A morte de 119 pessoas em um intervalo de duas semanas, em massacres em cadeias de três Estados, não foi suficiente para que o sistema penitenciário brasileiro passasse por um choque de gestão. Um ano depois dos assassinatos marcados pela crueldade — com decapitações e esquartejamentos — a superlotação e as condições precárias ainda são uma realidade quase intocada nos presídios, em meio ao fortalecimento das facções e uma violência que avança nas ruas de Manaus, Boa Vista e Natal.
Das investigações referentes aos três massacres, somente em um dos casos houve apresentação de denúncia criminal. Em Manaus, 213 pessoas responderão na Justiça pelo homicídio triplamente qualificado de 56 presos.
Em Boa Vista, o inquérito corre sob segredo e ainda não foi finalizado, assim como em Natal, onde a Penitenciária de Alcaçuz, palco do massacre, tem hoje o dobro de presos que tinha em janeiro passado.
Maria Laura Canineu, diretora do escritório brasileiro da Human Rights Watch, observatório de direitos humanos, ponderou que um ano não é tempo suficiente para realizar as medidas necessárias contra um problema histórico. Por outro lado, disse que o senso de urgência que mobilizou órgãos governamentais nos primeiros meses parece ter arrefecido.
“A urgência que o problema demanda não permaneceu após os primeiros meses e parece que o tema já saiu um pouco do cenário. Questões centrais foram deixadas de lado e as promessas acabaram não sendo completamente implementadas”, diz.
Relatório elaborado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e divulgado agora em dezembro constatou que ao longo do ano unidades prisionais de 11 Estados registraram rebeliões entre outubro de 2016 e maio de 2017. Em 78% dos casos, a rebelião aconteceu em uma cadeia com superlotação. Mesmo com esse cenário, só 3% de mais de R$ 1 bilhão liberado pelo Funpen (Fundo Penitenciário) aos Estados foram gastos em mais de 12 meses, segundo mostrou o Estado na semana passada.
As famílias ainda aguardam indenizações prometidas, com poucos casos vitoriosos na Justiça, enquanto convivem com o medo e a lembrança das imagens dos mortos distribuídas pelo WhatsApp. Do filho Joniarlison Feitosa dos Santos, o que a doméstica Divaneide de Jesus Feitosa, de 52 anos, mais se recorda é o amor dele pelo Flamengo, o respeito com os pais ao pedir diariamente a bênção ao vê-los, e as demonstrações de carinho.
“Bateram demais no meu filho. Quem mandou fazer isso não tem pai nem mãe. Ele podia ter feito algo errado [Santos estava preso por tráfico de drogas], mas estava pagando. Não tinha nenhuma morte, não fazia parte de nenhuma facção”, lamenta a doméstica, chorando sentada à mesa da sala com a neta de 1 ano e 7 meses no colo. Ele foi morto no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus.
Tensão
Nas ruas da capital amazonense, a tensão permanece. Na noite de 12 de dezembro, homens armados chegaram a um campo de futebol no bairro da Compensa, conhecido reduto da FDN (Família do Norte), e abriram fogo, matando seis pessoas e ferindo outras nove.
A Secretaria da Segurança diz que um dos clubes, o T5 Jamaica, era mantido por membros de uma organização criminosa e “as investigações apuram se as mortes decorrem de um racha interno do grupo, de uma disputa entre facções rivais pelo controle do tráfico de drogas ou de retaliações por outros homicídios praticados na cidade”. A polícia já acredita em um racha dentro da FDN. Uma pessoa foi presa.
O procurador Márcio Sérgio Christino, do Ministério Público de São Paulo, diz que o conflito no começo do ano serviu para demonstrar o tamanho das facções, que até aquele momento “não tinha sido percebido”. “Essa foi a grande lição. Percebemos o quanto as facções cresceram e hoje estão espalhadas pelo Brasil inteiro com uma força muito grande”, explica.
Ele alerta para a continuidade da expansão das facções, apesar da relativa calmaria atualmente. “Os massacres foram demonstrações de uma força que até então era insuspeita. Mas o final das rebeliões não significa que as facções desistiram, mas, sim, que aquela forma de conflito se esgotou.”
R7