ou dificultar a circulação do líquor cefalorraquidiano, fluído que banha e protege o SNC”, explica Nasjla Saba, neuro-oncologista pediátrica do Hospital do GRAACC.
Porém, é preciso atenção. “Como esses tumores se desenvolvem lentamente, a perda da visão é tão gradual que as crianças, especialmente as mais novas, não a percebem de imediato”, previne a Dr.ª Nasjla. “A criança pode ter visão dupla (diplopia), embaçada e/ou sofrer diminuição gradativa do campo visual – ela perde, inicialmente, a visão periférica e, à medida que a doença avança, o campo se afunila em direção à visão central. Por vezes, os sintomas acontecem em apenas um dos olhos. Então, ela se adapta a essas alterações e, em algumas situações, está quase cega quando começa a se queixar de dificuldade em enxergar, conseguindo notar apenas o claro e o escuro”, adverte a especialista.
A médica explica que o diagnóstico e o tratamento precoce são cruciais para que o paciente recupere a função visual, uma vez que o tempo em que o tumor fica infiltrado nas vias ópticas influi na recuperação. “Queremos evitar que a criança, mesmo curada do câncer, fique cega ou com sequelas visuais graves. Isso acontece quando a doença atinge estágios mais avançados, que levam a prejuízos irreparáveis. Um exemplo é a isquemia das fibras do nervo óptico – o tumor bloqueia o fluxo sanguíneo para as células, danificando-as permanentemente”.
No Hospital do GRAACC, o tratamento dos tumores do SNC é realizado pelo Setor de Neuro-oncologia, cuja equipe multiprofissional inclui neuro-oncologistas, neurocirurgiões, oftalmologistas, endocrinologistas, neuropediatras, fisioterapeutas, nutricionistas, entre outros especialistas.
As opções de tratamento englobam quimioterapia, terapia-alvo (realizada a partir do conhecimento da biologia molecular do tumor) e radioterapia. Os recursos terapêuticos empregados variam de acordo com a localização, estadiamento e tipo do tumor, assim como idade e saúde geral do paciente, entre outros fatores. “A terapia-alvo é mais efetiva no combate a tumores decorrentes de certas mutações genéticas, que não respondem tão bem à quimioterapia”, expõe a Dr.ª Nasjla. “Com os tratamentos, a criança pode voltar a enxergar, desde que não haja isquemia das fibras ópticas e elas estejam apenas ‘adormecidas’”, pontua.
Pais, pediatras e oftalmologistas têm papel importante no diagnóstico precoce
Pais e responsáveis devem observar cuidadosamente o comportamento da criança e informar ao pediatra caso ela aumente a frequência em que cai e esbarra nos móveis ou aproxime demais os objetos dos olhos. Em alguns casos, há sinais mais evidentes, como ptose (queda da pálpebra), estrabismo e nistagmo (movimentos oculares rápidos, involuntários e repetitivos).
É importante prestar atenção, também, em sintomas que não estão diretamente relacionados à visão, como náuseas, vômitos e dor de cabeça. Quando o tumor nasce na região hipotalâmica do cérebro, há alterações emocionais e hormonais, entre elas: conduta agressiva, interrupção do crescimento, perda de peso, aumento na ingestão de água e puberdade precoce.
“Os pediatras devem valorizar as queixas dos pais, quando contam que o filho, independentemente se for criança ou adolescente, mudou o comportamento. E incluir o tumor, caso seja pertinente, em suas hipóteses diagnósticas, solicitando imagens do cérebro”, ressalta a Dr.ª Nasjla. A tomografia computadorizada auxilia na detecção de um tumor do SNC. Para estadiamento do câncer, ou seja, para determinar sua extensão, e verificar a sua localização precisa, são utilizados a ressonância magnética e, também, o exame de líquor.
“As crianças devem passar, ainda, por avaliações oftalmológicas ao nascer, aos seis meses de idade e, a partir daí, anualmente, mesmo que não se queixem ou não haja alterações oculares visíveis”, frisa a Dr.ª Nasjla. Cânceres no cérebro podem ser detectados precocemente por meio de exames oftalmológicos regulares, como o de fundo de olho, no qual a retina é observada com um aparelho chamado oftalmoscópio, após a dilatação das pupilas. “Esse exame permite a identificação de palidez e/ou edema (inchaço) na papila (nervo óptico), que podem sinalizar diversas condições, entre elas um tumor cerebral”, esclarece a Dr.ª Nasjla. A partir desses achados, o oftalmologista solicitará exames neuro-oftalmológicos, como a tomografia de coerência óptica, para melhor visualização da retina e do fluxo sanguíneo do nervo óptico. Ele também pode pedir a realização de tomografia do cérebro e, até mesmo, ressonância magnética de crânio.