A exemplo do que costuma fazer nas manhãs que antecedem seus jogos, a delegação da seleção portuguesa saiu na última sexta-feira (11) para uma caminhada ao lado da praia na região de Cascais. O passeio não durou mais do que 15 minutos.
A determinada altura, Cristiano Ronaldo interrompeu o papo descontraído com o assessor Ricardo Regufe, assobiou três vezes para os colegas e fez o sinal de meia volta com a mão direita. No mesmo instante, os jogadores seguiram para o hotel em que a equipe estava hospedada.
A cena presenciada antes da vitória por 3 a 0 contra Luxemburgo, no estádio de Alvalade, em Lisboa, pelas eliminatórias da Eurocopa de 2020, é um retrato do prestígio que Cristiano Ronaldo carrega no dia a dia.
Cinco vezes melhor do mundo, o atacante de 34 anos é o principal rosto hoje do sucesso local.
Ele está na linha de frente de um país cuja população residente estimada gira em torno de 10 milhões de habitantes. Ou, se preferir, com menos pessoas espalhadas por seu território do que as que vivem na cidade de São Paulo. A sua produção de atletas, ainda assim, não sofre com isso e catapultou Portugal para a fase atual, em que se destaca na Europa.
Os portugueses atravessam o melhor momento de sua história em diferentes modalidades do futebol. São os campeões continentais no futebol de campo (Eurocopa e Liga das Nações), futsal (Campeonato Europeu) e futebol de areia (Liga Europeia).
Esse processo de crescimento teve início a partir de 2004.
“Naquele ano, tivemos a realização da Eurocopa em casa. Foram construídos estádios mais modernos, dadas melhores condições de trabalho e tivemos ainda uma mudança em nossa autoestima. Sempre fomos um país um bocadinho cabisbaixo. O [Luiz Felipe] Scolari fez com que acreditássemos que também temos talento. Apenas não sabíamos valorizá-lo”, afirma o ex-meia Maniche, que fazia parte do grupo que perdeu a final para a Grécia.
“Agora, temos jogadores que estão sempre entre os melhores do mundo no futebol [Ronaldo], futsal [Ricardinho] e futebol de areia [Madjer]”, completa.
Não é preciso pagar uma fortuna para acompanhá-los. O ingresso mais caro para ver Cristiano Ronaldo chegar ao seu gol número 699 contra Luxemburgo custava 15 euros (R$ 66), por exemplo. Eles foram vendidos em estandes espalhados em uma rede de supermercado e esgotaram ainda no início do mês. Ao todo, 47.305 mil torcedores estavam em Alvalade, numa sexta à noite.
“Se você for analisar, em qualquer fim de semana, o que mais passa na televisão portuguesa são jogos de diversos tipos. Da base, futsal e agora também feminino. É possível ver facilmente 15 partidas locais”, afirma o técnico Luís Martins, que treinou Cristiano Ronaldo no Sporting e trabalhou ainda no Tottenham (ING) e no Zenit (RUS).
“Neste mundo, nada é mais coincidência. Existe um conjunto de fatores por trás disso. Eu destacaria três: a melhoria das instalações, a formação dos técnicos e a nossa geração de atletas. Não ganhamos a Euro em 2004, mas esse evento mobilizou o país e serviu como motivação para uma série de novos praticantes. As crianças que se divertiam na frente do [videogame] Playstation foram para as ruas”, acrescenta.
O campeonato local ocupa a sétima posição no ranking das ligas mais ricas Uefa (federação europeia), atrás de Espanha, Inglaterra, Alemanha, Itália, França e Rússia.
O torneio do país tem algumas peculiaridades, como a concentração das equipes da primeira divisão na mesma região. Dez dos 18 clubes da elite estão sediados em um raio de 25 km ao norte do país. Não há na liga limite para estrangeiros. Em confronto recente entre Gil Vicente e Boavista, eram 15 brasileiros entre os 22 titulares.
Mesmo assim, os jovens portugueses conseguem se sobressair. O desempenho recente da seleção na base, inclusive, fica atrás apenas da vizinha Espanha. Nos últimos sete anos, ela chegou a seis finais europeias e ganhou dois títulos.
Entre outros, essa safra revelou o atacante João Félix, 19 anos, vendido pelo Benfica ao Atlético de Madrid por 126 milhões de euros (R$ 559 milhões) na última janela de transferências. Ao lado do meia Bernardo Silva, 25, destaque do Manchester City, ele é considerado o futuro do país na próxima década.
Além de atletas, o país passou a exportar treinadores. Ao todo, 592 portugueses possuem a licença máxima atualmente.
“Quando as coisas correm bem, o nome de Portugal é naturalmente valorizado. O sucesso do Jorge Jesus no Flamengo não é por acaso. Antes, tivemos o José Mourinho. Sem contar o André Villas-Boas e outros que teríamos de ficar o dia todo aqui a citá-los um a um”, diz Maniche.
Principal referência da escola local, Mourinho venceu campeonatos na Itália, Espanha e Inglaterra. Villas-Boas, por sua vez, ganhou na Rússia. Os dois se somam a uma lista que inclui outros como Leonardo Jardim, Paulo Fonseca, Marco Silva e Vítor Pereira, que ergueram taças na França, Ucrânia, Grécia e China, respectivamente.
Na sede da federação portuguesa de futebol, no centro de Lisboa, existe uma foto gigante do craque Eusébio em sua fachada acompanhada pela frase: “Os gênios vivem para sempre”. A atual geração está fazendo o seu papel para se perpetuar na história e sepultar de vez qualquer imagem negativa que resistia.
“No passado, tínhamos má fama no exterior, falavam da nossa suposta mentalidade fraca, poucos haviam tido sucesso. Essa era a imagem dos portugueses, mas ela mudou”, conclui Paulo Futre, um dos primeiros a brilhar fora do país com o Atlético de Madrid.
Bahia Notícias