Há um ano e meio, Yuri Bennesby realizou o sonho que alimentava desde que começou a trabalhar como cozinheiro uma década atrás: ter seu próprio negócio.
Ele vendeu sua casa e usou todo o dinheiro para abrir uma hamburgueria na Vila Madalena, bairro nobre de São Paulo. Hoje, Bennesby teme ser forçado a abandonar seu “projeto de vida” por causa da crise gerada pelo novo coronavírus.
“Foi uma rasteira. Apostei tudo nesse negócio e agora estou a ponto de desistir. É dolorido”, ele diz à BBC News Brasil, com a voz embargada.
Como muitos pequenos empresários, Bennesby depende das vendas do dia a dia para fechar as contas no fim do mês.
Obrigados a suspender as atividades para frear o avanço da covid-19, muitos agora se veem diante de um dilema: fechar o negócio ou contrair dívidas para arcar com as despesas que terão durante a quarentena.
Em São Paulo, um decreto do governador João Doria (PSDB) obrigou serviços não essenciais a fechar as portas por 15 dias, entre 24/03 a 7/04.
Bennesby e vários outros empresários entrevistados pela BBC News Brasil disseram ter fundos para sobreviver nesse período, desde que as atividades retornem ao normal logo depois.
Porém, há o temor de que a quarentena seja prorrogada ou de que o movimento de clientes continue fraco mesmo após o fim do isolamento obrigatório, o que acabaria sufocando os negócios.
Maioria dos empregos no setor privado
O impacto da pandemia entre pequenas empresas poderá ter amplas consequências para a economia nacional. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), micro e pequenas empresas respondem por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado no Brasil.
São consideradas pequenas, no setor de serviços e comércio, firmas com até 49 funcionários.
Um escritório de contabilidade no centro de São Paulo disse à BBC News Brasil que, desde a última terça-feira, foi procurado por 30 empresas que buscavam serviços para demitir funcionários, reduzir honorários ou adiantar férias.
Segundo o escritório, os pedidos de cortes drásticos dos últimos dias equivalem à demanda que eles costumam atender ao longo de um ano inteiro.
Na mesma Vila Madalena onde Yuri Bennesby abriu sua hamburgueria, pequenos empresários têm compartilhado em um grupo de WhatsApp suas angústias em relação à crise.
“Grandes empresas vão sentir o baque, mas não vão falir. Eu vou à falência, sinto muito!”, diz a mensagem enviada por uma comerciante local.
Dono de uma cervejaria artesanal, Hector Aguilera diz que a crise provocará “um tsunami horroroso” no bairro. “A maioria dos pequenos restaurantes não vai sobreviver”, prevê.
Ele conta que comerciantes que já decidiram fechar as portas estão usando o grupo para vender móveis a lojas vizinhas.
Comércio na periferia
Na periferia de São Paulo, alguns comerciantes têm adotado estratégias para driblar a quarentena e conseguir obter algum dinheiro.
É o caso de uma manicure que abriu um salão de beleza no Itaim Paulista, extremo leste da cidade, há quatro meses.
Após a ordem do governo, ela fechou as portas, mas por conta do desespero ainda tem recebido clientes com hora marcada. Mesmo assim, afirma que a procura tem sido insuficiente para pagar o aluguel do espaço.
“Eu pensei em fechar definitivamente, mas eu tenho dívidas para pagar. Estamos fazendo uma reforma em casa e fizemos dívidas”, afirma.
A comerciante diz ter poucas esperanças de que o negócio, localizado em uma das regiões mais pobres da cidade, sobreviva à crise causada pelo coronavírus.
“Eu vou atender até quando eu puder”, diz.
Alternativas para sobreviver
Ao mesmo tempo em que calculam os prejuízos com a crise, vários pequenos empresários buscam formas de se manter.
Na Vila Madalena, uma doceria se aliou a uma hamburgueria para oferecer combos de seus produtos em aplicativos de entrega.
Na Vila Mariana, zona sul, o Astronauta Café fez uma vaquinha online para arrecadar dinheiro e manter a empresa aberta, mas fornecerá o produto aos clientes só após a crise.
As opções vão de um café com pão na chapa por R$ 10 a um pacote de café mais uma ecobag por R$ 50. A meta era arrecadar R$ 2 mil, mas, até o fim da tarde desta quinta-feira (26/02), o valor já ultrapassava R$ 7 mil.
Gerson Higuchi, dono do restaurante Apple Wood Steaks Bar, no Jardim Anália Franco, área nobre da zona leste de São Paulo, diz que seu faturamento despencou 67%.
Para cortar custos, permitiu que seus funcionários tirassem todo o banco de horas acumulados até o fim da crise, cancelou o serviço de vallet e desligou a câmara congelada do espaço.
Como vários restaurantes, Higuchi reestruturou o negócio para atender apenas por delivery.
“Não adianta dizer que é na crise que vou ganhar dinheiro. É hora de se ajudar. Se todo mundo se apoiar, a gente supera esse momento. Eu só quero sobreviver”, afirma.
Para o coordenador do MBA de marketing digital da FGV e mestre em administração pelo Ibmec Andre Miceli, o momento exigirá calma e criatividade dos comerciantes.
“Vai ter gente que vai quebrar. Vamos viver um momento confuso, mas existem oportunidades que se apresentam. Restaurantes vão usar serviços de entrega, lojas migrarão para o comércio eletrônico. Alguém vai sustentar o consumo durante esse isolamento, e o pequeno comerciante precisa pensar como ele vai aproveitar esse espaço”, afirmou.
Ajuda do governo
Porém, muitos pequenos empresários afirmam que têm margem limitada de ação, e que a sobrevivência de muitos negócios dependerá da ajuda do governo.
Em entrevista à BBC News Brasil, o presidente da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop), Nabil Sahyoun, afirmou que deve levar diversas propostas aos governos federal, estadual e aos próprios lojistas para que não ocorram demissões durante a crise.
“Vamos solicitar recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador — ligado ao Ministério do Trabalho Emprego. O melhor momento para usar esse fundo é hoje. Tem toda a legitimidade agora para mexer nessa verba para bancar o salário desses funcionários parados. Se a gente não tiver ajuda para mantê-los, não vai ter saída a não ser demitir”, afirmou Sahyoun.
Ele diz que nos próximos dias fará uma reunião com lojistas para discutir medidas para que os próprios shoppings ajudem a reduzir custos.
Uma delas é congelar o fundo de promoções e reduzir o condomínio pago pelos comerciantes.
“Teremos uma redução dos custos com energia, funcionários e promoções, como na Páscoa. Neste ano, a data não será da família porque não poderemos colocar avós e netos juntos e isso vai causar uma queda drástica nas vendas. Agora, temos que nos concentrar para voltarmos fortes depois da crise para minimizar os impactos”, afirmou Sahyoun.
Ações já anunciadas
Entre as medidas já divulgadas pelo governo para ajudar empresários durante a crise estão a possibilidade de antecipação de férias individuais e concessão de férias coletivas; a antecipação de feriados; a prorrogação do pagamento de dívidas e a ampliação do uso de banco de horas.
O pacote anunciado pelo governo permite também que as empresas adiem, em três meses, o pagamento do Simples Nacional e o depósito do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) dos trabalhadores.
Segundo um levantamento do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), feito pelo economista Manoel Pires, as iniciativas anunciadas até agora somam cerca de 4% do PIB do país.
Na Alemanha, os gastos do governo para enfrentar a crise do coronavírus atingiram 37% do PIB, na Espanha e no Reino Unido, 17%, e nos EUA, 6,3%, segundo o levantamento da FGV.
Dono de um bar na Vila Madalena, Henrique Dutra Vaz diz que as ações anunciadas pelo governo são “irrisórias” e apenas “postergam os problemas”.
Ele afirma que adiar o recolhimento de impostos, por exemplo, não traz alívios, “pois a refeição que eu não vendi hoje, não venderei amanhã”.
“Vamos ter de ser muito criativos para sobreviver só com essas medidas”, afirma.
R7