Entre ensaios de pagode, axé, blocos afro, bailes funk e o pré-carnaval, as festas do mês de fevereiro aquecem a economia de Salvador. Se tem movimento nos quatro cantos da capital, também tem festa feita por gente preta, para atender às demandas de gente preta.
[O G1 traz nesta sexta-feira (22) o segundo episódio do Afrojob, quadro que trata sobre o afroempreendedorismo em Salvador. Você vai conhecer, todos os meses, histórias de pessoas negras que comercializam produtos e serviços voltados para a população preta]
Símbolo de representatividade entre negros e membros da comunidade LGBTQ+, a Batekoo surgiu em 2014, no boêmio bairro do Rio Vermelho. Um dos criadores do projeto, Maurício Sacramento, conta que o evento nasceu para suprir a necessidade de ter um espaço de entretenimento que acolhesse pessoas com recorte de raça e orientação sexual.
“A gente precisava de um local na cidade, voltado para pessoas negras e pensado por pessoas negras. Viemos do circuito de festas noturnas há um tempo, mas nós sentíamos que era um espaço em que a gente não era tão representado. Aí refletimos e resolvemos fazer algo mais voltado para a nossa cultura”, explicou.
Inicialmente, Maurício planejou a festa para a despedida de um amigo, que também é fundador do evento. Com o projeto pronto, a data marcada e o local escolhido, nasceu a primeira edição da Batekoo.
“A gente trabalha com ritmos que nasceram nas periferias do Brasil e do mundo. Esses ritmos normalmente são marginalizados, como o funk carioca, o próprio pagodão de Salvador, o kuduro e o rap. Nossa proposta é sempre trazer tudo isso dentro de um espaço em que a gente assegure a segurança e a liberdade de expressão das pessoas que estão ali consumindo o projeto”.
“Nasceu de forma muito despretensiosa, mas hoje se tornou uma empresa que fomenta cultura e entretenimento para a juventude negra e LGBT do Brasil”
Hoje, além de Salvador, a Batekoo acontece outras cinco cidades do país: São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF), Recife (PE) e Belo Horizonte (MG). Outro impulsionador do sucesso da festa foi o visual do Afropounk, um festival música realizado no Brooklyn, bairro periférico da cidade de Nova Iorque.
“Eles compartilhavam muitas fotos de pessoas negras com estilos diferentes, e acabou se tornando uma referência para todo mundo que se vestia e ia para o movimento. O negro já tem essa pegada de querer se vestir bem, diferente. A Batekoo foi uma ressignificação de tudo isso, do que a gente estava ouvindo na época da ascensão do movimento negro, das referências de artistas, cada um fazendo como pode, garimpando roupa em brechó e trançando o cabelo”, enumerou Maurício.
“Toda periferia tem uma identidade estética ali por trás. Seja o corte do cabelo dos meninos, os shorts que as meninas estão usando. Não é só porque a gente está na periferia, que não pensamos em consumir e fazer moda também”
Os próximos passos da Batekoo incluem a criação de um festival, que será feito na capital baiana. Uma das produtoras da festa em Salvador, Adrielle Coutinho resolveu inscrever o negócio em um edital de música.
“Estou no coletivo há quase um ano, e nos três primeiros meses eu tentei puxar uma visão da gente aumentar o nosso lucro. Despretensiosamente nos inscrevi no edital. O resultado saiu em um mês e a gente conseguiu a aprovação de cara. A gente pretende fazer em outubro e agregar também outras marcas para, quem sabe, fazer um circuito”, adianta Adrielle.
Seguir movimentando as raízes da periferia é o principal foco da Batekoo. “Nós queremos que ela se torne um evento ainda maior. A ideia é ser um festival que traga artistas negros e periféricos que ainda não tiveram visibilidade suficiente para tentar ocupar outros espaços”, pondera Maurício.
Identidade visual
Anos antes da criação da Batekoo, o empreendedor Vander Charles já sabia da importância de expressar a identidade através do visual. Em 2006, a marca Black Atitude foi criada para levar a militância negra às pessoas por meio das roupas.
“A Black Atitude nasceu dessa representatividade, em um momento em que havia muita carência de informações sobre a negritude, informações dos nossos verdadeiros líderes negros. Desde pequeno, eu já trazia informações sobre essas militâncias negras”, explica Vander.
A Black Atitude nasceu como se fosse uma criança de sangue negro. É uma marca com identidade negra”
O processo do empreendimento para ele foi natural: se existe uma demanda, é preciso da oferta. Percebendo a brecha no sistema que move a moda, e a carência que pessoas negras tinham em encontrar produtos que se identificassem, Vander escolheu ser um agente de criação.
“A gente via poucos negros nas passarelas e nos outdoors. Poucos negros exibindo a sua beleza natural. Através da roupa eu descobri esse buraco. A gente ia para o shopping e não achava nada que se identificasse. A Black Atitude surge dessa deficiência. Graças a Deus, a gente sobrevive até os dias de hoje, contando a nossa história. Porque a gente precisa falar sobre Mandela, precisa falar sobre Zumbi dos Palmares, e nada melhor do que a imagem de nossos negros lindos e negras lindas estampadas”, destacou Vander.
“Eu pensei: ‘que história eu vou contar?’, e decidi contar a minha própria história, a história do negro, porque as pessoas precisam saber disso”
Com as imagens dos líderes e personalidades negras, ele levou para frente uma forma diferente de visibilizar a luta e as reivindicações da comunidade preta.
“A representatividade sempre foi marcante na minha vida. Foi através da moda que eu descobri a minha forma de militar. Tem uma estampa que eu fiz de Mandela, e aí as pessoas podem perguntar: ‘Quem é esse homem?’. E aí eu posso abrir um discurso sobre Mandela, sobre Zumbi dos Palmares”, conta Vander.
Algumas pessoas militam através da música, através de poemas. A minha versão é através da roupa. Eu senti a vontade de contar uma história através das roupas.
Para ele, além do dinheiro ganhado com o negócio, as peças da Black Atitude possuem valor social que é inestimável.
“É um trabalho que vai muito além da questão comercial, envolve também a questão da representatividade. A gente já tem a história dos nossos antepassados no sangue, então é preciso buscar uma pesquisa para não falar em vão sobre um líder negro, porque as pessoas têm várias versões sobre a liderança negra. E saber colocar em prática, para que as pessoas entendam, e através daquela roupa elas se sintam familiarizadas com aquela história. Você não leva só a roupa, leva uma ideologia”, completou Vander.
G1