“É muito mais fácil você encontrar um carro no Brasil que uma pessoa”, desabafa Ivanise Esperidião, fundadora do Grupo Mães da Sé. “Para os veículos, existe cadastro e as seguradoras têm interesse econômico em recuperá-los, mas o que é feito pelas pessoas que somem?”, questiona.
Muito pouco, de acordo com a promotora de Justiça Eliana Vendramini, do Ministério Público de São Paulo. Para ela, existe uma preocupação maior pela busca de bens que de pessoas. “Surgiu um cadastro para localização de veículos roubados e teve bons resultados, mas pouco foi feito pela localização de pessoas”, explica.
Desde janeiro de 2018, o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos não funciona. O site foi tirado do ar. “O governo afirma que é para fazer uma reformulação, mas na prática, estava tão desatualizado e defasado que não servia para muita coisa”, observa Ivanise. “Embora ninguém confiasse muito nas informações do site, retiramos do ar o pouco que tínhamos” diz a promotora.De acordo com levantamento feito pela Cruz Vermelha, entre 2007 e 2017, 786.071 desapareceram no Brasil. Somente em 2017, foram 82.684. Os dados foram obtidos a partir dos anuários publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
“É possível que esses dados não retratem fielmente a realidade brasileira porque foram organizados a partir dos boletins de ocorrência e sabemos que algumas famílias não notificam o desaparecimento, seja por medo ou desconfiança das autoridades”, observa a coordenadora de proteção do CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha), Marianne Pecassou.As estatísticas também não são detalhadas. Para Marianne, não é possível saber, por exemplo, o perfil dos desaparecidos, quantos foram resgatados e em quais circunstancias. “De qualquer maneira são dados importantes porque dão visibilidade ao problema, mas é preciso ter cautela na análise dos números”, explica.
Segundo o MP, as pessoas mais atingidas são aquelas mais vulneráveis, que moram em periferias, com pouco acesso a informação e atendimento adequado nas delegacias.
Políticas Públicas
“O Brasil é um país de dimensões continentais, mas não existe uma política global sobre pessoas desaparecidas, projetos de lei foram apresentados, mas falta articulação nessas iniciativas”, avalia Marianne coordenadora de proteção do CICV. “Também é preciso que se adote uma legislação que esteja voltada para o processo de buscar, mas também para os direitos das famílias com apoio psicológico e acolhida”.
A promotora Eliana Vendramini é coordenadora do PLID (Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos) em São Paulo, um cadastro de desaparecimentos que usa e sistematiza dados de diversas fontes, assim auxiliando no processo de localização e ou identificação no caso de pessoas mortas.
Eliane defende a criação e aplicação de um sistema integrado de dados. “Pedimos informações e dados, tentamos por 5 anos o diálogo com Secretaria de Segurança Pública, mas como não foi possível, o Ministério Público entrou até o momento com três ações civis públicas contra prefeitura e Estado pela causa dos desaparecidos”.
O MP também organizou uma cartilha com informações para conscientizar e sensibilizar a população sobre o tema. E busca parcerias principalmente entre Instituto Médico Legal e delegacias para que ocorra a troca de informações entre esses órgãos. “Estamos pleiteando que, quando possível identificar a pessoa seja pelo nome ou dados identificativos como tatuagens, não sejam enterradas sem que a família seja avisada e evitar o chamado re-desaparecimento”.
“As delegacias não estão preparadas para lidar com esse tema”, diz Ivanise. “No geral, o preconceito fala mais alto: menina fugiu com o namorado, o menino foi para a balada ou usa drogas, o marido fugiu com a amante ou tem dívidas e não vão atrás da pessoa que desapareceu”, acrescenta.
Tanto o Ministério Público de São Paulo como a Cruz Vermelha concordam com Ivanise. “É preciso mudar a cultura nas delegacias, desaparecimento não é crime, mas começamos com um desaparecimento e chegamos a um homicídio ou tráfico de pessoas, é preciso investigar sempre”, afirma Eliane.
“O Estado precisa acolher as famílias, dar atendimento psicossocial, essas famílias se sentem isoladas, como se ninguém estivesse olhando para elas”, diz Marianne.
Mães da Sé
No dia 23 de dezembro de 1995, Fabiana Esperidião, com apenas 13 anos, foi dar os parabéns para uma amiga, vizinha no bairro de Pirituba, que fazia aniversário e não voltou mais casa. Até hoje Ivanise espera uma resposta do Estado sobre o paradeiro da filha.
“É uma dor sem fim viver nessa incerteza, sem saber se ela está viva ou se morreu, sem saber o que aconteceu”, diz Ivanise. “Nós não temos o direito de enterrar os nossos filhos”.
Foi uma longa procura pelas ruas, em hospitais e Instituto Médico Legal. “O atendimento na delegacia foi desrespeitoso por parte do delegado, mas um investigador se solidarizou e nos ajudou nas buscas, no entanto, até hoje não tivemos nenhum retorno das investigações”, relata.
Após a participação em uma novela, Ivanise deixou seu telefone e outras mães a procuraram. Elas se reuniram nas escadarias da praça da Sé e lá nasceu o movimento Mães da Sé que reúne familiares de pessoas desaparecidas.
“Desde 31 de março de 1996, já localizamos 4.752 pessoas e temos 10 mil cadastradas. Lutamos para que toda a sociedade tenha conhecimento desse problema e essa questão não seja mais tratada como estatística, não somos apenas números”, finaliza.
R7