Em viagem com a família partindo de São Paulo a Botucatu, o Honda Fit do jornalista Luiz Carlos Amando de Barros quase parou no meio da rodovia Castello Branco, faltando cerca de metade dos 240 quilômetros entre as duas cidades. Do nada, o ponteiro do marcador de combustível despencou e, por sorte, ele conseguiu achar um posto de combustível de antes do que achou ser uma situação de “pane seca”.
Barros conta que o susto aconteceu apesar de ter enchido o tanque do veículo antes de pegar a estrada. “Na pressa, completei o nível da gasolina em um posto perto do acesso à Marginal Pinheiros, onde nunca tinha abastecido antes. Como tinha bandeira, pensei que não haveria problema”, afirma. “Normalmente, um tanque cheio dá para ir e voltar tranquilamente”, aponta.
Abastecer não resolveu: durante o trajeto, o motor do carro começou a falhar.
Esse segundo problema, somado ao consumo excessivo, são sintomas típicos do uso de combustível adulterado, um problema bastante frequente e que pode causar danos sérios ao automóvel, além de grande prejuízo ao consumidor.
A adulteração do combustível é ilegal, mas bastante comum: de janeiro a novembro, a ANP (Agência Nacional do Petróleo) já fez 577 autos de infração por má qualidade no Brasil, com 124 interdições. Em 2015, foram gerados 355 autos de infração — a alta de um ano a outro (ainda incompleto) já é de 62%. O Estado de São Paulo tem o maior número de ocorrências: 101 autos, com 59 interdições.
O caso de Barros ficou só no susto: por sorte, ao reabastecer com combustível de qualidade, o carro voltou a funcionar como deveria. Desde então, ele nunca mais abasteceu em posto suspeito, para não passar outra vez pelo mesmo perrengue.
Feita por meio da adição de produtos fora das especificações estabelecidas pela ANP (Agência Nacional do Petróleo), a fraude tem o objetivo de aumentar o volume original e elevar as margens de lucro dos revendedores.
Quem paga a conta é sempre o dono do carro: além de levar “gato por lebre”, usar combustível “batizado” pode render prejuízo considerável na hora de pagar a conta do mecânico com os reparos de danos causados ao veículo.
“A adulteração por adição de solventes à gasolina e ao diesel, por exemplo, é bastante comum e pode ser considerada a mais danosa ao motor e ao carro, pois determinados solventes atacam os materiais com os quais entram em contato, como injetores e bombas de combustível, e provocam depósitos nas válvulas”, alerta o engenheiro Henrique Pereira, membro da Comissão Técnica de Motores da SAE Brasil (Sociedade de Engenheiros da Mobilidade).
“Já no etanol existe a venda fora das especificações da ANP, que causa a formação de gomas internas no motor”, avisa Pereira. No caso do álcool combustível, fraudadores geralmente usam mistura com álcool anidro, que só poderia ser misturado à gasolina.
Outra tática adotada por donos desonestos de postos é burlar a aferição volumétrica do combustível adquirido, por meio de um dispositivo eletrônico escondido na bomba: ela informa um volume maior menor que o que está entrando de fato no tanque. O dono do posto pode ainda desligar o dispositivo a qualquer hora, justamente na tentativa de enganar os fiscais.
No caso da volumetria, mais uma dificuldade: a fiscalização cabe ao Ipem (Instituto de Pesos e Medidas), órgão com gestão a cargo de cada Estado.
Para fugir do problema, UOL Carros buscou dicas básicas junto aos especialistas da ANP, da SAE Brasil, da Raízen e do Procon-SP.
Vamos ao básico: abasteça sempre em posto conhecido, instalado há bastante tempo no mesmo endereço, que tenha bandeira (a marca do posto/distribuidora) conhecida, e tenha público constante. E sempre peça nota fiscal para cada abastecimento: é com ela que você cobrará seus direitos em caso de problemas.
Lembre-se: não existe facilidade, nem “almoço grátis”. Se o preço da gasolina, etanol ou diesel for barato demais — ou o preço de variações aditivadas for o mesmo do combustível normal — desconfie e não abasteça.
1. Quais são os sinais de que o veículo foi abastecido com combustível adulterado?
Trancos, falhas em marcha lenta, dificuldade de partida do motor a frio e a quente, alto consumo de combustível. Todos são indicativos importantes de combustível ruim no tanque.
2. Quais são as principais fraudes/adulterações?
+ Etanol: a adulteração mais comum é o chamado “álcool molhado”. O fraudador mistura etanol anidro ao etanol hidratado (o etanol combustível). Somente a gasolina pode receber adição de etanol anidro (de cor alaranjada) à proporção de 27% prevista na lei. Também há casos de mistura de metanol ao etanol hidratado, flagrada, inclusive, em fiscalizações de rotina. Além de ser altamente tóxico, o metanol é bastante corrosivo e sua chama é invisível, dificultando o controle de incêndios.
+ Gasolina: o mais comum é o excesso de etanol anidro, acima da porcentagem máxima permitida por lei, de 27%. Também há a mistura solventes.
+ Diesel: a principal irregularidade é vender um diesel mais sujo e com impurezas. A quantidade de enxofre no óleo combustível varia do S-500 (500 partes de enxofre por milhão) ao S-10 (10 partes por milhão).
+ Todos os combustíveis líquidos: é frequente a chamada “bomba baixa”, quando a quantidade de combustível colocada no tanque do carro é menor do que a registrada na bomba.
3. Fique ligado
É complicado sacar na hora se o combustível é irregular, mas você pode adotar algumas práticas para se proteger:
+ Peça nota fiscal sempre. Ela é o documento que comprova a sua compra e o posto é obrigado a fornecê-la.
+ Desconfie sempre de promoções ou de preços iguais para variantes aditivadas. O posto é obrigado a exibir os preços dos combustíveis em paineis logo na entrada. O preço exibido no painel deve ser igual ao cobrado na bomba.
+ Quando a gasolina, o etanol ou o diesel forem aditivados, o posto deve expor claramente esta informação na bomba de combustível.
+ Fique de olho na empresa que fornece o combustível. Postos de bandeira branca (sem distribuidora exclusiva) devem informar em cada bomba qual distribuidora forneceu o combustível. Número de CNPJ, razão social e endereço do posto também devem estar visíveis, nas bombas. Estas informações podem ajudar a localizar autores de irregularidades.
+ Peça o teste de combustível sempre que quiser: os postos são obrigados a fazê-lo e devem manter os equipamentos de medição e certificação em dia.
4. Quais são esses testes?
+ Proveta: mede a porcentagem de etanol anidro misturado à gasolina. O percentual deve ser de 27%.
+ Volume: sempre que for solicitado, o posto tem de realizar o teste na frente do consumidor, usando a medida padrão de 20 litros aferida e lacrada pelo Inmetro. Se o visor da bomba registrar quantidade diferente da que foi adicionada ao recipiente de teste, reclame e denuncie. A diferença máxima permitida é de 100 ml para mais ou para menos.
+ Teor alcoólico do etanol: o produto deve ter entre 92,5% e 95,4% (etanol premium deve ter entre 95,5% e 97,7%). O equipamento é o termodensímetro, que deve estar fixado nas bombas de etanol. Observe o nível indicado pela linha vermelha: precisa estar no centro do densímetro, não pode estar acima da linha do etanol. Observe também se o etanol está límpido, isento de impurezas e sem coloração alaranjada.
5. Fui lesado, o que faço?
+ Denuncie posto e distribuidora que vende combustível adulterado: encaminhe denúncias ao Centro de Relações com o Consumidor da ANP pelo telefone 0800-970-0267 ou pela página na internet do Fale Conosco da agência. Se tiver prejuízos, recorra ao Procon.
+ Postos que vendem de combustível adulterado são interditados pela ANP de forma preventiva. Também são autuados e respondem a um processo administrativo, durante o qual podem apresentar sua defesa. Após o julgamento definitivo do processo, caso seja confirmada a adulteração deliberada, o estabelecimento é enquadrado em ato infracional da Lei nº 9.847/99. Dentre as sanções, há multa de R$ 20 mil a R$ 5 milhões.
uol