A trajetória do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB), 57, como homem público está marcada, desde seu início, por acusações de envolvimento em casos de corrupção. Mais de 30 anos antes de ter seus imóveis em Salvador ocupados por policiais federais que buscavam, na última sexta-feira (13), provas de sua participação em fraudes na Caixa Econômica Federal, Geddel foi investigado por supostamente favorecer ele próprio e três parentes quando era diretor da corretora de valores do Baneb — o banco estadual da Bahia, adquirido pelo Bradesco em 1999.
Os auditores da Baneb apontaram o envolvimento de Geddel em um esquema de desvio milionário de recursos que consistia no “favorecimento a um restrito grupo de clientes, por meio da utilização de taxas de rentabilidade superiores às praticadas no mercado”, revelou reportagem de 2001 publicada pelo jornal “Folha de São Paulo”. Em valores corrigidos, os desvios chegariam a R$ 2,72 milhões.
Procurado pela reportagem do UOL por telefone na sexta-feira, Geddel não atendeu. Em todos os casos em que foi investigado, o ex-ministro negou ter cometido qualquer irregularidade.
Família teria sido favorecida
Entre os favorecidos, apontou a auditoria interina, além do próprio Geddel, estaria o ex-deputado Afrísio Vieira Lima (1929-2016), pai do ex-ministro e um antigo aliado e posterior rival do ex-governador e senador Antonio Carlos Magalhães (1927-2007). Também teriam sido beneficiados a mãe de Geddel e seu irmão Lúcio Vieira Lima, atual vice-líder do PMDB na Câmara.
Por causa do escândalo de 1984, Geddel foi demitido do Baneb aos 25 anos de idade.
A Receita Federal concluiu, em investigação própria sobre o caso, que “as operações irregulares que envolveram diretores e pessoas ligadas” podem ser consideradas “distribuição disfarçada de lucros a diretores”. O Tribunal de Contas do Estado da Bahia chegou a cobrar que Geddel e outros suspeitos na transação devolvessem dinheiro aos cofres do banco público, mas não há registros de que isso foi feito.
Em sua defesa, Geddel disse à Folha que foi inocentado no caso em investigações do Banco Central e pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro. Acusou ainda os auditores do Baneb de “má fé” e ligados a ACM. “Isso [a auditoria] foi feito quando meu pai brigou com ACM”, afirmou.
Choro na CPI do Orçamento
Uma década após o “Caso Baneb”, o então deputado federal foi implicado no escândalo dos Anões do Orçamento, episódio em que 37 parlamentares foram acusados de manipular emendas para beneficiar empreiteiras.
Em de 5 de janeiro de 1994, o então deputado federal Geddel Vieira Lima prestou depoimento à CPI do Orçamento. Ao negar as acusações, ele chorou por diversas na frente dos deputados. Ele foi convocado a depor após seu nome aparecer em documentos de um diretor da Odebrecht, ao lado de um percentual (4%).
“Esses papéis são de caráter unilateral. Se esse percentual significa um cálculo matemático de ajuda a campanhas eleitorais futuras, como disse o diretor da empresa, a mim não chegou qualquer oferta. Se ousasse chegar, seria repelida de maneira viril”, declarou Geddel. Não foram encontradas provas que embasassem uma acusação contra o deputado.
Grampo de ACM
Em fevereiro de 2001, então presidente do Senado, ACM divulgou para a imprensa e parlamentares uma fita de vídeo chamada “Geddel Vai às Compras”, em que acusava o desafeto e seus familiares de enriquecimento ilícito.
“Não quero mais esse fanfarrão mandando na República. Ele está morto. Com a morte do Luís Eduardo [deputado, filho de ACM, morto em abril de 98], ele perdeu a alma”, disse Geddel.
“Até as grandes figuras têm pecados. O único (pecado) que conheço do Luís Eduardo foi ter salvo o deputado Geddel na CPI do Orçamento, quando ele já estava fisgado”, rebateu ACM.
À época, estourou o escândalo dos “Grampos de ACM”, quando investigações demonstraram que adversários políticos do então senador, como o próprio Geddel, tiveram seus sigilos telefônicos quebrados ilegalmente pela Polícia Civil baiana.
Nos últimos anos, após romper a aliança com o PT na Bahia, Geddel tornou-se parceiro do herdeiro político de seu maior adversário: o atual prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM).
Verbas da Integração Nacional
Geddel foi aliado dos presidentes FHC e Lula. No governo do petista, foi ministro da Integração Nacional, quando foi acusado de concentrar o repasse de verbas da pastas para prefeitos correligionários do PMDB na Bahia. À Folha, o então ministro negou favorecimento ao seu Estado.
Após perder a eleição para governador da Bahia em 2010, para o ex-aliado Jaques Wagner (PT), Geddel foi nomeado vice-presidente de pessoa jurídica da Caixa Econômica Federal, pela presidente Dilma Rousseff — a indicação era cota do então vice-presidente Michel Temer, de quem sempre foi muito próximo desde o começo dos anos 1990.
Geddel ficou no cargo entre março de 2011 e dezembro de 2013. Esse período de atuação na Caixa está sob apuração da Operação Cui Bono?, deflagrada na última sexta-feira.
A Polícia Federal investiga um suposto esquema de liberação de recursos da Caixa Econômica Federal para companhias –dos ramos de frigoríficos, de concessionárias de administração de rodovias e de empreendimentos imobiliários– por meio de direcionamento político, com participação de do ex-deputado federal Eduardo Cunha e de Geddel, que ocorreriam em troca de pagamento de vantagens ilícitas.
De acordo com o Ministério Público Federal, Geddel fazia parte de “uma verdadeira organização criminosa”. A defesa de Geddel afirmou, por meio de nota, que a “operação decorre de ilações e meras suposições”. O advogado Gamil Föppel diz, no texto, que a investigação “não aponta concretamente qualquer valor que tivesse recebido” pelo ex-ministro. Ele também nega que Geddel tenha cometido “atos de corrupção ou lavagem de dinheiro”.
Lava Jato
O ex-ministro já havia sido citado na Operação Lava Jato, quando foram reveladas mensagens entre ele e Léo Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS. Interceptadas pela Polícia Federal, as mensagens levantaram suspeitas sobre se ele teria favorecido a empreiteira enquanto ocupou a vice-presidência da Caixa. Em uma das conversas interceptadas pela PF, Geddel e Léo Pinheiro falam sobre a liberação de recursos da Caixa para as obras da via expressa Transolímpica, no Rio de Janeiro. Ao UOL, Geddel negou qualquer tipo de irregularidade.
Quando veio a público a delação do ex-diretor da Odebrecht Claudio Melo Filho, Geddel foi citado com um dos políticos que receberiam recursos ilegais e presentes da empreiteira baiana, mesmo em épocas fora do período eleitoral. Os dois eram vizinhos em condomínio em Salvador, onde seriam realizadas as negociatas entre os dois.
Ainda segundo o delator, teria sido Geddel quem o apresentou a Temer, no ano de 2005.
Apartamento em Salvador
Um dos principais articuladores do impeachment de Dilma, Geddel foi nomeado por Temer ministro-chefe da Secretaria de Governo. Era uma das principais “figuras palacianas” do novo regime, ao lado ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e do secretário de Parceira de Investimento, Moreira Franco, todos do PMDB.
Mas em novembro passado, ele teve que deixar o cargo diante do agravamento da crise causada pela acusação de que teria pressionado o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero para liberar a construção de um imóvel de 30 andares e 107 metros de altura em área de interesse do patrimônio histórico em Salvador. Geddel afirma ter comprado um apartamento no edifício. À época, Geddel argumentou que não o pressionou e que o fato de ter o apartamento não o impediria de tratar da questão – ele afirmou que, pelo contrário, isso o credenciava a abordar o tema já que tinha conhecimento do assunto.
Mesmo fora do governo Temer, ele continuou sendo uma pessoa influente nosbastidores, até a deflagração da Operação Cui Bono.
uol