Mocofaia significa uma espécie de desordem. Uma mocofaia pode ser a bicicleta velha do vendedor equilibrando uma torre de quentinhas; pode ser o quarto entulhado onde a banda guarda seus instrumentos; pode ser uma sacola cheia de coisa que alguém organiza às pressas para pegar a van do aeroporto. “Apesar de Mocofaia significar esse espaço de confusão, é um disco super organizado, é uma brincadeira com a organicidade da sua origem. Há disciplina, muito ensaio e a alegria de tocar”, adianta o pianista Marcelo Galter. Com sete faixas, o álbum foi gravado, lançado e prensado em vinil pela Rocinante e estreia neste dia 30 de outubro em todas as plataformas de streaming.
O grupo é formado por Luizinho do Jêje, um dos percussionistas mais inventivos do Brasil e líder do grupo Aguidavi do Jêje – indicado ao 25º Grammy Latino com seu primeiro disco; Marcelo Galter, pianista, compositor, arranjador e produtor musical baiano e Sylvio Fraga, compositor, poeta e diretor artístico da gravadora Rocinante (com três recentes indicações ao Grammy Latino como produtor musical nos discos Síntese do Lance (João Donato e Jards Macalé), Erika Ribeiro e Aguidavi do Jêje), o grupo traz uma proposta única e inovadora cuja abordagem une tradição e arrojo inventivo.
As composições do Mocofaia também se destacam pela lírica das letras, numa junção inusitada entre a bagagem literária da poesia de Sylvio e as tradições orais afro-brasileiras de Luizinho. A faixa “Mestre Besouro Mangangá”, por exemplo, é quase uma suíte em torno da palavra manga. Na letra, a manga é fruto, que no Nordeste brasileiro vira o verbo mangar — fazer graça, rir de algo — tem a beleza da flor do Mangangá que contém a memória do Mangalarga Marchador, sobre o qual se pode tomar “pinga sem pingar”, o que podemos considerar uma alusão à fluidez das palavras do grupo dentro de seus ritmos melódicos. No fim, a homenagem ao grande capoeirista Besouro Mangangá, com intervenções do berimbau de Luizinho. Mocofaia também é um sonho de liberdade musical: “não me amarre, por favor”.
No single “Vim pra Bahia”, em cima de uma clave híbrida surgida do violão brasileiro vira-lata do Sylvio, Luizinho constrói uma levada de atabaques e xequerê que carrega as tradições da nação Jêje e Marcelo traz aprendizados de orquestração de Claus Ogerman para o suingue de seus teclados e uma visão inovadora na construção das linhas de baixo synth. E em meio aos arranjos, não falta espaço para variações expressivas.
A faixa “História do quintal” é uma meditação em torno de um simples quintal, por onde passam os gatos da casa, gambás, o filho de Sylvio, onde cai a chuva sobre as plantas e a cabeça voa: “pinga, pinga no quintal da minha cabeça”. No samba raiz “Galo no muro”, uma cabila, a mulher “samba com pé no barro”, e “um bebê [chora] pra nos lembrar que o dia vai nascer”. No alujá “Mãe Nicinha e Mãe Runhó”, um chamado à celebração: “cadê meu irmão pra meter a mão no couro, pra gente cantar e dançar aqui no barracão”. Luizinho do Jêje resume: “fomos juntos buscando e descobrindo o caminho, o tempo todo. Não conseguimos nos definir num estilo, mas o som é raiz”. Em uma das letras, eles cantam: eu não sei pra onde vou, mas eu sei que vou tentar”.
“Mocofaia” está disponível em todas as plataformas digitais (link direto de streaming) e em vinil, todos projetos assinados pela Gravadora e Fábrica Rocinante. No Youtube, o grupo lança ainda um mini documentário especial com fases da gravação e produção do disco. O vinil, prensado em 180g, pode ser encontrado no e-commerce Rocinante Três Selos.
Fotos: João Atala.