Há 30 anos, Claudia Abreu vive de contar histórias, seja na pele de uma princesa, uma revolucionária, uma cantora tecnobrega ou de um fantasma. Mas com “Valentins”, história criada por ela que estreia como série infantil no Gloob no primeiro semestre de 2017, a atriz e produtora encontrou outro caminho de dar vida a seus personagens. Voltada para um público que ela conhece bem, depois de encantar plateias mirins com “Pluft, o Fantasminha” no teatro, ela assina os roteiros da atração junto com Flávia Lins e Silva (“Detetives do Prédio Azul”).
Se existe alguma semelhança entre sua personagem e Alice, ela se resume ao fato de as duas serem mães de quatro crianças. Quem garante é Claudia, que diz não ter se inspirado nos rebentos – Maria, 15, Felipa, 9, José Joaquim, 6, e Pedro Henrique, 5 – para criar a família da ficção, mas que ela funciona como uma homenagem.
“Fiz questão de ser bem diferente. Quis que a série marcasse a infância deles como uma homenagem, um presente carinhoso. Por isso são quatro crianças, nada além disso. A família não tem nada a ver com a nossa, e os quatro filhos são diferentes em personalidade”, afirma Claudia, que recebeu o UOL nos intervalos das gravações que se encerraram esta semana, no Polo Rio Cine Vídeo, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio.
Procurando bem, Alice tem outra semelhança com sua criadora: é uma mãe alegre. “Gosto de ser uma mãe divertida, de fazer umas maluquices com meus filhos, cantar alto no carro, fazer umas palhaçadas. Tento ser uma pessoa alegre na vida, e nesse ponto a gente tem a ver”, diz ela, que garante “tentar ser durona” quando necessário. “Eu tenho mais regras, a Alice é mais anárquica”, analisa.
“Eles vêm para cá assistir à gravação. A gente tem que ser de circo: rodar pratinho e fazer malabarismo com a outra mão (risos). Acumulou tudo para esse ano, mas é uma situação tão inusitada de realização que você descansa menos, mas está satisfeita. Estou com bastante energia. Daqui a um mês, vai acalmar”, diz ela, cuja personagem aparece na estreia e no desfecho da história.
Sócia da produtora Zola e determinada a investir em projetos próprios, Claudia decidiu investir num campo que ainda considera pouco explorado no Brasil: a produção audiovisual infantil. E a estreia como roteirista foi surpreendente, segundo ela.
“Agradeço muito à Flávia, que foi muito generosa. A gente criou juntas e dividiu meio a meio. Ela foi muito incentivadora. Talvez, se eu tivesse escrito com uma pessoa que ficasse apontando alguma coisa que não fosse legal, me deixaria mais insegura. Mas ela fez o oposto, só falava coisa boa e foi me fazendo acreditar que eu podia ir em frente”, lembra ela, que em casa, tenta driblar a curiosidade dos filhos sobre os rumos da trama.
“Eles sempre pedem para contar na hora de dormir, eles já conhecem de trás para frente. Agora querem saber a segunda. Mas são crianças, né? Vai que soltam na escola. Digo que eles não vão saber”, brinca.
Medos da infância
A trama começa com o sumiço do químico e inventor Artur (Guilherme Weber) e de sua mulher, a alquimista e confeiteira Alice, transformados em ratos pelo vilão Randolfo (Luis Lobianco). Com o desaparecimento dos pais, os irmãos Betina (Rebecca Solter), João (Arthur Codeceira), Lila (Duda Wendling) e Theo (Otávio Martins) precisam aprender a se proteger e a defender a própria casa sozinhos.
“Observei na convivência com as crianças que o medo é uma coisa que permeia a infância de maneira onipresente. É uma sensação de atração e repulsa. O medo maior, que é perder os pais, é o maior arco da história. E foi muito divertido começar a buscar os medos da minha própria infância: a loira do banheiro, a boneca assustadora, cobra…”, conta.
Situada em uma década passada, que não é identificada pelo texto, mas remete aos anos 60 e 70 pelas roupas e penteados, a série mostra tecnologias avançadas para o seu tempo – criações de Artur -, sem estourar demais o orçamento, explica Claudia. “E foi bom ter feito de época por conta dessa coisa analógica, mecânica. Hoje em dia tem uma facilidade tão grande de o fantástico ser muito bem feito pelo computador. Você vê ‘Harry Potter’ ou os filmes do Tim Burton… Como competir? (risos) Não dá! O ideal é você ir para o simples”, justifica ela, cujas lembranças da TV na infância incluem “O Sítio do Picapau Amarelo” e “Os Trapalhões”.
A relação da atriz com o público infantil começou a se fortalecer em 2003, quando encenou “Pluft, O Fantasminha” pela primeira vez, no Tablado, onde se formou. Queria mostrar à primogênita um pouco de seu trabalho. Repetiu a dose cerca de dez anos depois, para agradar os mais novos. E sentiu vontade de ir além.
“Esse contato me emocionou muito, foi muito especial. Criança fala alto, dizem se estão gostando ou não, e você tem que estar atenta para não se desconcentrar, ter um ataque de riso. O encantamento que elas tinham de ver o Pluft e o carinho delas foram muito marcantes. Fiquei com esse sentimento de querer fazer mais coisas para crianças. A gente passa muito tempo na vida desejando, e nem tudo você consegue realizar. Ter conseguido isso é uma alegria incomensurável”, afirma ela, que pretende produzir ainda a animação “Mico Maneco”, baseada na obra da escritora Ana Maria Machado.
Atualmente no ar no horário nobre e no “Vale a Pena Ver de Novo” como a exuberante e espalhafatosa Chayene em “Cheias de Charme”, Claudia comemora a oportunidade de poder mostrar personagens tão distintos para o público. “Quis que a Helô mantivesse a essência, os valores da juventude, mesmo tendo ficado rica. Fui muito para esse despojamento. Foi muito feliz essa coincidência, que possibilita a coisa mais bacana que eu poderia querer como atriz, que me achassem versátil. É uma sorte”, declara.
O que ela chama de sorte, outros poderiam muito bem resumir como talento, demonstrado em tantos trabalhos marcantes, como “Que Rei Sou Eu?”, “Barriga de Aluguel”, “Anos Rebeldes” e “Celebridade”. Os 30 anos de carreira passaram rápido, ela diz.
“Acho que a noção de tempo para mim é diferente da que os outros têm em relação a mim. Tenho o melhor que a experiência desses anos pode me trazer, mas não a carranca, o peso ou qualquer saudosismo. Está tão leve que parece que nem passou tanto tempo assim”, diz.
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