Na semana em que o Brasil deve chegar a 300 mil mortos por covid-19, São Paulo completa um ano em quarentena com 68.623 óbitos pela doença – ou aproximadamente oito a cada hora. O decreto de João Doria (PSDB) ocorreu em 24 de março de 2020, pouco menos de um mês após a confirmação do primeiro caso do novo coronavírus no país, de um brasileiro que voltava à capital paulista após viagem a Itália.
Foi também em solo paulista que começou a imunização contra a doença no Brasil: a enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, que atua na linha de frente de combate ao novo coronavírus, recebeu a primeira dose da CoronaVac em 17 de janeiro, quase 11 meses após o primeiro caso confirmado no país.
Atualmente, assim como no início da pandemia, o estado mais populoso do país continua sendo o local com maior número de mortes por covid-19 e casos confirmados (2,3 milhões), mas também aquele que mais imunizou sua população: 3.665.216 pessoas foram vacinadas.
Após um sinal de controle diante da pandemia entre outubro e dezembro, São Paulo voltou a observar o avanço ainda mais potente do vírus e, um ano depois do decreto de calamidade pública, e se encontra no estágio mais crítico desde março de 2020.
Além do recorde de mortes por covid-19 em um dia (1.029), registrado nesta terça-feira (23), o Estado também alcançou o número mais alto de internações da pandemia (29.039) na última segunda (22) e, no momento, há ocupação de 91,9% dos leitos de UTI paulistas e de 91,6% da Grande São Paulo.
O contexto de crise colocou o Estado em fase emergencial do Plano SP, que começou em 15 de março e com prazo inicial de duas semanas de duração.
Médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Gonzalo Vecina Neto avalia que a falta de compreensão das pessoas e as consequentes aglomerações, bem como o dilema dos transportes públicos, contribuíram em peso para a crise vivida em São Paulo.
“No primeiro semestre, a surpresa da população foi grande. A quarentena funcionou de forma adequada e conseguimos derrubar o número de casos por um bom tempo. Depois, o pessoal relaxou, e começamos a ter um aumento, que ficou evidente no segundo semestre e no final de ano, quando tivemos uma enxurrada de casos e o pessoal relaxou geral”, relembra o fundador e ex-diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária),
Para além da vasta população – a maior do Brasil – concentrada em centros urbanos, o professor relembra as aglomerações nas festas, bares e praias por São Paulo, e aponta uma crítica à gestão de João Doria (PSDB).
Para Vecina, o governo estadual demorou a entrar na atual fase emergencial do Plano São Paulo, com início em 15 de março. Isto porque após as festas de fim de ano e o feriado de carnaval, já se esperava o aumento significativo nos casos, mortes e internações em todo o Estado.
“O governador demorou. E muitos prefeitos resistiram – alguns até agora – em aceitar que não tem outro jeito. É necessária a interrupção das atividades econômicas, e isso vai gerar desemprego se os governos não ajudarem os empregadores e não houver distribuição do auxílio aos mais pobres”, diz.
A respeito do transporte público, Vecina lamenta a impossibilidade de uma solução eficaz que aumentasse o isolamento e impedisse a alta concentração de pessoas nos mesmos espaços.
“A questão mais complicada de todas. Há medidas possíveis nos ônibus, como impedir pessoas de pé, mas não nos trens e metrôs. Pode aumentar a frota, mas o sistema de transporte da Grande São Paulo está saturado. Não conseguem diminuir efetivamente o número de pessoas no trem”, afirma.
As únicas alternativas, segundo o sanitarista, seriam de fato aumentar as restrições ao funcionamento e atividades econômicas maior ainda, diminuindo a quantidade de pessoas no transporte, e o escalonamento de horários para cada setor da economia.
As aglomerações da população também são citadas por Marcelo Burattini, professor e infectologista da Universidade Federal de São Paulo. “A situação que vivemos hoje é decorrência do natal pra cá, em que o Brasil foi uma festa como se nada estivesse acontecendo”, diz.
Um estudo recente da Prefeitura de São Paulo corrobora com o apontamento dos especialistas: a população que saiu de casa também para atividades não essenciais foi a mais infectada, por diferença significativa.
Burattini também afirma que faltou uma campanha massiva das administrações municipais, estadual e federal de divulgação e informações para a população. “Aumentar as restrições não é o suficiente, se não informar as pessoas de maneira adequada e abrangendo a todos.”
R7