Enquanto o mundo deseja a paz, a indústria militar prospera; uma análise do impacto econômico e político das operações militares e seu papel no PIB e financiamento político
Nos últimos meses, a atenção global se voltou para dois conflitos intensos: a guerra entre Ucrânia e Rússia e o persistente conflito entre Israel e Palestina. Enquanto o mundo clama por paz, uma análise aprofundada revela que, para muitos países, a paz não é tão lucrativa quanto a guerra. Esse fenômeno é especialmente evidente ao observarmos quem são os principais financiadores dos conflitos globais.
Segundo o professor da Escola de Negócios e coordenador de Comércio Exterior da Universidade Positivo (UP), João Alfredo Lopes Nyegray, doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia, é preciso explorar os complexos motivos por trás da persistência da máquina de guerra. “Especialmente após a Segunda Guerra Mundial, os esforços militares que deveriam ter diminuído continuaram a expandir-se, impulsionados pela Guerra Fria e pela necessidade dos Estados Unidos de alimentar seu proeminente setor industrial militar”, pontua.
Um levantamento da Freakonomics apontou que, de 1776 a 2020, os Estados Unidos estiveram em guerra durante 93% do tempo, ou seja, em 225 de 243 anos como nação independente. O especialista destaca que o complexo industrial militar nos Estados Unidos traz alguns “benefícios” à nação com as guerras. “Desde 1960, no final da década de 1950, esse complexo industrial militar dos Estados Unidos vem intensificando suas relações com o governo, não apenas financiando campanhas eleitorais de deputados e senadores, mas também gerando empregos qualificados em vários estados. Isso torna os tempos de paz economicamente pouco atrativos para a maior economia do mundo”, explica.
Nyegray analisa o discurso dos EUA. “Eles dizem que um determinado lugar precisa de democracia e liberdade. Mas o oposto nada mais é do que a necessidade de girar um setor que não apenas é muito importante para a economia, mas que acaba tendo laços políticos muito claros com os poderes Legislativo e Executivo do país”, observa Nyegray.
Os números falam por si. Os Estados Unidos lideram os investimentos militares globais, ultrapassando os 2 trilhões de dólares anuais, com mais de 40% desse montante proveniente dos próprios gastos. É o maior orçamento militar do mundo, quase três vezes o orçamento militar da China, que está em segundo lugar. Em terceiro lugar, fica a Índia, seguida da Rússia e Reino Unido. “Essa realidade destaca o papel dominante do complexo industrial militar americano, em que seis das dez maiores empresas do setor são estadunidenses”, esclarece.
O custo da guerra ao redor do mundo
Os dados levantados sobre os custos da guerra nos países em foco revelam um cenário complexo. A Rússia, por exemplo, destinou cerca de US$ 101 bilhões à guerra em 2023, quase três vezes o gasto anual com defesa antes da invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022. “Esses gastos, embora impactem a economia russa, também impulsionam o PIB do país, evidenciando o paradoxo econômico da guerra”, avalia Nyegray.
A Ucrânia, ao gastar US$ 44 bilhões, experimentou um aumento significativo de 640%, influenciando até mesmo decisões de gastos em outros países europeus, como Polônia, Suécia e Holanda, por exemplo, que decidiram incrementar os gastos militares justamente após a invasão russa. Além disso, essa ação beneficiou os Estados Unidos, impulsionando as exportações de armas em mais de 14%.
Em Israel, a guerra em Gaza, que já chega a três meses, teve um custo considerável de US$ 1,44 bilhão para a economia, enquanto a Palestina estima que os custos de guerra variem entre US$ 4 e 6 bilhões.
Esses dados, aliados à análise do professor Nyegray, revelam a intrincada teia de interesses que alimenta a indústria militar global. “Enquanto o mundo clama por paz, a lucratividade da guerra continua a impulsionar uma máquina complexa e poderosa, na qual os custos humanos e sociais muitas vezes são ofuscados pelos ganhos econômicos”, conclui.