Apenas com combustível, o gasto superou R$ 1,5 milhão de abril a junho, o suficiente para dar abastecer um carro popular com combustível para dar 139 voltas na circunferência da Terra (veja abaixo os campeões de alguns tipos de despesas).
Esse e outros serviços contrastam com o isolamento pretendido pela Mesa Diretora da Câmara ao determinar uma “quarentena” para a sede do Legislativo, em Brasília, em vigor desde 11 de março. O ato que restringiu a circulação de parlamentares e funcionários na Câmara e vetou eventos previa que os deputados precisavam até de autorização para deixar seus estados. As sessões e votações passaram a ser virtuais, com os deputados participando principalmente de suas casas.
Além das medidas adotadas pela Câmara, todos os governos estaduais decretaram regras de quarentena, em muitos lugares rígidas nesses primeiros meses de pandemia, pedindo que a população evitasse circular.
Despesas da cota parlamentar
Arte/R7
A verba de custeio serve para atender despesas de atividade parlamentar feitas pelo deputado ou seus assessores e não inclui o salário dos funcionários. A cota chega a R$ 45,6 mil mensais, e o valor não utilizado acumula. Não há nada que obrigue que o gasto seja feito em Brasília. O trabalho junto às comunidades locais nos estados é, inclusive, a justificativa apresentada pelos parlamentares para os gastos no período.
Em geral, a despesa considerando todos os custos (que incluem ainda conta de celular, material de escritório etc) caiu 45%. O valor diminuiu de R$ 55,1 milhões de abril a junho de 2019 para R$ 30,2 milhões no mesmo período de 2020, segundo dados da Câmara tabulados pelo R7.
O campeão é o deputado Luiz Carlos (PSDB-AP), que teve uma despesa de R$ 147,5 mil dividida entre diferentes tipos de serviço. Em junho, por exemplo, ele gastou R$ 35 mil de consultoria, sendo R$ 20 mil para uma pesquisa socioeconômica em Santana, no Amapá, para subsidiar a elaboração de emendas para o município, segundo nota fiscal apresentada. O restante foi destinado a um escritório de advocacia para apoio na elaboração de projetos legislativos. Procurado, ele não comentou a liderança nas despesas.
Combustível
O gasto com consultorias é um dos mais comuns entre os 519 parlamentares que apresentaram notas, sendo 513 com vaga fixa na Câmara e seis suplentes. A maioria teve despesa com combustível – 382. O que mais gastou com esse item foi Cláudio Cajado (PP-BA), com despesa de R$ 18 mil, sendo exatos R$ 6 mil a cada mês (abril, maio e junho).
Grande parte do valor foi de notas emitidas por um mesmo posto no bairro Caminho das Árvores, em Salvador, e que, segundo o deputado, é o escolhido porque fica próximo de seu escritório na capital baiana. Segundo Cajado, o trabalho foi mantido no estado da Bahia desde o início da pandemia com viagens para diversas cidades para atendimento à população, entre elas Nova Soure, Cipó e Ibotirama.
O segundo lugar ficou com um correligionário de Cajado, o deputado federal Professor Alcides (PP-GO), que também apresentou três notas mensais de cerca de R$ 6 mil. Ele afirma possuir bases eleitorais em mais de 100 municípios goianos e que ele e sua equipe intensificaram as viagens com a pandemia. Disse ainda ter feito diversas doações de alimentos no período, além do próprio salário.
As despesas com veículos não param nos combustíveis. A locação também aprece com destaque entre os custos, consumindo R$ 5,6 milhões no período. Um dos líderes foi Átila Lira (PP-PI), que gastou por mês R$ 12,1 mil com o aluguel de dois veículos, um Toyota Hilux SW4 e um modelo Virtus, totalizando R$ 38,1 mil.
Um valor equivalente foi utilizado pela deputada Magda Mofatto (PL-GO) com o aluguel de um veículo não especificado nas notas.
Outras despesas
O aluguel de meios de transporte não se reume a automóveis. O deputado Júlio Cesar (PSD-PI) fretou um avião por R$ 12.500 entre São Luís, no Maranhão, e Teresina, capital do Piauí.
Há também gastos com embarcações e reembolso de passagens de avião – estas encabeçadas pelo deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que compareceu a sessões de forma presencial. A Presidência da Casa disse ter recomendado a presença de um deputado por liderança. Ramos é vice-líder do seu partido e, segundo sua assessoria, preferiu ir constantemente à capital federal visando à liberação de recursos para combate à covid-19 no interior do Amazonas, entre outros assuntos.
O deputado federal Giacobo (PL-PR) liderou em hospedagem com 13 diárias em Curitiba, duas em São Paulo e uma em Foz do Iguaçu, entre outras despesas. Giacobo afirma que longe de Brasília, foca sua rotina no estado e que procura atender com emendas uma região de 167 municípios. A capital paranaense é o local onde escolhe dormir após visitas a cidades como Guarapuava e Campo Largo, já que sua base fica no extremo oeste do estado, em Foz do Iguaçu. As viagens são constantes, afirma.
Notas de despesas com alimentação também aparecem na prestação de contas dos parlamentares. O líder foi o deputado João Carlos Bacelar (PL-BA), o terceiro em despesas de combustíveis. Os gastos se deram em estabelecimentos em Brasília e em Salvador, base do deputado. Bacelar afirma que continuou trabalhando normalmente e que muitas vezes banca os custos do próprio bolso. Ele afirma que uma viagem de avião entre Salvador e Irecê, no oeste do estado e que ele costuma fazer, pode custar R$ 3 mil, diz. “Acelerei. Enquanto meus concorrentes estão em casa eu estou trabalhando”, afirma.
Volta ao mundo
Para calcular quanto o dinheiro gasto pelos deputados representa em quilômetros rodados, o R7 considerou o uso de um veículo Gol 1.0, que tem capacidade para percorrer 10,1 km por litro de álcool na estrada, segundo tabela do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia).
O valor do combustível utilizado no cálculo foi a média nacional do preço do etanol de R$ 2,78 por litro, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo). A conta considerou ainda o tamanho da circunferência da Terra na Linha do Equador – 40.075 km.
Deputados
Outros deputados que estão entre os que mais gastam nos custos listados pelo R7 enviaram manifestações. Segundo o Coronel Chrisóstomo (PSL-RO) que teve despesa com alimentação, o trabalho em Brasília continuou apesar da pandemia. “Tenho me reunido com ministros, parlamentares, com o presidente Jair Bolsonaro e outras autoridades frequentemente. Trabalho para enviar recursos ao meu Estado e ajudar a combater o surto do novo coronavírus no Brasil”, disse.
O deputado Jesus Sérgio (PDT-AC) disse que a despesa com combustível se deu majoritariamente no Estado do Acre e na cidade de Tarauacá, base do deputado e situada a 400 km da capital Rio Branco. Ele afirma que a possibilidade de participar das sessões de forma remota é uma oportunidade para estar mais presente nas cidades do Estado ouvindo a população. “Nesse sentido os gastos com combustíveis tendem a aumentar até que a Câmara dos Deputados volte às suas atividades normais com sessões presenciais”, disse.
O parlamentar Filipe Barros (PSL-PR), que aparece no ranking de despesas com hospedagem, afirmou em nota que “deputados não existem apenas para apertar botões quando há votação. Embora as sessões sejam remotas, o trabalho do parlamentar junto às suas bases não é”. Segundo ele, as visitas aos municípios continuaram, assim como as idas a Curitiba, onde está a sede do governo estadual, parceiro em diversos projetos, segundo Barros. Ele diz ainda que precisou se hospedar em São Paulo por ausência de voos para destinos no Paraná em “horários viáveis.“
O deputado Assis Carvalho (PT-PI) ficou em quinto lugar no consumo de combustíveis, com cerca de R$ 16,3 mil. O deputado morreu em julho, de infarto, no Piauí, e o gabinete foi ocupado por um suplente. A assessoria de Carvalho afirmou que “os gastos do mandato cumpriram rigorosamente a previsão do Ato da Mesa nº 43/2009. O deputado não deixou de cumprir as obrigações parlamentares e continuou sendo demandado, mesmo na pandemia.”
Os demais parlamentares citados na reportagem foram procurados para comentar o uso da cota, mas não se manifestaram.
Devolução de recursos
A Câmara afirma que fez um esforço fiscal de cortes nas despesas de pessoal (R$ 43 milhões), nos investimentos (R$ 49 milhões) e no custeio operacional (R$ 58 milhões), permitindo economizar R$ 150 milhões para devolução ao governo federal e aplicação no combate à covid-19.