No incipiente mercado da maconha medicinal na América Latina, um país começa a se destacar: a Colômbia.
Com regulamentação voltada para atrair investidores estrangeiros, mão de obra barata e especializada e clima favorável para o cultivo, os colombianos tentam ser um polo produtor em meio ao estigma do narcotráfico, à barreira de bancos estrangeiros e a problemas com logística.
O país já vinha sendo um precursor na discussão do tema. A produção e a venda da Cannabis para fins terapêuticos na Colômbia foi permitida por lei em 1986. A regulamentação, no entanto, só veio em 2015, durante o governo do presidente Juan Manuel Santos Calderón. Lá, o mercado canábico medicinal permite tanto a posse quanto o cultivo, o processamento, a venda, a importação e a exportação.
“Estamos no processo final de produção, e só conseguimos exportar agora. Nós estamos em busca de uma tecnologia ideal para extrair os componentes da planta”, afirma Henning Von Koss, diretor da PharmaCielo, empresa canadense que abriu uma filial em Rio Negro, região próxima da Medellín, para produzir derivados da maconha, como óleos e extratos.
O governo é o responsável por emitir licenças para que empresas operem e exige que 10% da produção total deve ser proveniente de pequenos ou médios produtores locais. O governo também fornece suporte técnico, como treinamento para produtores com até meio hectare. Além disso, fornece suprimentos como fertilizantes para aumentar o rendimento das plantações.
Não há exigências de residência ou cidadania para proprietários ou investidores no setor, o que torna um lugar atrativo para estrangeiros. Mas a lei estabelece que, se está no país, deve ter filiais locais ou que formem entidades independentes.
Os principais produtos que seguem para exportação são óleo de Cannabis, matérias-primas e extratos à base de cânhamo –espécie de Cannabis com baixo teor de THC (substância psicoativa da maconha). A Colômbia não aprimorou a lei de exportação de Cannabis e ainda é difícil para empresas comprarem óleos e extratos do país.
“Faltam história, conhecimento de mercado, dados e estatísticas. Ainda há falta de estrutura, de controle e garantia de quem é responsável pelo quê”, afirma Von Koss sobre a regulamentação do governo sobre a exportações das matérias-primas e óleos à base de maconha.
Caio Santos Abreu, presidente da startup brasileira Entourage Phytolab, que desenvolve produtos à base da planta, diz que importa matéria-prima da Holanda, da Colômbia e do Uruguai.
“Os holandeses, que têm uma estrutura de exportação mais estabelecida, são mais rápidos. Em dois meses conseguimos estar com produto liberado no Brasil”, diz.
“Já com os colombianos levamos de três a quatro meses, mas a tendência é que esses prazos sejam reduzidos.”
Antes de importar dos colombianos, Abreu conta que fizeram vistorias, pesquisaram sobre os sócios e como a empresa operava. “Não é segredo o estigma, é uma realidade histórica. E isso não significa que o dinheiro veio do lugar errado. Estamos muito felizes em trabalhar com eles.”
Para Von Koss, o histórico colombiano não é um grande problema e existem distinções entre áreas de narcotráfico e de produção de maconha medicinal.
Um dos polos fica em Cauca, localizado ao sul do país, perto de Cali. “Quanto mais montanhosa a região e quanto mais floresta, mais o narcotráfico age. Quanto menos densa a área de vegetação, menos há narcotráfico”, diz.
Além da regulamentação incipiente para exportação, outro fator que dificulta o crescimento do mercado da Cannabis medicinal é a relação conflituosa com bancos e empresas de logística, que temem ser acusados de lavagem de dinheiro se gerirem contas ligadas à indústria.
No Uruguai, que começou a sofrer embargos de bancos como o Santander em 2013, as transações são feitas principalmente em dinheiro.
“É difícil achar bancos que te ajudem e gente que aceite colocar o produto em seus aviões, porque todos eles são dependentes de alguma maneira de um triângulo que passa pelos Estados Unidos. Se a lei americana não mudar, será complicado”, diz Von Koss. “É claro que existem bancos que aceitam, mas são poucos.”
Segundo relatório regional sobre Cannabis na América Latina produzido pela NewFrontier Data, a estimativa média de mercado total disponível é de US$ 9,75 bilhões —incluindo mercados legais, regulamentados, não regulamentados e ilícitos.
De acordo com as projeções do relatório, o Brasil tem o maior potencial na região e pode movimentar US$ 2,4 bilhões. Atrás vem o México (US$ 1,9 bilhão), enquanto a Colômbia fica em quinto lugar, com US$ 700 milhões.
Com a aprovação da regulamentação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), no início de dezembro, Caio Santos Abreu, da Entourage Phytolab, estima que a previsão para que os produtos cheguem às farmácias seja no segundo semestre do ano que vem. Antes, a estimativa era para 2021.
Para Jaime Ozi, advogado e sócio-diretor Drive Consultoria, um ponto importante que Anvisa fez foi criar uma nova categoria de produto.
“Isso abre possibilidades de as empresas em até três anos, quando a Anvisa revir as regras, desenvolverem estudos clínicos que comprovem aquelas indicações que elas estão buscando”, diz.
Na regulamentação aprovada pela agência, novas regras para registro de produtos à base de Cannabis para fins medicinais no país foram estabelecidas, mas ficou vetado o cultivo por empresas.
“Acho que o cultivo no Brasil é muito importante. Não tem sentido um país agrícola como o Brasil não participar de um projeto que também é agronegócio”, diz Ozi.
Para o advogado, o cultivo de cânhamo não apresenta riscos para a população e seria uma fonte que potencializaria pesquisas e colocaria o Brasil na rota da maconha medicinal.
Quando lhe foi perguntado se acha que Brasil tem potencial para disputar a liderança da América Latina, Von Koss respondeu que ainda falta muita regulamentação para que sejamos um grande exportador mundial.
“Nós temos que ver que posição o Brasil quer assumir: ser um exportador mundial de Cannabis ou focar o mercado interno.”
Bahia Notícias