A democracia do Peru vive hoje (1º) um dia confuso. O presidente do país dissolveu o Congresso e convocou novas eleições. O Parlamento, no entanto, suspendeu o presidente por “incapacidade temporal” e empossou a vice-presidente. Ainda não se sabe quais serão os desdobramentos para o país que tem dois presidentes “empossados” e um abismo cada vez maior entre Governo e Legislativo.
Na tarde de ontem (30), o presidente do Peru, Martín Vizcarra, anunciou a dissolução do Congresso após o legislativo negar um pedido de voto de confiança para mudar o sistema de indicações de magistrados para a Suprema Corte do país. Vizcarra já havia ameaçado dissolver o Congresso na tarde de domingo (29), caso o Legislativo não discutisse a necessidade de reformar os critérios para ingresso na Suprema Corte. A intenção de Vizcarra era evitar a nomeação de juízes ligados à oposição fujimorista, que tem maioria no Congresso, com aliados de direita e extrema-direita.
“Aqui se trata de lutar contra a corrupção, as blindagens e a imunidade, que se usa como impunidade. Por trás do pedido de transparência para os magistrados do Tribunal Constitucional estão milhões de peruanos”, afirmou Vizcarra, defendendo estar respaldado pela Constituição em sua decisão de dissolver o Congresso.
Vizcarra convocou, ainda, novas eleições para o dia 26 de janeiro de 2020. O Congresso reagiu, aprovou o afastamento do presidente por “incapacidade temporal” e empossou a vice-presidente, Mercedes Araoz.
Corte Suprema
O estopim da crise aconteceu quando o Congresso, ignorando a moção de confiança (ou voto de confiança) anunciada na última sexta-feira (27) pelo presidente, realizou uma votação atribulada em que elegeu um magistrado para a Corte Suprema, não discutindo primeiramente o voto de confiança. Vizcarra, então, anunciou a dissolução do Parlamento.
Na semana passada, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) havia denunciado as “eleições relâmpago” do Congresso para mudar a configuração da Suprema Corte, em um momento em que o tribunal analisa casos de políticos e ex-presidentes investigados por corrupção e lavagem de dinheiro, citados na operação Lava-Jato.
Reação
Mesmo após a dissolução do Congresso, os legisladores decidiram aprovar o afastamento do presidente, ato que, em teoria, não tem validade, uma vez que o Congresso já estaria suspenso. A decisão de Vizcarra, de dissolver o Legislativo, tem validade de um ano e ele é obrigado a convocar eleições no prazo máximo de quatro meses.
A reação do Parlamento à decisão do presidente veio pouco mais de duas horas depois. Primeiro aprovaram um pedido de suspensão “por incapacidade temporal declarada pelo Congresso” e depois empossaram a vice-presidente, que fez o juramento assumindo o cargo.
“Teria sido mais fácil renunciar. Não fujo de minhas responsabilidade por mais difíceis que sejam as circunstâncias”, afirmou Araoz em seu juramento. “A grave crise institucional que nosso país vive nesta tarde terminou com uma medida inconstitucional do presidente Vizcarra. Estou assumindo temporariamente a presidência da República”, declarou.
Especialistas afirmam que Araoz cometeu o delito de usurpação de funções e pode, inclusive, vir a ser presa.
Após a dissolução do Congresso, os parlamentares deveriam se retirar voluntariamente do local, o que não aconteceu. Na noite de ontem, milhares de manifestantes se reuniram diante do Congresso, em apoio a Vizcarra, com gritos de “desalojo”, pedindo a saída dos parlamentares do local. De acordo com a Constituição do país, o presidente pode autorizar, caso necessário, a retirada dos parlamentares pela polícia.
O Comando Conjunto das Forças Armadas e a Polícia Nacional se reuniram na noite de ontem com Vizcarra para reafirmar “seu pleno respaldo à ordem constitucional e ao presidente”, segundo nota divulgada no Twitter da presidência do Peru.
Agência Brasil