O estado de alerta decretado na Espanha para desacelerar a contaminação pelo novo coronavírus expira à meia-noite deste sábado (20). O fim da medida ocorre três meses e uma semana após seu decreto. Foram 98 dias em que os espanhóis viveram prendendo a respiração entre medo e curiosidade, o que gerou uma situação sem precedentes, com efeitos ainda desconhecidos. Foram dias que paralisaram — e mudaram — o país.
Nem todos esses dias passaram com a mesma velocidade e, durante alguns, parecia que o tempo havia congelado. Porém, com reaberturas iniciadas há algumas semanas, a vida voltou às ruas, às praças, lojas, bares, praias, e às estradas e montanhas que o estado de alerta esvaziou.
Em 14 de março, a medida foi decretada pela segunda vez na história da democracia espanhola. O primeiro estado de alerta que o país viveu — durante uma greve dos controladores de tráfego aéreo em 2010 — durou apenas 15 dias. Desta vez foi prorrogado seis vezes, durando mais de três meses.
O novo coronavírus foi identificado na Espanha pela primeira vez em 31 de janeiro. Desde então, e até o final de fevereiro, foi mantido um cenário de contenção no país. As autoridades aconselharam a tomar medidas extremas de higiene e outras proteções.
Assim foi até 9 de março: um dia após os protestos do Dia da Mulher. Em seguida, todos os alarmes dispararam, pois o número de infecções dobrou, registrando-se 1.204 novos casos. As mortes subiram para 28.
Naquele dia, medidas iniciais foram estabelecidas, como suspender as aulas por duas semanas nas áreas mais afetadas e aconselhar o teletrabalho. A intenção era tentar fazer com que o país não precisass. Nas palavras do Ministro da Saúde, Salvador Illa, ir para o cenário da Itália “, onde as restrições à mobilidade entre cidades já prevaleciam e a população foi orientada a ficar em casa.
Entretanto, o país não conseguiu evitar o desastre porque o vírus já estava em torno da população há muito tempo. Após uma longa e histórica reunião, no sábado, 14 de março, o Conselho de Ministros declarou o estado de alarme. O vírus já havia atingido 5.753 pessoas e matado 136.
Naquela época, os números eram impressionantes, mas o pior ainda estava por vir. Apenas uma semana depois, as fatalidades diárias começaram a ser contadas em centenas e em três semanas os 10 mil óbitos chegaram: 950 mortos em 24 horas. Era 2 de abril e havia 10.003 mortes oficiais.
Os números foram muito maiores do que os serviços funerários poderiam assumir. Os necrotérios tiveram que ser improvisados em lugares como pistas de gelo e estacionamentos.
O mesmo aconteceu com os hospitais. Todos os dias o país acordava em suspense, esperando que a terrível curva de contágio começasse a aliviar o sistema de saúde, onde ocorria centenas de internações diárias. Inclusive, dos próprios profissionais de saúde.
Faltavam recursos, os que o país tinha eram escassos e defeituosos. Locais foram improvisados e transformadosem enormes unidades de terapia intensiva. O sistema e seus profissionais ficaram sobrecarregados. O colapso quase não foi evitado.
Se houve algo que dilacerou os corações ao longo desses 98 dias, foi a situação nas casas de repouso, que colocou em cheque um modelo que se mostrou letal para os mais velhos.
Desde 8 de abril, o país dados oficiais analisava os dados referentes aos idosos que perderam a vida nessa pandemia. No entanto, atualmente, é possível apenas adivinhar um número, adicionando aos que as regiões estão dando, aproximadamente 20.000 óbitos.
Quase tão doloroso quanto isso, é imaginar o terror dos sobreviventes, condenados à solidão de seus aposentos sem poder receber visitas.
O pouco consolo de muitas famílias está agora nas quase 200 investigações criminais realizadas pelo Ministério Público, quase metade delas em Madri, e em tantos processos civis e nos vinte procedimentos em andamento em diferentes tribunais.
Ao mesmo tempo que o estado de alerta, veio a crise econômica. Era inevitável, porque o confinamento causou uma queda abrupta na atividade e no consumo. E o aumento do desemprego estava para começar.
Além disso, a dureza da pandemia exigia um sacrifício ainda maior na economia do país: o governo ordenou a interrupção de todas as atividades não essenciais de 30 de março até 9 de abril.
A ruptura inevitavelmente causou a destruição de empregos, 900 mil nos meses de março e abril. Além disso, neste período, 3,3 milhões de pessoas foram afetadas pela ERTE (regulamentação do emprego temporário).
Agora, o emprego está começando a se recuperar com o retorno da atividade, mas há setores que foram seriamente prejudicados por essa crise. Especialmente o turismo, que excede 12% do PIB (Produto Interno Bruto) espanhol, e que está esperando impacientemente que o alerta seja suspenso e a abertura de fronteiras comece a trazer algum alívio.
Embora tenhamos visto atitudes repreensíveis e até vergonhosas, essa crise também deixa momentos, grandes gestos e sacrifícios que a sociedade espanhola nunca esquecerá.
A luta incansável do setor sanitário, os aplausos dos cidadãos todas as noites às oito horas aos profissionais de saúde, as múltiplas amostras de solidariedade entre as comunidades e associações de bairro, focadas em ajudar os idosos e os mais vulneráveis.
E o reconhecimento aos caixas, farmacêuticos, tabacarias, transportadoras, entregadores, vendedores de frutas, padeiros, peixarias, açougues, limpadores e todos os itens essenciais que tornaram o confinamento um pouco mais fácil para o resto.
A Espanha enfrenta agora um caminho muito difícil para a reconstrução. O declínio foi abrupto e talvez seja por isso que os mais otimistas têm a esperança de uma recuperação rápida. Mas voltar ao crescimento positivo ou ao número de empregos não será suficiente desta vez.
E há um clamor para fortalecer o sistema de saúde e impedir que ele sofra novamente, porque esgotou essa situação.
O vírus também está lá e você não pode baixar a guarda. A Espanha entra no “novo normal”, mantendo as regras de higiene e distância física, e a obrigação de máscaras em locais fechados e sempre que a distância não for possível.
Porque o estado do alarme termina. Mas não a covid-19, não o coronavírus, uma ameaça que não desaparecerá até que exista uma vacina ou um tratamento eficaz para combater este vírus.
R7