Se Portugal descobriu o Brasil e explorou seus territórios séculos atrás, agora é a vez dos brasileiros invadirem a terra dos colonizadores. A “invasão brasileira”, no entanto, se mostra benéfica para os portugueses. Segundo o próprio governo português, a chegada dos imigrantes está ajudando a reconstruir a economia portuguesa após um período de recessão.
Ambos os países, ultimamente, passam por processos sociais e econômicos que facilitam a ida de brasileiros a Portugal. Muitos estão deixando o Brasil por causa da crise que afetou o País nos últimos anos.
No último balanço do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), de Portugal, em 2016 havia 81.251 brasileiros legalizados no país. Em 2017, segundo a embaixada portuguesa no Brasil, cerca de 9,5 mil vistos de entrada foram emitidos para brasileiros, um aumento de cerca de 50% em relação a 2016 e 125% em relação a 2015.
No mesmo ano de 2017 as exportações cresceram 11%; a economia cresceu 2,7% e a recuperação dos investimentos foi em torno de 14%, segundo o ministro da Economia de Portugal, Manuel Caldeira Cabral. As altas em geral foram maiores do que a dos anos anteriores.
A chegada de brasileiros a Portugal é, portanto, compatível com as aspirações do governo português, que busca recuperar a perda de cidadãos qualificados que deixaram o país entre 2004 e 2010, ápice da recessão portuguesa.
Imóveis e golden visa
Célia Aguiar, associada de uma grande imobiliária portuguesa, explica que a chegada de brasileiros, principalmente para adquirir imóveis e obter o golden visa (visto para investidores), é algo que tem contribuído para a economia do país.
“Não há qualquer tipo de hostilidade ou incômodo com a chegada de brasileiros. Os portugueses aceitam com agrado o investimento estrangeiro em Portugal”, diz Célia.
O objetivo, com a vinda de novos moradores, é também recuperar um contingente populacional, para manter minimamente estável a densidade demográfica em Portugal nos próximos anos.
Quem diz isso é Paulo Ayres, de 39 anos, brasileiro que trabalha com recrutamento de pessoas para empresas e foi morar em Portugal no início deste ano. Ayres se estabeleceu no país com a esposa de 30 anos e com o filho, de 2 anos e meio.
“Houve uma discordância entre o governo socialista, que decidiu abrir completamente as fronteiras para a imigração, e o SEF que não tinha capacidade de dar resposta a isso”, conta Ayres. “Prevaleceu a posição do governo. Há um estudo que mostra que Portugal precisa receber pelo menos uma média de 100 mil imigrantes por ano nos próximos 40 anos para não desaparecer como país.”
Ele explica o “drama” vivido em Portugal e o porquê deste grande número de brasileiros ser, na maioria dos casos, bem-visto. Inclusive porque o perfil da atual onda imigratória de brasileiros é diferente dos anos 80, quando a maioria era formada por cidadãos sem a mesma qualificação profissional dos que hoje vão morar em Portugal.
“Houve um êxodo enorme em Portugal durante a crise. Portugal tem grandes cabeças, de pessoas que falam inglês, que foram embora, e, no fim da crise, nem todos voltam porque em média os salários são mais baixos do que no resto da Europa”, explica o brasileiro.
Em trâmite
A necessidade de mudança do sistema de agendamento, que passou a ser automático, é outra prova de que o número de imigrantes brasileiros tem crescido. Até praticamente o início de 2018, o agendamento poderia ser feito por telefone e o visto chegava a ser obtido em até três semanas.
A mudança para agendamento eletrônico gerou transtorno em função do enorme aumento do número de pedidos de brasileiros, que entram na fila mesmo com a documentação incompleta e ajudam a congestioná-la.
Ayres, com isso, é um dos muitos brasileiros que estão legalizados, mas sem autorização formal de residência. Esta situação gerou um novo tipo de imigrante, segundo ele: o que está “em trâmite”.
“Vim por uma empresa, acabei mudando para outra porque tive oferta melhor e estou em um limbo, vamos dizer assim. Estou legal, trabalhando, com seguro social, número de contribuinte, tudo certinho, só que ainda não tenho a autorização de residência. Já dei entrada, mas ainda está em trâmite”, conta ele. “Esse meu status de “em trâmite” se tornou comum para vários brasileiros que estão em Portugal.”
Portugal ganhou complicações burocráticas com o aumento de pedidos de brasileiros. O SEF ainda conta com poucos funcionários. No entanto, o brasileiro é muito mais uma solução do que um problema, no balanço geral. Ayres fala por experiência própria.
“Fui muito bem recebido, sem queixas. Amigos? Aí nem tanto, é um pouco mais difícil fazer amizades porque os portugueses são um pouco mais fechados. Mas tenho bom relacionamento onde trabalho”, conta o brasileiro. “Nunca, porém, fui a uma festa na casa de um português. No serviço público há maior rispidez, mas em função da burocracia e não por xenofobia. De resto eles são educados e cordiais, isso quando o brasileiro é visto como alguém de bem.”
O preconceito, segundo Ayres, praticamente ficou no passado. Algumas pessoas mais velhas ainda se prendem a estigmas de que o brasileiro é espertalhão e a brasileira está à procura de homens. Mas isso já não existe entre os mais jovens. E Portugal quer justamente isso: se rejuvenecer para o futuro. Com a ajuda dos brasileiros? Pois sim.
R7