O meia Moisés Vieira ficou em quarentena por 12 dias após contaminação pelo novo coronavírus. Sentiu febre, dor de cabeça, tosse e muita dor no corpo. Quando voltou aos treinos na Ponte Preta, no último dia 30, a situação também foi difícil. Perna pesada, como se usasse “chuteiras de chumbo”. Com treinos específicos, ele ainda está recuperando a forma na Série B do Campeonato Brasileiro. Especialistas estimam que o tempo de recuperação plena de um atleta após a covid-19 é de um mês.
Para um jogador de futebol, a contaminação por covid-19 tem dois tempos, como no próprio jogo. O primeiro é a quarentena. Isso inclui isolamento social, dos amigos e da família, exercícios leves e descanso, dar tempo para o corpo reagir. Os sintomas são os mesmos que afligem grande parte da população: febre, dor de cabeça, tosse e muita dor no corpo. Após a testagem negativa para o vírus, o que significa poder retomar os treinos, vem a segunda parte, tão difícil quanto a primeira. É hora de recuperar a forma física, matéria-prima dos atletas.
O cardiologista e médico do esporte do HCor, Nabil Ghorayeb, conhece bem esse roteiro de recuperação. Ao longo dos últimos dois meses, examinou um grupo de 35 jogadores que tiveram a doença entre amadores, masters e atletas da elite. Nenhum profissional chegou a ser internado na UTI. Nabil afirma que a maioria apresentou apenas sintomas leves ou “sintomas não valorizados” como dor no peito, falta de ar e arritmia. Nenhum foi entubado.
O zagueiro Luan Peres afirma que o período de contaminação foi o mais difícil. “Os dois primeiros dias que fui diagnosticado com coronavírus foram difíceis, mas o tempo foi passando, fiz tudo que foi recomendado pelos médicos e cumpri o protocolo corretamente”, disse o titular do Santos.
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) registrou até este mês de novembro 689 casos positivos do novo coronavírus entre jogadores e membros da comissão técnica nos times das Série A, B, C e D do Campeonato Brasileiro. A informação está no documento “Eficácia e segurança do Protocolo Médico da CBF”, produzido pela Comissão Médica da Entidade.
Foram analisados os resultados de 47.450 testes PCR em 1.161 jogos do Campeonato Brasileiro das quatro primeiras divisões e também de mais outras três competições para categorias inferiores: sub-17, sub-20 e aspirantes. Ao todo foram registrados 807 testes positivos, o que corresponde a 1,7% do total de amostras. Na Série A foram 97 casos. A Série D, que concentra o maior de times, somou a maioria das infecções com 348 casos.
A covid-19 não é apenas uma doença respiratória. Seus danos atingem intestino, rins, cérebro e coração. No último, o risco é a miocardite, uma inflamação do músculo cardíaco. Com a criação de anticorpos pelo organismo para conter a infecção, o vírus é combatido, mas a inflamação permanece. Essas áreas podem ficar com cicatrizes ou fibroses, que ocasionam as arritmias. Um dos fatores de risco para a miocardite é o retorno ao esporte após uma virose sem que tenha havido a recuperação completa.
No grupo avaliado pelo HCor, apenas um atleta foi afastado. Seu teste ergométrico apontou uma isquemia, ou seja, diminuição da passagem de sangue pelas artérias coronárias, os vasos que levam sangue ao coração. Por conta do problema, causado pela covid-19, ele está afastado por três a seis meses. Por causa da ética médica, a identidade do jogador foi preservada. “É um caso raro, mas acontece”, disse Nabil.
Por isso, a Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) recomenda uma avaliação cardiológica para quem for retomar a atividade física após a contaminação. A entidade sugere a avaliação contemple anamnese, exame físico e eletrocardiograma para todos. Exames complementares vão depender da gravidade do quadro clínico prévio à covid-19. A entidade recomenda ainda acompanhamento regular e reavaliação a médio e longo prazo, pois a evolução tardia da doença ainda é pouco conhecida.
A influência do condicionamento físico dos atletas na resistência ou recuperação ainda está sendo investigada. “Ainda estamos na parte do ‘eu acho’. Não há estudos científicos que comprovem”, completou Nabil.
R7