Centenas de estudantes brasileiros viajam todos os anos para a Argentina, onde a educação pública não exige vestibular, em busca de uma formação universitária. Segundo o consulado-geral do país no Brasil, um dos cursos mais procurados pelos brasileiros é o de medicina, que costumam dar preferência pela UBA (Universidade de Buenos Aires). No entanto, uma onda de sequestros nos arredores do prédio da instituição está fazendo as estudantes terem que mudar sua rotina.
Passando por uma grave crise econômica e com a inflação na faixa dos 46%, a argentina viu seus índices de desigualdade aumentarem durante o governo de Mauricio Macri. Desde que assumiu a presidência, 1,4 milhões de pessoas entraram na linha da pobreza no país, de acordo com pesquisa da UCA (Universidad Catolica Argentina).
A crise também afetou a segurança pública na Argentina. Em abril deste ano, a capital do país registrou 16 sequestros em um intervalo de menos de 12 dias.
Estudante de medicina da UBA, a paulista Camila de Paula, de 20 anos, afirma que desde o início do governo Macri, diversas estudantes foram sequestradas na região que ela mora, nos arredores do prédio dos cursos de saúde da universidade.
— As meninas da minha idade não saem mais na rua. Eu não estou com tanto medo porque moro muito perto da universidade, mas vejo que as estudantes que tem que sair da aula de noite e atravessar a praça que tem na frente da faculdade temem muito.
O local em questão é a Praça Dr. Bernardo Houssay, onde fica também a estação usada pelas estudantes que usam o metrô para se deslocarem até a UBA.
Há algumas semanas, o caso de uma aluna do primeiro ano do curso de medicina que sofreu uma tentativa de rapto no local gerou protestos das alunas. A menina teria sido abordada por um homem com uma faca, que tentou forçá-la a entrar em um carro estacionado ao lado da praça.
Em entrevista a um jornal argentino, a jovem — que não quis ser identificada — disse que chegou a gritar por ajuda, mas dois pedestres que passavam pelo local no momento do crime não reagiram. Felizmente, a vítima conseguiu aproveitar uma distração do bandido e escapou ilesa.
Empregado do Congresso da Nação argentino, Pablo Vilas afirma que a principal violência no país vizinho “é a violência institucional”.
— A violação dos direitos da população tem sido a espinha dorsal do governo de Macri. Suas políticas atacam diretamente as esperanças e expectativas do nosso povo, geram violência e a sensação de que não há saída da crise.
Morador do bairro de Montserrat, localizado no centro de Buenos Aires e próximo a prédios da UBA, Vilas afirma que o número de desabrigados na cidade “tem aumentado exponencialmente”, o que pode ser um dos motivos para o aumento da violência.
Mudança de vida
Além da violência urbana, a crise e os cortes de subsídios do governo Macri também afetaram o dia-a-dia da UBA, que, segundo a estudante Camila, passou a ter protestos por mais investimentos todas as semanas.
— Pelo aumento das contas, tem dia que a faculdade fecha. A biblioteca ficou fechada por duas semanas nas férias. Isso atrapalha os alunos e principalmente os docentes, que também não estavam recebendo salário.
Camila afirma que as consequências da inflação e dos cortes de subsídios pelo governo afetam diretamente a população. Segundo a estudante, o número de mendigos na cidade aumentou muito, chegando a formar filas de pedintes nos cafés perto da Universidade.
A jovem relata que, com a crise, foi forçada a apertar os cintos e diminuir os gastos — dentre os quais, segundo a estudante Camila de Paula, o que mais pesa no orçamento é o aluguel de imóveis em Buenos Aires.
— Tá complicado. Se você quiser morar sozinho em Buenos Aires não vai encontrar apartamento por menos de 12 mil pesos (R$ 2600) por mês.
A estudante diz ainda que, desde que chegou à Argentina, viu diversos amigos seus voltarem ao Brasil por não teram mais condições de se manterem com o dinheiro enviado pelos pais, enquanto outros tiveram que arrumar “bicos” e começar a trabalhar.
— Está tudo muito caro. Uma caixa de ovos com 30 unidades custava 30 pesos no ano passado, agora, custa 50. O litro de leite antes custava 9 pesos, agora já achei por 27.
Qualidade de ensino
Apesar das dificuldades e da crise econômica, cursar o ensino superior na Argentina ainda compensa, segundo as estudantes brasileiras entrevistadas pelo R7.
Lá, não é necessário fazer vestibular para acessar o ensino superior. Basta completar um curso de nivelação para iniciar na universidade. Esse fator, aliado à proximidade do país ao Brasil, à facilidade de ingresso e à gratuidade do ensino público, faz com que brasileiros apostem todos os anos nas faculdades Argentinas.
Assim como dezenas de outras brasileiras, a estudante de 21 anos Caroline Rossinhole escolheu a UBA para cursar medicina, após não conseguir ingressar em uma universidade pública no Brasil. Ela relata que, após receber a notícia da reprovação, ficou sabendo das vantagens de se estudar na Argentina, e procurou uma assessoria especializada em intercâmbios para o país.
— Além do ensino ser ótimo, você também conhece outra língua. A UBA é cheia de gente de outros países. O pessoal é gente boa, e eles adoram brasileiros.
Segundo o médico argentino Eduardo Averbuj, de 62 anos, outro fator importante relacionado à preferência dos brasileiros pelo curso de medicina na Argentina é a alta taxa de aprovação dos formados na revalidação do diploma no Brasil.
Averbuj é dono de um apartamento em Buenos Aires, e diz ser procurado com frequência por estudantes brasileiros em busca de um lugar próximo da universidade para morar. No entanto, ele acredita que, nos últimos três anos, a Argentina passou a ser cara para estudantes brasileiros.
— A carga horária do curso de medicina é muito grande, e quase não dá para trabalhar e se sustentar. Os pais têm que mandar dinheiro, e as tarifas de gás e eletricidade vão aumentar.
R7