A cantora Daniela Mercury foi o destaque do terceiro dia da Bienal do Livro Bahia neste domingo (28). No painel intitulado “O sol da liberdade”, ela fez revelações sobre suas criações ao longo de 40 anos de carreira para uma plateia que lotou a Arena Jovem, que é um dos espaços do evento. Também passaram por lá outros grandes nomes, como Raphael Montes, Lumena Aleluia, Anderson Shon, Tatiana Amaral, Sue Hecker, Aline Bei e Mariana Carrara.
No bate papo, a ‘Rainha do Axé’ contou que a música ‘Tudo de novo’ foi escrita sobre o fim do casamento com o ex-marido, Zalther Póvoas, pai de seus dois primeiros filhos. “Eu sempre tive dificuldade de falar de amor, sou dura. Eu tô mais para Rita Lee, eu gosto é de criar confusão com a pessoa. Eu só consigo compor sobre amor quando eu termino a relação. Eu avisei a meus ex-maridos e a Malu [Verçosa]: ‘Cuidado, porque quando eu começo a compor é porque o relacionamento tá terminando’”, contou aos risos.
A cantora disse que gosta de ler livros de diversos gêneros, não apenas ficção, e se dedica a leituras sobre felicidade, psicanálise, estética e outros. Daniela Mercury defendeu, ainda, que muitas histórias ainda podem ser contadas sobre a Bahia e que sente falta de mais registros sobre a produção artística no estado, como biografias e documentários. “A gente tem alguns documentários, mas eu acho tudo ainda muito pouco porque a geração do Axé a turma documenta pouco. Acho que vale contar a história de cada banda, a gente tem muito a contar. Faltam livros, songbooks de compositores dos blocos afros”, disse.
Também na Arena Jovem se apresentou o escritor Raphael Montes, que contou para um auditório lotado alguns segredos das suas obras de suspense. Montes revelou, inclusive, que tem planos de morar em Salvador. Perguntado sobre o que pensa de declarações sobre mulheres escreverem sobre mulheres, negros sobre negros e gays sobre gays, ele disse que o seu livro “Uma família feliz” foi uma contribuição ao debate.
“Eu acredito no exercício da ficção literária. O escritor pode escrever sobre qualquer coisa e eu posso, sim, escrever sobre uma travesti norueguesa, e sobre a história de um psicopata que, com certeza, eu não sou. Escrever é a graça de vestir corpos e cabeças que não são meus. Limitar o que cada pessoa pode escrever para mim tem nome e é censura. A gente reproduz discursos até com boa intenção, mas não percebe os perigos. O conceito de ‘lugar de fala’ é sobre dar voz a quem viveu determinadas experiências, mas ele não impede que outras pessoas também falem sobre os assuntos”, disse.
A ex-BBB e comediante Lumena Aleluia e o co-fundador da página ‘Saquinho de Lixo’, Júlio Emílio, trouxeram discussões sobre o papel dos memes na cultura contemporânea. Para Lumena, os memes lhe deram uma espécie de segunda chance com o público após a saída do reality da TV Globo, já que sua participação foi marcada por forte rejeição. “No programa, eu estava com os chakras desalinhados. Foi interessante, depois, poder brincar com as coisas que me aconteceram. Foi como pegar um limão e fazer uma limonada. Com os memes, as pessoas me deram a chance de mostrar outras versões minhas. Foi um respiro para a minha saúde mental, e foi legal ter essa chance porque hoje consigo me comunicar com a galera que me segue”, agradeceu.
Glicéria Tupinambá, legítima representante dos povos originários, fala sobre a memória do mundo
Já no Café Literário, que é outro espaço da Bienal, a artista e ativista indígena Glicéria Tupinambá contou sobre como fez para refazer um Manto Tupinambá, tradição que havia se perdido há séculos devido à ação de colonizadores. “O tempo, para nós, é algo infinito. O nosso tempo não é linear como o dos homens. Ele está traçado no meu cocar, no meu bracelete. Eu visto o tempo. Alguns não entendem a questão do pertencimento porque procuram a lógica na ciência do branco para se entender na sua própria cultura”, observou.
Participante da mesma mesa, a historiadora Tanira Fontoura falou sobre o orgulho de ser povo de terreiro, mesmo não sendo fácil, e das correlações entre as culturas negras e indígenas.”Terreiros e aldeias são locais de preservação de tradições e é isso que nos mantém unidos. A gente tem o conceito da memória e a memória traz o conceito de pertencimento. As lutas são grandes, mas a responsabilidade com tudo isso é o que faz com que a gente siga e não desista porque o que é nosso, é nosso. Somos alicerce dessa terra”, disse.