O uso excessivo de antibióticos para tratar coinfecções em pacientes com covid-19 está piorando a ameaça de bactérias resistentes a antimicrobianos e outras superbactérias, informa o BMJ, periódico científico do Reino Unido.
Apesar de não se saber como a pandemia está afetando os níveis gerais de resistência antimicrobiana, o jornal informa que mais de 70% dos pacientes receberam tratamento antimicrobiano, apesar de menos de 10% terem coinfecção bacteriana ou fúngica. Os dados são principalmente da Ásia.
Dawn Sievert, consultor científico sênior de resistência a antibióticos do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) do governo dos Estados Unidos, afirmou em entrevista ao jornal que “desde o surgimento da covid-19, os dados coletados mostraram um aumento no uso de antibióticos, embora a maioria das doenças iniciais em tratamento tenha sido causada por infecção viral da covid-19.”
Segundo ele, o aumento da exposição aos ambientes hospitalares e procedimentos invasivos, junto com maior uso de antibióticos, aumenta o surgimento de patógenos resistentes.
A infectologista Sylvia Lemos, da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e consultora em biossegurança e controle de infecções, explica que o surgimento de superbactérias já era uma preocupação da comunidade científica.
“Tínhamos protocolos para o uso adequado de antibióticos, mas agora o protocolo é salvar vidas, é a nossa prioridade. No médio e longo prazo teremos que nos preocupar com a resistência das bactérias aos medicamentos.”
A falta de informações sobre a covid-19 contribui ainda mais para o uso exacerbado dessas medicações. David Hyun, do projeto de resistência a antibióticos do Pew Charitable Trusts, afirmou ao BMJ que “há muita incerteza sobre o processo da doença e a patologia da infecção. Quando o clínico não tem todas as informações necessárias para entender realmente o que está acontecendo no paciente, ele tende a aumentar o uso de antibióticos”.
Sylvia explica que não existem alternativas para o futuro. “Um antibiótico leva mais de 20 anos para ser desenvolvido, a comunidade científica agora está se ocupando de soluções e vacina para o coronavírus.”
A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda o uso de antibióticos apenas em casos graves de covid-19, com risco aumentado de infecções bacterianas e morte.
Uma matéria do jornal de Hong Kong, South China Morning Post, informa que antibióticos estão sendo vendidos sem prescrição médica nas farmácias chinesas.
O jornal informa que em 2016, na cúpula do G20, a China elaborou um plano para combater a resistência antimicrobiana e uma das ações era a exigência de receita médica para a venda de antibióticos.
Porém, um estudo publicado no Antimicrobial Resistance & Infection Control constatou que os antibióticos poderiam ser obtidos sem receita médica em 84% das farmácias de varejo da China.
Quarenta estudantes de medicina visitaram as farmácias e fingiram ter um problema leve no trato respiratório superior, mas sem sintomas visíveis.
De todas as farmácias do estudo, 25% venderam antibióticos após a descrição de sintomas leves, 52% venderam antibióticos quando solicitados especificamente e 6% quando um tipo específico foi solicitado, como penicilina ou cefalosporinas.
Sylvia afirma que com a epidemia da covid-19 a automedicação pode ter piorado, o que promove ainda mais a proliferação de superbactérias.
R7