As mortes por essas doenças chegam a 420 mil anualmente, sendo crianças menores de cinco anos um terço das vítimas fatais. A maioria dessas enfermidades é causada por bactérias como Salmonella spp., Escherichia coli e Staphylococcus aureus.
Pensando nisso, um grupo de pesquisadores brasileiros desenvolveu um biossensor que usa nanopartículas magnéticas e uma substância extraída do veneno do ferrão de abelhas para detectar contaminação em comidas e bebidas de forma muito mais rápida e eficiente que os métodos tradicionais.
Segundo o físico Osvaldo Novais de Oliveira Junior, do Instituto de Física da USP de São Carlos, coordenador da equipe que desenvolveu o dispositivo, uma das maiores dificuldade para evitar as DTAs (sigla para doenças transmitidas por alimentos) é detectar bactérias no estágio inicial da contaminação, ou seja, quando o número delas ainda é muito pequeno.
“Nos métodos convencionais, amostras de alimentos ou bebidas são coletadas e depois levadas a um laboratório especializado para a verificação da formação de colônias delas”, explica.
Isso tem que ser feito por meio de análises no microscópio para visualizar os agrupamentos, e pode demorar muito (até 72 horas), principalmente se a contaminação estiver no começo.
“Há outros métodos, como o ELISA (na sigla em inglês de Enzyme Linked Immunosorbent Assay) e PCR (Polymerase Chain Reaction), que podem fornecer respostas mais rápidas”, diz Oliveira, que desenvolveu o biossensor em conjunto com pesquisadores Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a Embrapa Instrumentação, da mesma cidade.
“O problema é que eles requerem equipamentos sofisticados e de alto custo e pessoal especializado para as análises.”
Por isso, desenvolver novas metodologias para detectar contaminação de alimentos por micro-organismos tem sido o objetivo de muitos grupos de pesquisa da redor do mundo. “A nossa intenção era criar algo para isso que fosse rápido, de baixo custo e, ainda assim, eficiente”, explica Oliveira.
“Nossa metodologia resolve o problema de detecção da contaminação inicial com uma estratégia de pré-concentração das bactérias na amostra.”
De acordo com ele, o sensor propriamente dito é bastante simples. Ele contém eletrodos de prata, depositados sobre filmes de um plástico, o poli (tereftalato de etileno) – ou PET -, com uma técnica de serigrafia. A tinta do metal é espalhada sobre o polímero usando uma máquina produzida no Brasil com uma tela de poliéster.
“O que é especial nele é a possibilidade de se produzir grandes quantidades a baixo custo, e em outros tipos de materiais”, conta Oliveira. “Não só no PET, mas também em papel e tecidos, como já testamos em nossos laboratórios.”
O outro ingrediente essencial do ensaio é a pré-concentração das amostras. Isso é feito para resolver a dificuldade da detecção de pequenas concentrações de micro-organismos. Na tecnologia desenvolvida em São Carlos, nanopartículas magnéticas produzidas em laboratório pelos pesquisadores são recobertas com melitina, a substância extraída do veneno do ferrão da abelha, que tem afinidade com bactérias.
Quando essas nanopartículas são introduzidas em uma amostra líquida a ser analisada, as bactérias eventualmente presentes se dirigem a elas devido à presença da melitina. Após um determinado tempo – cerca de 20 minutos -, as nanopartículas magnéticas, com os micro-organismos aderidos, são atraídas com um ímã. É este material com bactérias pré-concentradas que é usada para a detecção. No caso de alimentos sólidos, uma pequena amostra triturada, homogeneizada e filtrada bastará para fazer o mesmo procedimento.
Para isso, a amostra é colocada sobre os eletrodos, e então são realizadas medidas de impedância elétrica (resistência de um circuito elétrico à passagem de corrente quando se aplica uma tensão). “A presença das bactérias altera o valor da impedância, e esta alteração serve como mecanismo de detecção”, explica Oliveira.
“O processo de medida é rápido, cerca de alguns minutos, o que é vantajoso sobre os métodos tradicionais.”
Nesses, segundo o pesquisador da USP, é necessário analisar todo o volume ou massa do alimento ou bebida e acompanhar o crescimento das bactérias para que seja possível contá-las na colônia. Esse procedimento pode demorar entre 24 e 72 horas, para os casos de contaminação em estágio inicial, ou seja, com pequeno número de micro-organismos.
Oliveira cita uma série de vantagens da tecnologia que seu grupo desenvolveu. “A primeira delas é o menor tempo requerido para a análise, pois são eliminadas as etapas de cultivo e crescimento das bactérias”, diz. “Isso permite monitoramento em tempo real. A outra é o possível baixo custo de cada análise, pois os eletrodos são muito baratos (cerca de R$ 0,30 cada).”
Além disso, os procedimentos também podem ser de baixo custo se a metodologia for usada em grande escala. “Outra possível vantagem é a simplicidade na realização das medidas de detecção, mesmo para pequenas concentrações de bactérias, o que pode ser feito por não especialistas em análises, com pouquíssimo treinamento”, acrescenta Oliveira.
Os pesquisadores testaram o biossensor que desenvolveram em três espécies de bactérias: Salmonella thyphi, Escherichia coli e Staphylococcus aureus.
A primeira pode ser encontrada em alimentos como ovos e aves e causar febre tifoide. A segunda, por sua vez, é bastante comum no intestino dos humanos e no de alguns animais. Mas existem cepas patógenas (que causam doenças) relacionadas a diferentes tipos de problemas, incluindo infeções gastrointestinais, urinárias e até meningite.
Por fim, a Staphylococcus aureus é encontrada em diferentes ambientes e pode causar doenças como conjuntivite, meningite e pneumonia. “Essas bactérias podem estar presentes em qualquer tipo de ambiente onde as condições de esterilização não sejam rigorosas”, alerta Oliveira. “É o caso de alimentos manipulados de forma inadequada, como na indústria ou em supermercados.”
Além disso, o biossensor criado em São Carlos poderá ter outras aplicação. Com algumas adaptações, será possível usá-lo para detectar diferentes tipos de contaminação em ambientes hospitalares, como enfermarias e salas de cirurgia, bem como em instrumentos e equipamentos utilizados nesses ambientes, e também em pacientes com feridas, queimaduras e escaras.
R7