Jair Bolsonaro chega ao fim da sua pior semana desde que assumiu a Presidência da República, em janeiro de 2019, sofrendo críticas em sequência de aliados próximos e ouvindo apelos por um comportamento mais conciliador para tentar virar a página.
A artilharia nesta quinta-feira (19) veio sobretudo dos representantes do setor rural, furiosos com a provocação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao governo chinês, que ele culpou pela crise do coronavírus.
Horas antes, houve uma rara crítica mais dura do escrito Olavo de Carvalho, guru de Bolsonaro e de sua família.
“Eleito para derrubar o sistema, Bolsonaro, aconselhado por generais e políticos medrosos, preferiu adaptar-se a ele. Suicídio”, escreveu em sua conta no Facebook, na noite de quarta (18).
“Deu ouvidos a generais isentistas, dando tempo a que os inimigos se fortalecessem enquanto ele se desgastava em lacrações teatrais. Lamento. Agora talvez seja tarde para reagir”, afirmou.
Ligado a Olavo, o jornal conservador online Brasil Sem Medo pediu que os panelaços realizados por três dias seguidos contra o presidente, de terça (17) a esta quinta, sejam um sinal para que ele e seus ministros “continuem se empenhando em proteger a vida humana”.
Após culpar o governo chinês pela crise do coronavírus, Eduardo Bolsonaro ouviu de volta do embaixador do país asiático, principal destino das exportações brasileiras, uma resposta no mesmo tom.
“Atacar a China é sintoma de imbecilidade”, escreveu o ex-deputado Xico Graziano, um ex-tucano que se aliou ao atual presidente da República e é ligado ao campo.
Para ele, “a capacidade da turma de Jair Bolsonaro em criar desavenças está acima do razoável”. “Política se faz ampliando, jamais espremendo. Chamando, não excluindo”, disse numa rede social.
A postura de Eduardo Bolsonaro de responsabilizar a China pela crise do coronavírus tem sido a tônica de aliados do presidente nas mídias digitais, mas isso só adquiriu ares de crise diplomática quando o filho do presidente engrossou o coro.
“Ele não deveria ter feito a postagem, uma vez que, pelo fato de ser filho do presidente, pode dar margem a todo e qualquer tipo de interpretação”, afirmou o deputado estadual Frederico D’Avila (PSL), outro apoiador do presidente ligado ao setor rural.
Para D’Avila, que afirma seguir aliado incondicional de Bolsonaro, o momento é de tensão mundial, e não se deve criar atritos nas relações comerciais.
Na mesma linha, o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) afirma que o problema não foi o que foi dito, mas quem disse.
“No mérito, o Eduardo está correto. Mas como ele é filho do presidente, isso toma um aspecto maior, gera um impacto grande”, afirma.
“Se fosse um deputado qualquer, um jornalista ou um ativista, falando exatamente o que ele falou, tenho certeza de que haveria amplo respaldo”, declarou.
A crise com a China veio na sequência de erros políticos em série cometidos pelo presidente desde que minimizou a pandemia de coronavírus, no final da semana passada.
Os problemas seguiram com a participação dele em ato pró-governo e contra o Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal) no domingo (15) em Brasília, contrariando a recomendação das autoridades sanitárias, e seguiu pelo que foi visto como condução errática da crise.
Desaguou na guerra de panelaços –na quarta, diante da mobilização contra ele, o próprio presidente buscou estimular outro semelhante a favor dele, mas, claramente, o barulho dos opositores de Bolsonaro foi maior que o dos apoiadores.
Aliados outrora próximos indignaram-se com a atitude de Bolsonaro diante da crise do coronavírus. A deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), que chegou a ser cotada para ser sua vice, pediu a saída do presidente do cargo.
Ativista conservador influente no Twitter, Leandro Ruschel fez uma rara crítica ao presidente, de quem é apoiador inconteste.
“O presidente não deveria ter apertado a mão de pessoas em frente ao Palácio [do Planalto]. Tanto pela segurança dele quanto dos que ali estavam. Se tivesse ficado à distância, saudando o povo, a deferência seria a mesma, sem o risco”, tuitou.
Os últimos dias foram de muitos constrangimentos para Bolsonaro, que foi cobrado em frente ao Palácio da Alvorada por um imigrante haitiano, num ambiente em que geralmente há apenas tietagem e gritos de “mito!”.
Ele também sofreu pedidos de impeachment de um deputado distrital de Brasília e de parlamentares do PSOL, intelectuais e artistas.
Nos bastidores, cresce a visão, mesmo entre apoiadores do presidente, de que ele cometeu o maior erro de seu mandato no caso do coronavírus, e que é preciso remendar a situação rapidamente. Isso passa por ter atitudes mais técnicas e menos ideológicas e de confronto.
Um efeito inesperado da crise foi o crescimento de pedidos por parte de bolsonaristas por calma e união nacional.
Perfis de redes sociais que se destacam pela belicosidade repentinamente passaram a falar em conciliação e humildade.
“A batalha político-ideológica não é, na minha modesta opinião, a prioridade atual. Mas sim a disciplina, a razão, a calma e a prudência”, escreveu Claudia Wild, colunista conservadora e ligada ao site Terça Livre, ferrenhamente bolsonarista.
Na mesma linha conciliadora escreveu o procurador Ailton Benedito, secretário de Direitos Humanos da Procuradoria-Geral da República e alinhado ao presidente.
“É imprescindível que todos entendamos, independentemente de ideologias políticas, que estamos no mesmo país, que enfrenta um inimigo comum. Não é hora de se investir em divisões do povo”, escreveu ele, que se destaca normalmente por tuítes agressivos contra a esquerda e a imprensa.
Bahia Notícias