O desembargador Antônio Amado, da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, votou nesta terça-feira (28) para anular a decisão judicial que, em abril do ano passado, determinou a quebra dos sigilos bancários e fiscal do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ).
Amado considerou que o senador, filho do presidente Jair Bolsonaro, não teve oportunidade de se manifestar na investigação antes da quebra de sigilo, determinada à época pelo juiz Flávio Itabaiana.
A decisão final do caso ainda depende do voto de outras duas desembargadoras da Câmara do TJ, que pediram mais tempo para analisar o processo. Por ora, a quebra de sigilo continua válida.
Os integrantes da Câmara do TJ analisam um habeas corpus no qual os advogados de Flávio apontam ilegalidades na decisão do magistrado de primeira instância, como falta de fundamentação.
A justificativa do juiz Itabaiana para a quebra de sigilo toma um parágrafo do documento, enquanto adota as razões expostas pelo Ministério Público em 87 páginas. Ao quebrar o sigilo de outras oito pessoas, em junho, Itabaiana refez a decisão, fundamentando as razões para autorizar a medida.
Nesta terça-feira, o desembargador Amado negou o habeas corpus pelas razões apresentadas pela defesa, mas apontou outros motivos pelos quais a decisão de primeira instância deveria ser anulada.
O magistrado considerou que o senador não teve a oportunidade de se manifestar antes de ter o sigilo quebrado. Ele salientou o fato de o filho do presidente ter peticionado no procedimento um pedido para falar.
Disse ainda que o Ministério Público do Rio afirmou, em seu pedido de quebra de sigilo, que Flávio havia se recusado a falar, o que, para ele, não condiz com a verdade. “O magistrado [Itabaiana] pode ter sido induzido a erro”, disse o desembargador.
O magistrado, contudo, sinalizou que, caso seu voto seja vencedor, a Promotoria pode renovar o pedido de quebra de sigilo, após tentar ouvir o senador. O juiz pode, então, autorizar de novo a medida, mantendo a continuidade das investigações.
Flávio é investigado desde janeiro de 2018 sob a suspeita de recolher parte do salário de seus empregados na Assembleia Legislativa do Rio de 2007 a 2018, quando o filho do presidente era deputado estadual.
A apuração começou após relatório do antigo Coaf, hoje ligado ao Banco Central, indicar movimentação financeira atípica de Fabrício Queiroz, seu ex-assessor e amigo do presidente Jair Bolsonaro.
Além do volume movimentado, de R$ 1,2 milhão em um ano, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas do pagamento de servidores da Assembleia.
Queiroz afirmou que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem conhecimento do então deputado estadual. A sua defesa, contudo, nunca apontou os beneficiários finais dos valores.
A Promotoria apura suspeitas de peculato, ocultação de bens, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
O senador conseguiu, em duas oportunidades, paralisar as investigações no STF (Supremo Tribunal Federal).
Em janeiro de 2019, o ministro Luiz Fux concedeu liminar após a reclamação de Flávio. A decisão foi revogada pelo ministro Marco Aurélio Mello.
Em julho de 2019, após pedido de Flávio, as apurações do caso foram de novo suspensas por liminar (decisão provisória) do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli. Após decisão do plenário da corte, em dezembro, as investigações foram retomadas.
Nesta terça, o desembargador Amado afirmou que o fato de o senador ter solicitado a interrupção da investigação em diferentes oportunidades não tira seu direito de atuar na produção de provas.
“Não se pode, pelo fato da reclamação no STF, por isso dizer que ele se recusou a prestar depoimento. Isso não é verdade. Ninguém mais chamou o paciente. Habeas corpus é um direito dele. Ele podia ser chamado. Não é porque entrou com habeas corpus que acabou a possibilidade de ser ouvido”, afirmou o desembargador.
Em dezembro, o juiz Itabaiana autorizou o cumprimento de mandados de busca e apreensão em 24 locais, incluindo a franquia da Kopenhagen em que o senador é um dos sócios. A Promotoria suspeita que a empresa é usada para lavar dinheiro obtido na “rachadinha”. Outro meio de lavagem, avaliam promotores, é a compra de venda de imóveis.
O senador nega desde o fim de 2018 que tenha praticado rachadinha em seu gabinete. Afirma que não é responsável pela movimentação financeira de seu ex-assessor. O advogado Fredrick Wassef afirmou que “confia no Judiciário fluminense”.
“A defesa do senador Flávio Bolsonaro tem absoluta certeza de que ele teve seu sigilo bancário quebrado de forma ilegal. E de que é ilegal a decisão do juiz Flávio Itabaiana de quebrar o sigilo bancário de dezenas de pessoas, algumas sem qualquer relação com o senador, numa decisão sem fundamentação. Tenho plena confiança na Justiça do Rio de Janeiro”, disse Wassef.
QUESTÕES AINDA SEM RESPOSTA NO CASO QUEIROZ
– Quem eram os assessores informais que Queiroz afirma ter remunerado com o salário de outros funcionários do gabinete de Flávio?
– Por que o único assessor que prestou depoimento ao Ministério Público do Rio de Janeiro não confirmou a versão de Queiroz?
– Como Flávio desconhecia as atividades de um dos seus principais assessores por dez anos?
– Por qual motivo Jair Bolsonaro emprestou dinheiro a alguém que costumava movimentar centenas de milhares de reais?
– De que forma foi feito esse empréstimo pelo presidente e onde está o comprovante da transação?
– Onde estão os comprovantes da venda e compra de carros alegadas por Queiroz?
– Por que há divergência entre as datas do sinal descrita na escritura de permuta de imóveis com o atleta Fábio Guerra e as de depósito em espécie fracionado na conta de Flávio?
INCONSISTÊNCIAS NO PEDIDO DO MP-RJ
– Pessoas não nomeadas por Flávio Bolsonaro: há três casos de pessoas sem vínculo político com Flávio que foram alvo de quebra de sigilo. Elas estavam nomeadas no gabinete da liderança do PSL na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro quando o senador assumiu o cargo e, em seguida, as demitiu;
– Remuneração de Queiroz: ao comparar gastos com vencimentos de Fabrício Queiroz, o Ministério Público considera apenas salário da Assembleia e ignora remuneração que ele recebe da Polícia Militar;
– Saques: há erro na indicação do volume de saques feitos por Queiroz em dois dos três períodos apontados;
– Laranja potencial: Promotoria atribui ao gabinete de Flávio servidora da TV Alerj que acumulava cargo com outro emprego externo;
– Patrimônio: ao falar sobre um negócio que envolve 12 salas comerciais, os promotores do Ministério Público do Rio escreveram que Flávio adquiriu os imóveis por mais de R$ 2,6 milhões, quando, na verdade, ele deteve apenas os direitos sobre os imóveis, que ainda não estavam quitados e continuaram sendo pagos em prestações por outra empresa que assumiu a dívida.
Bahia Notícias