O maior nadador da história do Brasil ainda não sabe como será o seu futuro próximo. Aos 32 anos, Cesar Cielo admite cansaço da rotina de treinos, mas não quer parar de nadar. Quer seguir em forma, porém não sabe qual será sua próxima grande competição. “Não posso abandonar a piscina porque hoje muito da minha vida depende da minha forma física. Vai que daqui a seis meses dá uma vontade de voltar a treinar mais forte, né?”, disse o campeão olímpico em entrevista ao Estado.
Após se tornar o brasileiro com o maior número de medalhas em Mundiais, em dezembro, Cielo quer uma vida mais tranquila. Ele não renovou o contrato com o clube Pinheiros e agora faz treinos mais leves na piscina do Centro Olímpico, em São Paulo. O recordista mundial dos 50m e 100m livre já descartou disputar o Troféu Maria Lenk, o que, por consequência, acaba com suas chances de competir nos Jogos Pan-Americanos de Lima e no Mundial, na Coreia do Sul – a principal competição brasileira é seletiva para estes torneios internacionais.
A Olimpíada de Tóquio-2020, contudo, ainda é uma oportunidade de despedida. Enquanto cogita essa possibilidade, ele preenche sua agenda com clínicas para crianças, eventos de exibição, torneios menores e sua atuação na Fiore, empresa de produtos aquáticos da qual é sócio.
Ao mesmo tempo, projeta mudanças na natação brasileira. Na sua opinião, o treino de alto rendimento no sistema dos clubes tem prazo de validade e os atletas logo precisarão pensar em alternativas. Ele mesmo já tenta alterar esse cenário ao prever uma nova parceria com uma instituição (“não necessariamente um clube”), que deve ser anunciada nos próximos meses.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
O Mundial de piscina curta, no fim do ano, te deu motivação para seguir treinando?
Cesar Cielo: O Mundial foi muito legal, batemos o recorde de medalhas em mundiais (19). Saí de lá satisfeito, mas, sinceramente, isso não teve muita influência na minha decisão de continuar treinando. Neste ano, eu agendei alguns eventos, como essa competição no México. Aí acelerei um pouco o treino. Agora no meio de março vamos para o Peru, tenho uma demonstraçãozinha lá. Nestes eventos, eu não posso dar vexame, né. Continuei treinando para estes eventos e também para promover a minha clínica. Eu sabia que teria que estar envolvido com a piscina de algum jeito.
Ainda não é hora de aposentadoria, então?
CC: Neste primeiro momento eu queria dar uma descansada da rotina. São muitos anos fazendo isso. Mas eu não posso abandonar a piscina porque hoje muito da minha vida depende da minha forma física. Vai que daqui a seis meses dá uma vontade de voltar a treinar mais forte, né? Para deixar essa oportunidade em aberto, não vou decidir nada agora, até porque eu não preciso. Não ter responsabilidade com nenhum clube me dá essa liberdade. Estou com um rotina mais tranquila, fazendo o que me dá prazer: investindo na minha clínica, desenvolvendo os produtos da Fiore e treinando num ritmo menor.
Em comparação ao seu auge, como está o seu nível de treino?
CC: Treino umas cinco vezes por semana na piscina. Nado uma média de 2 mil metros por treino, sempre focado em velocidade e técnica. É parecido com o que eu fazia nos EUA, mas diferente do que se faz nos clubes aqui no Brasil, com treinos mais longos. Mas tem sido uma rotina bem mais tranquila. Tenho tentado fazer muito mais o que me agrada do que o que eu preciso fazer. Por não ter muito este objetivo estabelecido de competir no Maria Lenk agora, temos construído a temporada sem a paranoia de buscar um objetivo. Decidimos que, ali para agosto ou setembro, vamos ver se voltamos para uma rotina de treino mais pesada.
Competir na Olimpíada de Tóquio-2020 é um objetivo real?
CC: Olha, não é descartado. Mas também não vou falar que é um objetivo real. Não sei te responder isso agora. Eu não descartei, mas também não é uma coisa que eu me comprometi 100% a fazer. O que eu não quero é me colocar numa situação em que eu esteja completamente fora de forma lá para outubro porque aí a retomada dos treinos levaria muito tempo. Então, para eu não tirar essa possibilidade da minha vida, estou fazendo esses treinos agora. Mas, se eu for continuar nadando, de 2020 não passa, 2021 está fora de cogitação.
Você está evitando metas longas…
CC: Sim, estou evitando fazer com que a natação fique muito massacrante na minha cabeça, muito cansativa, que se torne chata para mim. Não quero relacionar a piscina com coisas negativas, de ficar de saco cheio, de não querer treinar, de fazer coisas que eu não quero fazer muitas vezes. Se bater a saudade de treinar mais forte ali por agosto, sei que posso subir essa montanha do treinamento, como já fiz várias vezes.
Tentou renovar com o Pinheiros ou foi uma opção sua não renovar?
CC: Foi uma situação que acabou não acontecendo. Meu contrato ia até dezembro mesmo. Quando eu assinei no início de 2017, eu não queria contrato mais longo porque não sabia o que iria acontecer. Não queria prometer nada.
Está à procura de outro clube?
CC: Na verdade, estou procurando outra instituição, não necessariamente um outro clube. Acho, sinceramente, que o sistema clubístico é o que mantém o que temos vivo hoje, mas não é bom para a natação, e nem para o esporte nacional. Não é culpa dos clubes, o problema é o sistema como é feito. É complicado porque o clube é feito para o associado. Jogar um centro de treinamento no meio de um clube sempre vai gerar muito conflito. Hoje é o cenário que temos e o que mantém a natação viva. Mas precisamos buscar uns formatos diferentes para ter a flexibilidade e a liberdade maior para horário de treinamento. Com o clube sempre vai ter que respeitar o horário da escolinha do clube, do associado. Faz parte do processo.
Tem alguma negociação?
CC: Estou conversando com várias pessoas no momento. Quero algo novo, se possível que tenha relação com o meu projeto social. Pode ser, quem sabe, o primeiro passo para fora deste sistema clubístico, para desafogar um pouco os clubes. Pode abrir um mercado novo, um formato novo de treinamento para os atletas.
Como seria esse novo vínculo?
CC: Não quero mais ser simplesmente um atleta que representa o clube. Estamos estudando formatos que é um pouquinho fora do que a gente tem hoje. Estou tentando me colocar numa posição em que eu tenho vários papeis dentro da equipe: desde nadador a mentor, ajudar na gestão. Com anos de experiência na piscina, passando por vários clubes, vejo coisas que dá para fazer muito melhor.
O que te incomodava nos clubes?
CC: Ser mais um ali no meio da massa é o que me fez cansar do sistema clubístico. Não quero ser mais um cara que marca ponto no Maria Lenk. Eu não estava fazendo diferença no sistema. E isso sempre moveu: eu sempre quero sentir que estou fazendo alguma coisa diferente e é isso que estou buscando agora. Olha, temos três campeonatos por ano, que duram cinco dias e são chatos. Ninguém acompanha a natação no Brasil porque não dá. Quem assiste à natação na terça-feira à tarde na TV? Ninguém. Quarta-feira à tarde? Ninguém! Vai assistir talvez no sábado e mesmo assim não assiste porque a etapa tem três horas de duração e é chata. Eu estava com a sensação de que estava fazendo parte de um negócio que eu estou vendo que está morrendo aos poucos. A natação, a cada ano, diminui, não só em atletas, mas também em clubes.
Você tem conseguido manter os seus patrocínios?
CC: Sim, tenho alguns. Mas hoje o cenário mudou, os atletas precisam aprender que hoje não existe mais patrocínio. Com a internet, o cenário de investimento de marketing e exposição de marca mudou completamente. A minha geração foi a última que teve um patrocínio fixo. De 2016 para cá, patrocinador é uma coisa que não existe mais. O que existe é uma pessoa que vai fazer uma troca com você de imagem, de exposição, usando rede social, usando a sua roupa. Acho que este é o caminho natural para a natação e para todos os esportes. Temos que começar a buscar meios diferentes de investimento, de jeito de conversar com as empresas, porque é o novo formado no mundo. Ninguém mais quer fazer um investimento de três anos num atleta. E, se tiver, são pouquíssimas empresas que podem fazer e fazem muito mais pela paixão ao esporte e vontade de incentivar o atleta do que pelo business. O que precisamos aprender a fazer é saber conduzir melhor as negociações com as empresas, saber utilizar melhor esta exposição de imagem. O mercado mudou, ficar reclamando não vai adiantar. Mas, ao mesmo tempo em que não há mais aquela tranquilidade de ter um patrocínio, a chance de ter muito mais coisa acontecendo ao redor do atleta agora é maior, pode haver mais oportunidades.
R7