Além de custar pelo menos R$ 13,5 bilhões, o acordo fechado entre governo federal, caminhoneiros e empresas transportadoras vai adiar por alguns meses a crise do transporte rodoviário de cargas no Brasil.
A redução de R$ 0,46 no litro do diesel, que vale até 31 de dezembro, vai apenas amenizar a recente alta nos gastos do setor, que ainda assim continuará pressionado por custos elevados e baixo volume de trabalho, de acordo com especialistas entrevistados pelo R7.
O acordo também não enfrenta os demais entraves que contribuíram para a paralisação de 11 dias dos caminhoneiros, como a histórica falta de investimentos em estradas e nos outros meios de transporte.
Diferentes estudos sobre logística no Brasil mostram que a recessão econômica iniciada em 2014 não apenas diminuiu a quantidade de trabalho como encareceu o transporte de cargas.
Considerando os anos fechados de 2014 a 2016, o volume de carga transportada por todos os modais caiu de 1,68 trilhão de toneladas por quilômetro útil para 1,62 trilhão, de acordo com levantamento da consultoria logística Ilos.
O recuo total foi de 3,4%, mas as consequências foram mais graves para as rodovias, que perderam 10% do volume transportado em dois anos, enquanto as ferrovias aumentaram em 10% sua participação.
Apesar da demanda em queda, os gastos com o transporte (sem considerar armazenagem) subiram 9,7% no mesmo período, de acordo com a pesquisa, passando de R$ 378 bilhões para R$ 415 bilhões.
A crise, portanto, trouxe menos trabalho e mais gastos para caminhoneiros, transportadoras e contratantes. As explicações, contudo, “vão muito além do preço do diesel”, afirma o especialista em transporte Marcus Quintella, professor da FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro).
Para ele, o acordo “não vai resolver nada, vai só postergar o problema para daqui um ano”.
— Toda a composição de um frete rodoviário vai desde a alta tributação sobre as empresas até o custo operacional dos veículos, tempo de viagem, mão de obra, as condições precárias das rodovias. Tem problema de transbordo, de terminais, problema de não ter ferrovia que, apesar de ser dependente de diesel, tem um custo operacional mais barato. É uma questão sistêmica.
A pressão de custos foi ainda maior durante a recessão porque o setor já vinha tomando créditos e realizando investimentos — refletido na maior quantidade de caminhões em circulação (veja gráfico abaixo) —, estimulados pelo bom desempenho da economia no primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff.
Com a crise, no entanto, a expectativa deu lugar à frustração e a pelo menos dois anos de prejuízo.
“Esse é um movimento especulativo, uma aposta que a empresa faz, porque aumenta seus custos e aposta que o faturamento vai crescer. Se o faturamento não cresce, a coisa desanda”, afirma o professor Paulo Resende, especialista em transportes e logística da Fundação Dom Cabral.
— Se as empresas registrassem aumento do faturamento, os custos teriam maior possibilidade de diluição, mas isso não aconteceu, Nós fizemos nessa crise a tempestade perfeita, com queda na receita e aumento no preço dos combustíveis, que é o item mais importante no transporte de longa distância e na distribuição dentro das cidades.
Quintella também lembrar sobre o “custo humanístico” da categoria, com o custo social de doenças, mortes, de excesso de trabalho e uso de drogas.
Da reeleição de Dilma à política de preços da Petrobras
Principal motivo apontado por caminhoneiros para a paralisação, a disparada do preço do diesel desde a crise econômica começou com o repasse ao consumidor pela Petrobras após a reeleição de Dilma Rousseff.
“O governo [Dilma Rousseff] segurou o preço do combustível [até o final de 2014] para não ter impacto na inflação e garantir a reeleição. Logo depois liberou o aumento dos preços e, como estava acumulado, foi um movimento bastante grande”, afirma Maurício Lima, sócio-diretor da Ilos.
Em outubro de 2014, o preço médio do diesel no Brasil era de R$ 2,50 na bomba, de acordo com a ANP (Agência Nacional do petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Um ano depois, já era vendido a R$ 2,92.
O valor se manteve estável até julho de 2017, quando a economia brasileira iniciou sua lenta recuperação. Quando caminhoneiros e transportadoras planejavam recuperar os prejuízos, outros dois fatores passaram a influenciar o preço dos combustíveis.
Por um lado, a Petrobras — que há mais de um ano já repassava o valor do barril do petróleo no mercado internacional e a variação do dólar — decidiu anunciar os reajustes diariamente. Por outro, o governo elevou os impostos sobre os combustíveis, com alta da Pis/Confins de R$ 0,2480 para R$ 0,4615 por litro de diesel nas refinarias.
Com o encarecimento do barril de petróleo e a subida do dólar, o estrago estava feito. Se em junho de 2017 o valor médio do diesel era R$ 2,98, em maio deste ano chegou a R$ 3,55. A expectativa mais uma vez deu lugar à frustração.
“Assim que a demanda se recupera um pouco, mesmo nada substancial, a bomba estoura, que é o que está acontecendo agora, e isso impede o Brasil de crescer de uma maneira mais sustentável”, explica Lima.
— Os transportadores já tinham esse gap. Eles tinham resultado negativo em 2015, 2016 e início de 2017. Quando começa a recuperar a atividade, o que eles tentam também é recuperar o lucro. Mas a recuperação também não foi tão forte, o que permitiria à indústria aumentar o valor do frete. Daí começa um choque de forças bastante grande, entre quem faz o transporte e quem compra o transporte.
Perda de competitividade de falta de investimentos
Estudo da Fundação Dom Cabral, também sobre custos do setor, realizado com 130 grandes empresas do agronegócio, indústria e mineração, mostrou que, entre 2015 e 2017, essas companhias gastaram R$ 15,5 bilhões a mais com logística (incluindo transporte de longa distância, distribuição urbana, armazenagem e gastos administrativos), apesar da menor demanda por transporte no período.
Segundo Paulo Resende, coordenador do estudo, a alta se deve principalmente ao transporte de longa distância e à distribuição de mercadorias nos centros urbanos, que concentram quase 65% do custo logístico, o que está diretamente ligado ao preço do óleo diesel e significa menor competitividade.
— Um país que apresenta alto custo logístico do item armazenagem ganha em competitividade, porque segura estoque pra vender na alta, que é o caso da China e dos EUA. Como no Brasil os maiores itens são transporte de longa distância e distribuição urbana, isso significa perda de competitividade.
Os especialistas classificam o futuro como um cenário “triste” e “horroroso”, já que o país não possui uma visão de estado para o transporte, que protegeria o setor das tempestades políticas.
Quintella e Resende sugerem, por exemplo, a construção de terminais intermodais que unissem ferrovias, hidrovias e rodovias com abastecimento próprio de combustível, como acontece com o aeroporto de Guarulhos, que recebe querosene de aviação diretamente das distribuidoras por meio de dutos subterrâneos.
“Deixa o caminhão alimentando a ferrovia e a hidrovia nas pontas. Com isso o caminhoneiro viaja menos, mas em compensação faz mais viagens”, diz Resende.
O momento, no entanto, é o pior de todos para reverter esse cenário no médio e longo prazo, porque a taxa de investimentos atingiu em 2017 o menor valor desde 1995, quando iniciou a série histórica do IBGE.
“O investimento público hoje é de 1,7% , mas precisaria ser de 5% do PIB. Não temos recursos para isso”, diz Quintella.
Para Resende, o acordo do governo trata de questões conjunturais, e não dos problemas estruturais.
— O governo fez o que tinha que fazer, se nao ia ocorrer uma tragédia. Foi como jogar um balde de água no fogo, mas não eliminou os elementos que levaram ao incêndio.
R7