Já imaginou transferir a sua cabeça para outro corpo? O cirurgião italiano Sergio Canavero não só acredita que isso é possível, como aposta que o transplante deve acontecer em 2017.
Claro que a proposta é polêmica e até irritou a comunidade médica mundial. Mas Canavero não está sozinho neste plano.
O cirurgião ortopedista Ren Xiaoping, da Universidade de Medicina de Harbin, na China, afirmou que está montando uma equipe e já iniciou a pesquisa para realizar o procedimento. Segundo o médico, assim que “estiver pronto” fará a cirurgia para transferir a cabeça de uma pessoa viva no corpo de um doador morto.
Ren, que participou do primeiro transplante de mão dos Estados Unidos, em 1999, diz que já conta com dezenas de candidatos voluntários ao transplante –que ainda não tem data exata ou local para acontecer.
O primeiro da fila é o russo Valery Spiridonov, 31, que sofre da síndrome de Werdnig-Hoffman, um tipo de atrofia muscular espinhal degenerativa que o impede de movimentar os membros. Spiridonov diz que a cirurgia é uma chance de prolongar sua vida e gerar pesquisas valiosas para pacientes com doenças semelhantes.
Mas como isso seria feito?
Os dois médicos visualizam o procedimento de maneira parecida: a cabeça e o corpo do doador serão resfriados (não se sabe quanto), para que as células permaneçam vivas mesmo sem oxigênio. Os tecidos ao redor do pescoço de ambos serão dissecados para que artérias e veias sejam interligadas por tubos e ligadas a uma máquina que manteria o fluxo de sangue.
Quando as medulas estiverem cortadas, os médicos vão colocar a cabeça do paciente no corpo do doador e unir com uma substância chamada polietilenoglicol (ou PEG, que faz as células que formam a medula espinhal crescerem). Um suporte feito por encomenda levaria a cabeça do paciente até o pescoço do corpo doado, com auxílio de tiras de velcro.
O paciente seria mantido em coma durante semanas, para evitar que se movesse até a correta ligação das partes. Enquanto isso, eletrodos estimulariam a medula espinhal para reforçar novas ligações nervosas. Canavero afirma que o paciente, após sair do coma, seria capaz de falar e mover o rosto, mas para mover o corpo seria preciso um ano de fisioterapia.
O procedimento, que custará em torno de US$ 10 milhões, deve levar 36 horas e precisa de uma equipe médica de mais de 150 pessoas.
Os médicos dizem que já fizeram testes em ratos, porcos, macacos e cadáveres humanos. As operações que Ren fez em centenas de ratos resultaram em animais que respiravam e piscavam, mas que morreram após algumas horas. Já Canavero diz que fez um transplante de cabeça para macaco, mas ninguém sabe quanto tempo o animal ficou vivo.
Dor insuportável
Batizada de Heaven (Head Anastomosis Venture, algo como Anastomose Craniana de Risco), a ideia deixou médicos de vários países temerosos. Para eles, esse tipo de transplante, por enquanto, é impossível, e o resultado, mesmo em animais, seria uma criatura enlouquecida de dor.
O professor de neurologia da Faculdade de Medicina Geisel, no Dartmouth College, James L. Bernat, disse em entrevista ao “The New York Times” que o procedimento é prematuro ou completamente irresponsável.
O maior entrave é que ninguém sabe como reconectar nervos espinhais e fazê-los funcionar novamente. Se isso fosse possível, pessoas paralisadas devido a acidentes poderiam voltar a andar novamente.
“É uma fantasia pensar que alguém poderia usar substâncias adesivas em uma lesão tão traumática em um mamífero adulto. Decepar uma cabeça e transplantá-la para outro corpo é, na minha opinião, por si só total fantasia… Isso é má ciência e nunca deveria ser permitida”, disse o neurologista americano Jerry Silver, da Case Western Reserve University, de Ohio (EUA).
O médico Huang Jiefu, ex-vice-ministro da Saúde na China, afirmou em entrevista que uma vez que a espinha é cortada os neurônios “não podem ser reconectados, o que torna o procedimento cientificamente impossível”.
Sobre a permissão para a realização do procedimento, que não seria liberado nos EUA devido a leis locais, a Comissão de Saúde da China afirmou que os cirurgiões precisam seguir as responsabilidades éticas descritas pela regulamentação nacional do transplante de órgãos humanos.
Ainda há uma outra questão envolvendo o transplante: se o paciente morre, os médicos podem ser acusados de homicídio. Caso todo esse plano dê certo, ainda existe a grande possibilidade de que a cabeça rejeite o corpo, ou vice-versa.
Canavero disse, em entrevistas, que sabe que a proposta gera muita polêmica e que entraves éticos podem ser uma grande barreira. Em artigo na revista “New Scientist”, ele explica como seria a cirurgia e afirma que os transplantes de corpo inteiro seriam usados para prolongar a vida de pessoas afetadas por doenças terminais.
“Se a sociedade não quiser isso, eu não vou fazer. Mas se as pessoas não quiserem nos Estados Unidos ou na Europa, não significa que não será feito em outro lugar. Estou tentando fazer da forma correta. Antes de você ir à lua, tem que ter certeza que as pessoas o seguirão”, disse Canavero à NewScience.
Especialistas temem que, no entanto, que, se técnica funcionar, ela será usada para fins estéticos.
Já tentaram antes
Cientistas já tentaram realizar transplantes de cabeça ou de corpo inteiro.
Em 1970, uma equipe da Universidade Case Western Reserve, em Cleveland (EUA), tentou transplantar a cabeça de um macaco para o corpo de outro animal da mesma espécie. Na época, não existia a tecnologia necessária para reconectar a medula espinhal à cabeça e o animal ficou paralisado e morreu após oito dias.
O cientista C-Yoon Kim, da Escola de Medicina da Universidade Konkuk, na Coreia do Sul, publicou os resultados de uma pesquisa com camundongos cujas medulas espinhais e rabos foram cortados e reconectados. Os animais teriam sido capazes de respirar e beber após a cirurgia que durou cerca de 10 horas, mas sobreviveram apenas por alguns minutos.
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