As festas de fim de ano, marcadas pelo clima de celebração e confraternização, nem sempre despertam apenas emoções positivas. Para muitos idosos, o período acaba acentuando sensações ligadas a solidão, como tristeza, melancolia e angústia, devido a diversos acontecimentos – desde separações e perdas familiares até redução das capacidades funcionais (caminhar, realizar tarefas do cotidiano ou participar de atividades em grupo).
Integrante da equipe de psicologia da Clínica Florence, a psicóloga Fernanda Mírian França explica que, culturalmente, as comemorações de Natal e Ano Novo intensificam esses sentimentos por conta das experiências e lembranças em torno dos ciclos da vida. “Na fase em que as pessoas idosas estão, já sentiram a passagem do tempo das mais diversas maneiras, com mudanças, momentos significativos e perdas. Enquanto uma parte de suas bagagens é preenchida pelo legado, sonhos pessoais e profissionais realizados e construção familiar, a outra é composta por frustrações e desilusões, perdas de entes queridos, mudanças corporais e de saúde, transição de geração e alteração de papéis sociais”, afirma.
Além de afetar o bem-estar, o conjunto de emoções associadas à época pode resultar em problemas neurológicos. De acordo com pesquisa conduzida por cientistas norte-americanos e divulgada na revista Nature Mental Health, a solidão na velhice aumenta em 31% o risco de demências e cresce em 15% as chances de comprometimento das funções cognitivas, a exemplo da memória e concentração.
Outra consequência preocupante, segundo a profissional, é a elevação dos índices de lesões autoprovocadas e de tentativas de suicídio. Conforme o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, a taxa de suicídio entre brasileiros com 70 anos ou mais foi de 11,8 por 100 mil habitantes em 2022, quase o dobro da média vista nas demais faixas etárias.
Ela reforça que a desconexão social e a solidão na terceira idade também são efeitos do atual contexto sociocultural, que incentiva a manutenção da juventude e a desvalorização do que é considerado velho ou ultrapassado. “Tal construção traz ao idoso uma falta de pertencimento e a ideia de inutilidade, fatores que levam à intensa angústia e inexistência do sentido de vida”, pontua.
Acolhimento no período festivo
Quando as festas chegam, o contraste entre a realidade e as expectativas – encontros, presentes e felicidade – pode estimular o isolamento e a sensação de abandono. Para Fernanda França, os familiares, amigos e a própria sociedade têm papel essencial na adoção de abordagens mais inclusivas, considerando alternativas capazes de envolver os idosos. Nesse caso, o indicado é a promoção do contato com entes queridos, bem como a reconstrução do papel familiar através da participação nas decisões e planejamento das festividades.
“A conservação das relações e a inclusão nas atividades contribuem para maior pertencimento ao seu meio e preservação da cognição. Entretanto, precisamos lembrar que existem diversas configurações familiares, inclusive a unipessoal ou aquela nas quais os animais de estimação fazem parte. Ao tentarmos enquadrar a vida relacional do idoso em mais um padrão socialmente estreito, estaremos impondo mais uma forma de solidão”, ressalta.
Gestos estratégicos
O mês de dezembro costuma movimentar a rotina e faz com que as pessoas passem muito tempo ocupadas, tanto para organizar quanto frequentar eventos. Os mais velhos podem não conseguir acompanhar a programação, chegando a pensar que são um peso para os filhos e parentes. Na tentativa de evitar esse tipo de situação, algumas estratégias devem ser adotadas antes e durante as celebrações.
“Os idosos precisam se sentir vistos, considerados e respeitados. Sendo assim, é necessário ouvi-los em relação às festividades, acolhendo suas opiniões e desejos. Outra sugestão é a adaptação dos lares, atendendo às necessidades de acessibilidade, alimentação e bem-estar”, destaca a psicóloga da Florence. Ela ainda acrescenta o uso de tecnologias para conexão com familiares e amigos que estão distantes, o que permite a participação e proximidade por meio de videochamadas.