Uma das categorias afetadas pelo isolamento provocado pela pandemia do coronavírus é a das cooperativas de catadores de material reciclável, que foram obrigadas a fechar as portas por tempo indeterminado. No elo mais frágil da corda, estão os profissionais que dependem dessa atividade para sustentar as famílias.
É o caso de Jandaíra Santos, que mora com as duas filhas, uma de 16 e outra de 18. Elas ainda não trabalham e dependem exclusivamente do dinheiro que a mãe arrecada com as coletas.
“Já tem duas semanas que estamos sem poder sair para trabalhar. Nesse momento difícil, a gente não tem como ir nos condomínios, nos galpões. Nesse momento, é uma situação bem precária. Eu saio cedo e volto tarde para trazer o pão de cada dia. O momento é de ficar em casa, mas como podemos fazer isso com filhos para criar? Com contas para pagar? Temos compromissos com a família e com as dívidas”, disse.
Os profissionais informais de Salvador, entre eles os catadores, serão beneficiados pelo programa “Salvador por todos”, anunciado pelo prefeito ACM Neto na última segunda-feira (30). Os trabalhadores cadastrados na prefeitura vão receber um auxílio no valor de R$ 270.
Dos mais de 20 mil trabalhadores cadastrados, 334 são catadores. Jandaíra é uma delas e está apta a receber o benefício.
Além da dificuldade experimentada por famílias de baixa renda, é preciso fazer uma reflexão sobre o impacto sofrido pelo meio ambiente com a ausência de coleta dos materiais recicláveis.
O lixo produzido pela população soteropolitana continua sendo recolhido normalmente pela LIMPURB. Entretanto, enquanto durar a recomendação para que os catadores permaneçam em casa, a Empresa de Limpeza Urbana do Salvador prevê um maior quantitativo de material reciclável destinado ao Aterro Metropolitano.
De acordo com Edmundo Góes, presidente da Cooperguary, uma das 14 cooperativas cadastradas na prefeitura, cerca de 50 toneladas de materiais deixarão de ser recolhidos por mês.
“Não estamos retirando material. Está sendo jogado no aterro. Esse dinheiro dos resíduos está sendo jogado fora e a gente está sem ganhar, já que a gente trabalha coletando, vendendo e ganhando. E tem um prejuízo para o meio ambiente, porque o aterro está recebendo uma carga grande, porque todas as cooperativas pararam. Tudo está sendo jogado”, afirmou.
“A gente só não coleta material orgânico. De PVC a óleo de cozinha, plástico, papel, etc”, conta.
Atualmente, Salvador conta com 90 pontos de entrega voluntária espalhados por 50 bairros, onde a população pode separar o lixo reciclável e fazer o descarte correto.
Entretanto, como os catadores não estão saindo às ruas, a recomendação da Secretaria de Cidade Sustentável (SECIS) é de que as pessoas não façam esse descarte nos pontos de coleta.
Rede de solidariedade
Para uma família como a de Jandaíra Santos, composta por três pessoas, o valor de R$ 270 não é suficiente para cobrir todas as despesas da casa. Um catador recebe, em média, R$ 40 por dia de trabalho.
Levando em conta esse valor, se Jandaíra tivesse trabalhado todos os dias de março, exceto os domingos, teria faturado R$ 1.040.
Diante de um cenário incomum de isolamento para conter o avanço da Covid-19, as pessoas de baixa renda, aquelas mais afetadas pela crise, se apegam a uma rede de solidariedade amparadas nos amigos e vizinhos.
“A gente não trabalha de carteira assinada. Quem mora de aluguel? E as contas? Eu pergunto todo dia quando acordo: o que fazer? Só posso contar com a ajuda do próximo. Não podemos procurar outra atividade para fazer porque a gente não acha”, disse Jandaíra.
À rede de solidariedade, unem-se agentes da sociedade civil empenhados em ajudar aqueles que mais precisam, a exemplo da Tarja Verde, um coletivo que se propõe a contribuir para tornar Salvador mais sustentável e promove ações para reduzir o impacto da crise do clima nas cidades.
Em meio aos estragos provocados pela pandemia, o grupo lançou uma campanha para ajudar os catadores através de uma “vaquinha” online, como explica Marcelo Gandra, um dos integrantes da Tarja Verde.
“Por conta do vírus, os cooperados não estão indo trabalhar. A sobrevivência deles é através disso, de fazer a triagem do material. Como não pode haver aglomeração, eles não estão indo trabalhar. Existe uma deficiência com essa classe, e o coronavírus atinge essa camada mais pobre, de uma galera em situação de rua, dos abrigos”, afirmou.
Em apenas quatro dias de campanha, o grupo conseguiu levantar mais de R$ 15 mil. Somando os boletos que já foram gerados, mas o dinheiro ainda não foi compensado, esse valor pode chegar a R$ 20 mil.
A meta da Tarja Verde é alcançar R$ 50 mil em 30 dias. Esse valor será repartido entre as 14 cooperativas de Salvador para ser repassado entre 436 famílias, em forma de uma cesta básica no valor de R$ 110, incluindo um material de higiene.
G1