Na última semana, o Brasil se tornou o epicentro da pandemia de covid-19 no mundo. Agora especialistas e pesquisadores temem que a alta taxa de infecção da doença e os baixos índices de vacinação transformem o país em uma espécie de criadouro de novas variantes. Essas mutações poderiam ser resistentes, inclusive, às vacinas já aplicadas por aqui.
Para o virologista e pesquisador do Laboratório de Virologia, do Instituto de Medicina Tropical, da Faculdade de Medicina da USP (IMT/FMUSP), José Eduardo Levi, a situação que merece atenção é o surgimento de mutações a partir da cepa amazônica. “Se a taxa de infecção for mantida com 80 mil novos infectados por dia, sendo 80% dos casos da P.1 (como é chamada a variante brasileira), pelo menos em São Paulo e Santa Catarina onde já produzimos dados, a chance do vírus surgido no Amazonas virar outra coisa é muito alta”, diz o biólogo.
A aumento do número de casos e o surgimento de mutações preocupam ainda mais quando comparados ao baixo número de vacinados. “O que mais me preocupa é que uma parte da população foi vacinada, mas não completou as duas doses. A situação de semi-imunidade é ótima para o vírus desenvolver mutação, que pode ter uma resposta imune aos imunizantes aplicados aqui”, alerta Levi.
No Brasil, os imunizantes usados são a CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan, e a Oxford, feita pela Fiocruz. Ambas são eficazes contra a cepa do Amazonas.
O médico Guilherme Furtado, líder da infectologia do HCor (Hospital do Coração), em São Paulo, lembra que a mutação brasileira apresenta escape ao sistema imunológico e as reinfecções são uma realidade que também contribuem para o quase colapso da saúde. “A maior transmissibilidade da mutação do Amazonas e a possibilidade de reinfecção, que vemos com tanta frequência nos pacientes internados, está lotando os hospitais”, afirma o infectologista.
De acordo com dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), referentes à primeira semana de março, o mundo apresentou uma queda de 6% de mortes, 60 mil mortos ao todo; já o Brasil, ao contrário, teve um aumento de 23%, 9,9 mil óbitos no período. Foram 500 mil novos casos aqui, 21 mil a mais que os Estados Unidos, segundo na lista.
O pesquisador da USP explica a ligação entre o aumento de novos casos e o surgimento de mutações. “Quanto mais gente infectada, maior a taxa de transmissão e maior a chance de mutação, porque simplesmente ela acontece ao acaso. Quanto mais gente infectada, mais chance de o acaso acontecer”, ensina.
O surgimento da variante do Amazonas, mas transmissível que o SARS-CoV-2 original, é apontado pelos especialistas como o principal motivo para o país ter se tornado o epicentro da covid-19 no mundo, desbancado os Estados Unidos.
Mas, não é o único fator. Furtado ainda ressalta a falta de vacinas e as questões sociais para os números serem tão expressivos. “Além da cepa, dois motivos são relevantes. Primeiramente, o baixo grau de vacinação e, em segundo lugar, as questões sociais, já que a população não fez isolamento, nem todo mundo usa máscaras. Agora, temos novas medidas de restrição, que podem mudar esse quadro, mesmo que ainda tenham lugares com aglomerações e a falta de máscaras”, espera o médico.
Levi lembra que a movimentação de comércio também fez diferença: “A variante amazônica é o fator mais importante. Mas o descuido das pessoas, principalmente no final do ano, com o comércio aberto, e falta de uso de máscara também ajudaram no aumento da transmissão”, afirma do biólogo.
Desde a segunda semana de março, os governos estaduais e municipais adotaram medidas mais rigorosas de restrições de circulação, já que os hospitais das redes pública e particular de todo o Brasil estão próximos do 100% de lotação. Se as regras forem respeitadas, os efeitos começarão a surgir na próxima semana, segundo os especialistas.
O infectologista do HCor acredita que ainda teremos dias de números altos. “Ainda vamos ter um pico mais agudo nas próximas três semanas, com número de mortes e novos casos altos. Esperamos que não ultrapasse muito o que temos hoje e, depois, começará a cair. É praticamente um mês de transmissão aguda para depois baixar. A expectativa é que as restrições ajudem a parar esse agravamento”, diz Furtado.
Quanto às perspectivas de um futuro a longo prazo, o virologista é mais otimista. “E um vírus único, tivemos outros coronavírus, mas este é único. O fenômeno de resistência acontece, mas o vírus não é invencível. Temos muitas doenças virais com tratamentos que resolvem muito e até curam e com vacinas totalmente eficazes. Como é o caso do sarampo, da febre amarela, do tratamento do HIV e da hepatite C”, finaliza Levi.
R7