Adultos jovens sem comorbidades acabam morrendo de covid-19, deixando uma dúvida: como isso é possível? Segundo o Ministério da Saúde, entre as 32 mil pessoas que morreram por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) por covid-19 este ano, 36,6% não apresentavam comorbidades registradas. “Isso significa que a pessoa poderia até ter alguma comorbidade, mas não de forma registrada. Ela mesma poderia ignorar a existência”, afirmou a pasta.
Segundo o infectologista Renato Kfouri, diretor da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) e membro do Comitê Técnico Assessor do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, é possível ocorrer morte de pessoas sem comorbidades.
Ele explica que vários fatores tentam explicar isso. Um deles está relacionado a uma suscetibilidade genética. Outro fator que pode explicar essa ocorrência seria um aumento da expressão dos receptores ACE-2, molécula abundante principalmente nas vias respiratórias, por onde o SARS-CoV-2, por meio da proteína spike, se liga à célula humana. O aumento da expressão desse receptor pode elevar a carga viral e, consequentemente, aumentar a chance de desenvolver a forma grave da doença. “No entanto, essas evidências ainda não são muito claras”, afirma.
“Ainda há lacunas de conhecimento sobre a reposta imune de cada um. É muito reconhecido como a pandemia se manifesta em grupos de risco. Cerca de 70% das hospitalizações, formas graves e óbitos são de maiores de 60 ou portadores de alguma doença crônica. Então, é evidente como essa população-alvo é acometida de maneira desproporcional, assim como são poupados crianças e jovens. Pessoas abaixo de 20 anos representam 0,6 dos óbitos”, afirma.
Ele ressalta que existem exceções, como idosos assintomáticos ou pouco sintomáticos e crianças e jovens que acabam desenvolvendo a forma grave da doença. “Mas isso é fora do padrão. Quando há 10 milhões de casos, 1,5% em crianças, serão 150 mil casos, o que é muita criança doente, mas, proporcionalmente, é uma porcentagem pequena. É uma exceção dentro de uma proporção muito grande”, explica.
“Existem alguns estudos, já realizados com outros vírus, além do coronavírus, que chamamos de herança genética ou monogênicas que tentam explicar o que faz uma criança ou adulto jovem irem mal e um idoso ir bem. Trata-se de algum grau de resistência ou de proteção geneticamente programado do sistema imune”, acrescenta.
O atraso no tratamento da covid pode ser um risco para seu agravamento, seja pela falta de leitos em enfermarias ou UTIs como pela demora da procura por atendimeto médico, ressalta Kfouri. “Situação como vive Manaus, situações como está caminhando o país, para um colapso, onde não há leitos suficientes e não é possível atender adequadamente, é claro que a letalidade aumenta. Então, vai morrer gente que não era para morrer, não por conta da doença, mas por conta de uma assistência inadequada. Então, a assistência impacta diretamente na letalidade”, diz.
O médico não classifica a covid-19 como uma doença traiçoeira. “É uma doença que estamos aprendendo ainda muito com ela. Esse um ano de pandemia foi de muito aprendizado. Aprendemos como tratá-la e a lidar com a forma grave, principalmente. É um aprendizado contínuo e às vezes a gente se surpreende”, conclui.