Fotógrafo de guerra desde 2005, o paulista André Liohn cobriu muitos dos conflitos armados que assolam o mundo nos dias de hoje: Iraque, leste da África, Líbia e Síria são alguns dos cenários violentos retratados em suas fotos. Para ele, as grandes vítimas dos combates são as crianças — que não contribuíram de forma alguma para essa realidade e são impossibilitadas de dizerem o que pensam.
— As crianças em meio à guerra não têm voz nenhuma e nunca estão tomando nenhum tipo de decisão. Além disso, na maioria das vezes, não há ninguém interessado em protegê-las e elas acabam servindo como moeda de troca entre grupos opositores. Membros do Estado Islâmico, por exemplo, já foram flagrados usando crianças como escudos humanos. Então, a principal dificuldade desses meninos e meninas é essa: fazer parte de uma sociedade em colapso e não ter direito nenhum de expressar qualquer coisa.
Entre as cenas degradantes envolvendo crianças que o fotógrafo já testemunhou, uma das mais recentes se deu em julho de 2017, no Iraque — quando o governo declarou vitória contra o Estado Islâmico em Mossul, a cidade onde o grupo extremista criou seu califado.
— Depois de declarar a vitória, o exército iraquiano impediu a entrada de jornalistas ao último reduto anteriormente ocupado pelos membros do Estado Islâmico e suas famílias. Os soldados aproveitaram esse bloqueio para, literalmente, executar todas as pessoas que ainda estivessem ali, fossem elas combatentes do EI ou não. Nesse contexto, muitas crianças foram mortas.
Liohn relata que, quando teve acesso ao local, só conseguia enxergar milhares de cadáveres em meio aos escombros. “O mais chocante é que, bem próximo do Rio Tigres, havia o corpo de um neném recém-nascido vestido com uma camisa militar. A criança devia ter apenas algumas semanas de vida e eu me peguei pensando que, assim como uma gestação, as batalhas por Mossul duraram nove meses, ou seja: aquele era um bebê que se desenvolveu, na barriga da mãe, durante a guerra. E, pior: morreu exatamente no final do combate como um terrorista”.
A fotografia como registro histórico
Depois de doze anos fotografando conflitos, André Liohn acredita que a contribuição de imagens que retratam crianças no contexto das guerras — caso das fotos de Alan Kurdi e Omran Daqneesh, amplamente compartilhadas pelo mundo — é contar a história e registrar o legado dos conflitos.
— A foto garante que a história vai ser vista no futuro. Essa é a única coisa que as imagens asseguram: que os eventos estão sendo registrados e serão vistos amanhã. Infelizmente, eu não acho que a fotografia ou o jornalismo em si tenham o poder de mudar ou melhorar uma realidade de forma imediata. Nem para os indivíduos retratados e nem para o coletivo.
O fotógrafo ainda conta que, mesmo antes de se ver no epicentro dos combates, sempre percebeu as crianças como as grandes vítimas de tamanha violência: “Eu pensava ‘caramba, por que esses caras não se tocam de que estão matando crianças e acabam logo com isso?’ Na nossa vida comum, sempre que fazemos algo que prejudica crianças, todo mundo passa a falar sobre isso e repensar o modelo de sociedade”, relembra.
— Acontece que a guerra não é um modelo de sociedade. A guerra é um colapso da sociedade e de tudo o que é possível em conjunto e comunidade — e as crianças simplesmente estão dentro desse contexto. O problema é que essas crianças, uma hora, vão aprender os códigos de guerra e reproduzí-los. Então, no futuro estarão cometendo crimes de guerra e matando outras crianças. É um ciclo vicioso”, conclui.
R7