Os brasileiros gastam mais do que o dobro em saúde do que a média das famílias dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), como proporção do PIB, enquanto o gasto do governo representa pouco mais da metade.
Os dados são da publicação Conta-Satélite de Saúde 2010-2017, divulgada na manhã desta sexta (20) pelo IBGE. Em 2017, 5,4% do PIB foram despesas das famílias com saúde, e 3,9% do governo.
Em países da OCDE, o gasto médio das famílias ficou em 2,3% do PIB, e o do governo, em 6,5%, segundo a pesquisa.
Em sete anos, a participação das despesas de saúde no PIB brasileiro aumentou de 8% para 9,2%, impulsionada especialmente pelos gastos das famílias (de 4,4% para 5,4%).
A análise das despesas per capita com saúde mostra que os brasileiros gastam mais que países latino-americanos, como Colômbia e México, mas 2,9 vezes menos do que a média observada nos países da OCDE, como Estados Unidos, Suíça e França.
A principal despesa das famílias com saúde são os serviços privados, que em 2017 respondiam por 66,8% do total dessas despesas. Isso inclui integralmente valores pagos a planos de saúde, inclusive pelos empregadores. Cerca de um quarto da população brasileira é coberta pela saúde privada.
Os gastos com medicamentos, que em 2017 totalizaram R$ 103,5 bilhões, corresponderam a 29,9% das despesas com saúde das famílias nesse mesmo ano.
Entre 2010 e 2017, a despesa de consumo com medicamentos se manteve estável. no patamar de cerca de 1,5% do PIB, enquanto o consumo de serviços de saúde privada (incluindo planos de saúde) avançou de 2,5% para 3,5% do PIB nesse mesmo período.
Para o economista do Banco Mundial Edson Araújo, a questão da participação maior do gasto privado não é tão problemática assim. “Do ponto de vista de proteção financeira, o gasto com seguro [saúde] não é problema.”
O percentual do PIB brasileiro para financiar o SUS (de 3,6% em 2000 para 3,9% em 2017) está muito aquém das despesas públicas com saúde de países como Alemanha (9,5% do PIB), França (9,4%) e Japão (9,2%).
“Os dados são preocupantes e colocam o Brasil de costas em relação à maioria dos países. Há uma virada estrutural no financiamento do sistema de saúde brasileiro, com aumento histórico consistente dos gastos privados em relação aos gastos públicos”, diz Mario Scheffer, professor do departamento de saúde preventiva da USP.
Organismos internacionais, como o Banco Mundial, recomendam que pelo menos 6% do PIB seja reservado aos gastos com a saúde pública.
Para Scheffer, ainda que não tenha ocorrido diminuição em termos absolutos, considerando a retração do PIB brasileiro e o crescimento da população, houve de fato um encolhimento do orçamento público em saúde.
O professor da USP fez um cruzamento com a mais recente POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares, também do IBGE, onde percebe-se que o gasto direto com saúde pesa cada vez mais no orçamento doméstico e já chega a comprometer 8% da renda mensal das famílias.
“Para as pessoas de menor renda os medicamentos pesam mais no bolso, consumindo 4,2% do orçamento familiar. Para aqueles de classe mais alta, são os gastos com planos de saúde que pesam mais: 2,9% da renda.”
Para ele, quanto mais alto o gasto privado e, dentro dele, quanto mais elevado o gasto direto, do próprio bolso, mais segmentado será o sistema de saúde e mais desigual será o acesso e o uso dos serviços de saúde.
“O Brasil, portanto, caminha para um sistema de saúde cada vez mais estratificado por renda com uma estrutura de gastos que pode inviabilizar o Sistema Único de Saúde público e universal previsto na Constituição.”
Ainda que sob gastos públicos em saúde restritos, o cientista político Miguel Lago, do IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde), lembra que o Brasil é o único sistema universal de saúde que atende mais de 100 milhões de habitantes e diz que o seu financiamento nas próximas décadas é sustentável.
Um estudo do IEPS projetou que as necessidades de financiamento da saúde chegarão a 12,8% do PIB em 2060.
Outro ponto importante da análise do IBGE é a comparação do crescimento em volume das atividades relacionadas à saúde com o restante da economia. No setor, houve uma tendência de queda inferior ao restante das atividades em momentos de retração da economia.
Em 2015 e 2016, por exemplo, as atividades não ligados à saúde caíram 3,4% e 3,0%, respectivamente, enquanto aquelas relacionadas ao setor tiveram variações negativas de 0,1% e de 1,3%, em 2016.
A saúde também apresentou um crescimento no número de postos de trabalho maior que o observado para a média da economia. A participação no total de postos de trabalho no país passou de 5,3% do total das ocupações, em 2010, para 7,1%, em 2017.
“Isso reforça certos estudos sobre a importância da saúde em tempos de crise”, diz Lago, do IEPS.Um desses estudos, publicado no The Lancet Global Health, pesquisadores brasileiros e do Reino Unidos mostraram que cidades com maiores gastos no SUS e no Bolsa Família não houve piora na condição de saúde da população durante a recessão econômica.
Bahia Notícias