Jordan Baker começou a trabalhar na empresa de tecnologia para logística 21st Century Transport aos 12 anos, varrendo o chão e atendendo telefonemas.
Ele sempre quis fazer parte do negócio da família — e seu destino era assumir as operações quando o pai, Tony, se aposentasse.
Em 2008, contudo, ele decidiu deixar a companhia, aos 20 anos.
“É difícil quando seu pai não é apenas seu pai, mas também seu chefe”, diz.
“Eventuais decepções que ele tenha com você no âmbito pessoal podem ter repercussões no campo profissional e vice-versa. Pode virar uma dinâmica bem desconfortável.”
Família pode ser algo complicado — trabalhar com os parentes então, mais ainda.
Não é difícil encontrar trajetórias bem-sucedidas de empresas familiares, com transições suaves entre as gerações e expansões que mantêm preservados os ideais dos fundadores. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Hoshi Ryokan, tradicional hotel japonês que está sob o comando da mesma família há 46 gerações.
A gigante do varejo Walmart pode ter seus problemas, mas metade do negócio ainda pertence aos descendentes do fundador, Sam Walton, e os atritos entre os parentes, se existem, raramente ganham as manchetes.
Há, entretanto, uma grande variedade de exemplos no sentido oposto, envolvendo inclusive grandes empresas — do racha que deu origem a duas das maiores marcas de moda esportivas, Puma e Adidas, aos problemas de sucessão envolvendo a Samsung e à batalha legal que colocou a bilionária australiana da mineração Gina Rinehart contra seus familiares.
A decisão do príncipe Harry e de sua mulher, Meghan Markle, de se afastarem das obrigações da família real britânica, ainda que tenha suas particularidades, também significa, de certa forma, deixar o “negócio da família” para tentar seguir seu próprio caminho.
Histórias como essas não são difíceis de encontrar, já que as empresas familiares respondem por cerca de dois terços do total de companhias em atividade no mundo.
O que motiva as pessoas a tomarem decisões como essas, e qual a melhor maneira de se desligar?
‘Tensões e rivalidade’
Trabalhar com alguém que se conhece bem pode ser uma vantagem, pondera Jennifer Pendergast, professora de inovação e empreendedorismo da Universidade Northwestern, em Chicago. Mas também abre uma janela para situações únicas de estresse.
“Em uma discussão, parte dos familiares na sala pode decidir tomar partido”, ela exemplifica. “Imagine ir para casa e dar de cara com seu chefe na mesa de jantar.”
A convivência com parentes no ambiente de trabalho pode significar, ao mesmo tempo, níveis muito mais altos de confiança e compromisso, como destacou a consultoria PricewaterhouseCoopers em 2014 em uma pesquisa sobre negócios familiares.
Só que também tem potencial para “desencadear tensões, ressentimentos e ser um incentivo a conflitos, à medida que os envolvidos tentam separar ‘cabeça’ e ‘coração’ e manter o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional”.
Em uma pesquisa recente, a consultoria KPMG verificou que, na Austrália, onde 70% dos negócios são familiares, as fontes mais recorrentes de conflitos são a maneira dos gestores de se comunicarem, visão de futuro e estratégia, e o equilíbrio entre as necessidades da família e as da empresa.
A percepção das dificuldades variava de acordo com as gerações: 21,8% dos futuros líderes afirmaram que o estilo de comunicação era a principal razão dos atritos, contra 13,3% entre os líderes naquele momento.
Conflitos intergeracionais podem ter ainda outros impactos, como a perpetuação de estereótipos familiares. “É difícil esquecer quem você era quando criança e é difícil superar erros que as pessoas não esquecerão… irmãos serão sempre comparados uns aos outros”, afirma Pendergast.
Jeremy Waud trabalhou por 20 anos na empresa fundada pelo bisavô Frederick Goodliffe, o grupo OCS, antes de fundar uma empresa rival.
“Estava farto. Eu era o diretor-geral da divisão de gerenciamento de instalações quando foi anunciado que a área passaria por uma reestruturação. Não parecia que o campo do qual eu era responsável se enquadrava na visão de futuro da companhia, então decidi que era hora de ir embora”, ele diz.
O grande número de parentes envolvidos no negócio fazia com que sempre houvesse algum tipo de tensão, mesmo nos períodos de aparente calmaria.
“Em determinado momento, havia 15 pessoas da família trabalhando na empresa. Tios, primos, irmãos… Sempre há algum tipo rivalidade entre diferentes grupos, além das questões políticas envolvendo a participação acionária de cada um na companhia e o exercício do poder”, acrescenta Waud, que hoje tem 58 anos.
Quando ele pediu demissão, no ano 2000, para criar a empresa de gerenciamento de instalações Incentive FM, parentes insatisfeitos, preocupados com a possibilidade de ele levar clientes da antiga companhia, o levaram à Justiça.
“Familiares podem levar para o lado pessoal o fato de alguém deixar a empresa, podem interpretar a saída como um julgamento de valor em relação ao negócio da família”, afirma Pendergast.
Apesar da experiência prévia, a evolução da Waud nesse novo ciclo foi lenta, já que ele teve que partir do zero.
“Pensei que começar de novo seria fácil, mas então percebi que os credores não estão tão dispostos a emprestar às empresas que praticamente não têm patrimônio. Tomamos um empréstimo pequeno do banco e demos início ao negócio em 2002.”
O valor da transparência
Mauro Bruni precisou de anos para conseguir se desligar da empresa da família.
O plano sempre tinha sido que ele assumiria a Bruni & Campisi, que faz instalação e manutenção de sistemas de aquecimento e presta serviços de encanamento em Bedford, Nova York.
Ele trabalhou na área de marketing e design gráfico da companhia por 12 anos — mas tinha outra paixão, a patinação no gelo. Por muitos anos conciliou as duas atividades, chegando a trabalhar remotamente quando se apresentava em outros países com o espetáculo Holiday on Ice.
Bruni cortou o cordão umbilical em 2019, depois de abrir uma empresa de eventos e patinação no gelo, a House of Mauro.
“Meu pai sempre soube que minha paixão era a patinação. Ele me deu apoio quando pedi demissão e me ajudou a montar minha empresa”, diz o empresário de 35 anos.
Felizmente, o irmão aceitou assumir as funções deixadas pelo jovem na empresa da família. “Ele já vinha ganhando novas responsabilidades nos últimos anos, a ponto de já estar preparado inclusive para assumir o lugar do nosso pai”, afirma Bruni.
Muitas famílias, entretanto, não têm um planejamento sucessório e ficam perdidas com a saída repentina de um dos membros da família, pondera Kate Cooper, chefe de pesquisa do Institute of Leadership & Management, organização sem fins lucrativos que oferece treinamento na área de liderança.
“As empresas precisam estar com o gerenciamento de risco em dia, precisam se planejar para o inesperado”, ressalta.
Questões legais podem ser outro problema dentro das empresas familiares. Karen Holden, presidente do escritório de advocacia A City, com sede em Londres, afirma que formalidades imprescindíveis podem ficar em segundo plano nessas companhias porque parte das relações se baseia na confiança.
“Poucas pessoas pensam na parte legal quando todo mundo está feliz; muita coisa é na base do aperto de mão. E então as coisas dão errado e não existe qualquer documento com valor legal que prove o que foi acordado anteriormente.”
Para Jennifer Pendergast, a negociação é o melhor caminho para uma saída sem desgaste.
“O melhor jeito de sair é sendo transparente sobre suas razões — mas isso precisa ser feito de forma cuidadosa e profissional.”
Também é recomendável agradecer pela oportunidade de ser parte do negócio da família, ela acrescenta.
“Em qualquer situação, é bom sair sem fechar portas. Em uma empresa familiar isso é ainda mais importante, porque você provavelmente vai conviver com aquelas pessoas pelo resto da vida.”
Idas e vindas
A maioria das decisões, apesar de difícil, não é irrevogável.
Um exemplo recente nesse sentido deu-se entre os Murdoch, uma das famílias mais ricas do mundo. O filho de Rupert Murdoch, Lachlan, deixou o negócio da família em 2006. Mas o que era para ser definitivo não durou mais que uma década. Em 2014, ele voltou para o conglomerado de mídia.
Jeremy Waud, entretanto, diz não se arrepender da decisão. “O sacrifício valeu a pena e os ressentimentos ficaram para trás”, diz.
Já Jordan Baker diz que o pai ficou inicialmente decepcionado com a notícia de que ele deixaria a empresa, mas eventualmente superou o episódio e passou a apoiar sua decisão.
Ele hoje tem a própria agência de marketing em Londres e valoriza a independência conquistada nos últimos anos.
R7