“Eu vejo perspectivas bastante sombrias para a América Latina como um todo”, disse o professor de Relações Internacionais e PhD em Ciências Sociais e Políticas Ricardo Caichiolo, em uma webinar (conferência online) realizada pela escola de negócios Ibmec, na manhã de hoje (17).
O encontro virtual contou com a participação de outros professores e tratou dos impactos da pandemia do novo coronavírus (covid-19) nas relações internacionais e os seus desdobramentos econômicos e políticos na China, Europa e América Latina.
Os palestrantes evidenciaram o relativo despreparo da América Latina para lidar com os novos desafios de um mundo globalizado e em transição, especialmente diante uma pandemia.
De acordo com Caichiolo, o novo coronavírus vem afetando enormemente as economias latino-americanas. Ele defendeu a valorização dos parceiros comerciais na América do Sul “não só por uma questão geopolítica, mas por parcerias, principalmente em relação à Argentina, nosso parceiro tradicional. Pensando no âmbito do Mercosul, considero que houve uma falha em um primeiro momento, quando o governo atual chegou ao poder criticando o Mercosul e não fez a tradicional visita à Argentina”.
Ainda sobre a Argentina, Caichiolo acredita que a gestão da crise do novo coronavírus tem sido satisfatória no país vizinho. “Há outros presidentes que, por conta do tratamento que deram ao coronavírus e como têm dialogado em termos de enfrentamento, ganharam certa proeminência na América Latina. Na Argentina, o presidente Alberto Fernández, por causa da capacidade de enfrentamento [à doença], ganhou bastante aprovação”.
Caichiolo também citou o exemplo do Equador, “um Estado sem infraestrutura e sem condições de atender a população”. Nos últimos dias, no Equador, o aumento do número de contagiados e mortos pela covid-19 levou o sistema de saúde e o serviço funerário ao colapso. Uma força tarefa no país vem recolhendo corpos em casas e nas ruas da cidade de Guayaquil, epicentro da pandemia no país.
“O Brasil tem que se preocupar com a pauta exportadora pois vai ser afetado necessariamente (pelo coronavírus), e o importante agora é a diversificação de mercados. O Brasil poderá fazer isso, é muito forte na questão agrícola e continuará sendo. Mas deve ser mais agressivo em termos de abertura de mercados para poder compensar essa recessão que se avizinha”, avalia Caichiolo, que defende uma aproximação com a China nas áreas de infraestrutura e tecnologia.
Correlações de poder
O professor de Relações Internacionais da Ibmec no Rio de Janeiro José Niemeyer ao discorrer sobre as mudanças nas correlações de poder em esfera global, disse que o mundo sairá de uma realidade unipolar, com os Estados Unidos como superpotência, para uma nova configuração, que pode ser bipolar – Estados Unidos e China – ou multipolar – com a participação da Rússia.
“O mundo sai de um contexto unipolar de poder, com os Estados Unidos como uma superpotência. Outras potências como a China e a Rússia estão buscando ascensão cada vez maior, principalmente a China. A multipolaridade vai depender muito das ações russas”, avaliou Niemeyer.
Niemeyer avalia que a China, apesar de ter iniciado seu crescimento por meio da economia, vem investindo cada vez mais no setor estratégico-militar. “Hoje o investimento da China em armamentos para uma possível guerra naval no mar do Sul da China é impressionante. As fragatas que estão sendo construídas pela indústria bélica chinesa são de uma potência inacreditável, já prevendo a possibilidade de um embate naval. É um exército com cada vez um número menor de homens e com mais tecnologia. A China, até o final do ano, volta a crescer em torno de 2,5%. Essa é uma variável que a gente vai ter que analisar, porque os Estados Unidos vão ter uma queda brutal do seu crescimento. A economia asiática parece que sentirá menos do que o mundo ocidental [os efeitos da pandemia]”.
Política externa
Para Oswaldo Dehon, professor da escola de negócios em Belo Horizonte, “o que o mundo em transição está nos mostrando é que os estados que quiserem continuar vivos vão ter que se preocupar com política externa e política de defesa. Não dá mais para que nós pensemos em política externa como alguma coisa dos diplomatas e apenas do Itamaraty. Todos nós sofremos os efeitos da construção de uma má política externa nesse país da mesma forma também que nenhum de nós pode ficar alheio aos problemas de segurança e política de defesa”.
Dehon é de opinião que investimentos nas áreas de defesa e segurança são fundamentais para que os países tenham desempenhos bem sucedidos no futuro próximo. “Temos uma situação de muitas incongruências na ordem política global e muito provavelmente as ameaças que nós tínhamos no passado não serão aquelas que nós teremos que debelar no futuro. Essa questão da segurança em relação às armas biológicas, químicas, bacteriológicas, não encontra parâmetro no passado. O que muita gente está chamando de guerra, não é exatamente uma guerra. Se a gente prestar atenção nos principais atores que estão tentando debelar os nossos problemas, não são as forças armadas, são os profissionais da área da saúde.”
Para Dehon, a política externa não pode ser ideológica. “Parte importante daquilo que estamos vivendo tem a ver com o fato de que os nossos vizinhos estão cada vez mais distantes do Brasil. O tamanho e a grandeza do Brasil ao longo da história mostra que o país deve retomar um protagonismo”, disse o professor, que defende que o Brasil errou ao criticar o Mercosul e opinar sobre as eleições argentinas do ano passado.
Agência Brasil