Ações policiais e violência na região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo, marcaram o ano de 2020 em meio à pandemia do novo coronavírus. A atuação na região é um dos desafios do prefeito reeleito para o novo mandato.
Embora não tenha se aprofundado no tema durante a campanha, como fizeram com mais veemência Arthur do Val — Mamãe Falei (Patriota) e Joice Hasselmann (PSL), Bruno Covas disse durante a campanha que a região precisa da atuação de agentes da segurança pública em conjunto com da saúde para tratar os dependentes químicos.
No entanto, na prática, foram as ações da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana que resultaram em confrontos e violência que acabaram tomando o noticiário ao longo de 2020.
No dia 15 de janeiro, um PM foi baleado na perna durante uma das primeiras ações em que houve confronto na região. Na ocasião, a Polícia Militar teria recebido uma denúncia de tráfico no local e, quando os policiais chegaram, foram recebidos a tiros. A Secretaria de Segurança Pública disse que os policiais não efetuaram nenhum disparo com arma de fogo, e prenderam seis supostos traficantes.
Em fevereiro, a Uniad (Unidade de Pesquisas de Álcool e Drogas) e da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) divulgaram uma pesquisa, após estudo realizado em quatro oportunidades – em 2016, duas vezes em 2017 e em 2019, que mostrou que cerca de 53% dos usuários e frequentadores da Cracolândia já passaram por alguma forma de tratamento para dependência química.
Com o início da quarentena como forma de impedir a propagação do novo coronavírus, em março, a região voltou a ser pauta em discussões sobre como fazer para que a população de rua e frequentadores do local poderiam cumprir um isolamento. Na ocasião, a Prefeitura de São Paulo ampliou o número de vagas em centros emergenciais.
Ao mesmo tempo, a Polícia Militar seguia em ações que resultavam em confronto. No dia 12 de março, vídeos feitos por moradores registraram a atuação da PM com uso de bombas de gás lacrimogêneo para espalhar dezenas de dependentes químicos. A corporação justificou a ocorrência dizendo que foi acionada com informação de que dependentes químicos estavam quebrando carros de uma empresa responsável pela construção de um hospital na região.
No dia seguinte, houve registro de nova confusão na Cracolândia. Moradores disseram que um grupo formado por centenas de dependentes químicos fechou o acesso de veículos à rua Duque de Caxias. A GCM (Guarda Civil Metropolitana) e a Polícia Militar atuaram no local na tentativa de impedir possível vandalismos.
Em abril, a Prefeitura de São Paulo decidiu por fechar a unidade 2 do Atende (Atendimento Diário Emergencial), equipamento que oferece assistência aos dependentes químicos que vivem na Cracolândia e encaminha os usuários a uma outra unidade do serviço, na região do Glicério. A decisão foi alvo de protestos de movimentos que atuam na região, dizendo que o último serviço de atendimento aos dependentes químicos estava sendo fechado. “Centenas de pessoas serão abandonadas justo no auge da pandemia de coronavírus na cidade”, disse uma nota conjunta de coletivos.
O mês também contou com uma atuação da Iope (Inspetoria Regional de Operações Especiais), espécie de grupo de elite da GCM paulistana, e da Polícia Militar, que terminou com pessoas feridas, incluindo um idoso. Mesmo com imagens da ação e fotos das pessoas feridas, na ocasião a Polícia Militar disse que policiais foram à região apenas para dar apoio em ação da Guarda Civil, e afirma que os PMs não usaram bombas. Já a GCM afirmou que não houve nenhuma operação na Cracolândia no dia.
Como a quarentena não causou nenhum impacto na Cracolândia, no dia 9 de maio, o promotor de Justiça Cassio Roberto Conserino, da 6ª Vara Criminal da Capital, entrou com um pedido de medida cautelar para retirada de dependentes químicos envolvidos no Projeto Redenção, da Prefeitura de São Paulo, da região. Dez dias depois, a juíza Erika Soares de Azevedo Mascarenhas negou o pedido, e disse que as pessoas em situação de rua que frequentam a região já estavam sendo assistidas pelo poder público.
Em junho, o Câmera Record mostrou a história de Stephani, em uma reportagem que abordava brasileiros sem documentos. Ele vivia na região da Cracolândia e passou dez anos vendendo drogas e se prostituindo em troca de pedras de crack, até ser presa. “Eu não recebi nenhuma visita, não sabia o endereço da minha casa, não tinha pra quem recorrer. O número do RG criminal é o único registro que eu possuo na vida”, disse à Record TV.
A violência na Cracolândia voltou a evidência no noticiário em julho. No dia 15, um rapaz identificado como Júnior Fonseca dos Santos, de 24 anos, foi morto a tiros durante a madrugada na região. Na ocasião, testemunhas disseram que o jovem vivia em situação de rua e estava conversando com duas pessoas quando foi atacado pelo atirador.
No mês ainda teve pelo menos mais dois registros de confrontos entre agentes de segurança e dependentes químicos na região. Mas julho também ficou marcado pela iniciativa que reuniu 30 artistas de diversas linguagens e condições sociais, que viviam na região da Cracolândia, com a proposta de gerar uma economia colaborativa por meio da venda de seus trabalhos.
Em agosto, uma reportagem do Jornal da Record mostrou a ocupação de uma nova rua que estaria se transformando em uma espécie de “nova Cracolândia”. Imagens da Record TV mostraram as barracas improvisadas, brigas entre usuários e a livre circulação de traficantes durante a nova rotina da via.
Policiais militares e guardas civis entraram em confronto com dependentes químicos pelo menos duas vezes em setembro, nos dias 12 e 24. Imagens registradas por moradores da região e ativistas que atuam na Cracolândia mostraram o uso de bombas e cassetetes contra os usuários.
No dia 19 de outubro, quatro catadores de materiais recicláveis foram presos em flagrante levando o corpo do soldado Daniel Alves de Lima, 32 anos e, em uma carroça. Segundo amigos do PM, ele realizava trabalhos sociais na região da Cracolândia.
Os catadores alegaram que receberam uma quantia em dinheiro para descartar todo o material que estava na carroça e disseram que não sabiam que carregavam um corpo.
Já em dezembro, na imagem mais recente da região da Cracolândia, dependentes químicos fizeram um arrastão em carros depois da operação de limpeza realizada pela prefeitura.
Motoristas tiveram os carros depredados durante o tumulto, ocorrido no cruzamento das avenidas Rio Branco e Duque de Caxias. Com pedaços de madeira, caixotes e até cadeiras, os usuários cercavam os carros no meio da rua.
R7